A Sicília vai cobrir os custos incorridos pelos pacientes que usam canábis para fins terapêuticos, anunciou no passado dia 21 de Janeiro a agência de notícias italiana ANSA. Um decreto assinado pelo vereador regional da saúde, Ruggero Razza, estabeleceu que a canábis deverá ser gratuita para os pacientes que sofrem de dor crónica e neuropática e espasticidade derivada da esclerose múltipla.
Mas nem todos os médicos poderão prescrever canábis. Caberá aos médicos das instituições regionais de saúde pública, especialistas em anestesia e reanimação, neurologia e centros de terapia da dor, prescrever a canábis por um período máximo de seis meses. As preparações podem depois ser solicitadas pelos pacientes às farmácias hospitalares.
E é precisamente aqui que surge o primeiro obstáculo, pois a maioria das farmácias não pode produzir canábis actualmente. De todas as farmácias particulares da Sicília, apenas cinco produzem o medicamento, por isso o decreto prevê um acordo entre a administração regional de saúde e as cinco farmácias privadas já activas, em Agrigento, Catania, Palermo, Ragusa e Siracusa.
O decreto da região da Sicília resulta de um trabalho que vem sendo realizado há mais de um ano por um departamento técnico criado pelo vereador de saúde, Ruggero Razza, e das exigências de algumas associações, como a Bister, da Catania e a Existam os direitos, de Palermo .
“Agradecemos ao vereador Razza pela sensibilidade demonstrada e pelo decreto recém-assinado, que é um resultado muito importante”, disse Giuseppe Brancatelli, da Bister, em declarações ao Il Fatto Quotidiano. “Como associação, continuaremos o nosso trabalho para que o número de doenças para a administração gratuita da canábis seja ampliado”.
O decreto do vereador siciliano vem no seguimento da aprovação do auto-cultivo pelo Supremo Tribunal de Justiça italiano em Dezembro passado, que estabeleceu que o cultivo doméstico de canábis deixa de ser crime se as plantas forem poucas e apenas para uso pessoal.
Apesar de este decreto na Sicília ser revolucionário, já existem outras regiões de Itália onde os medicamentos à base de canábis fornecidos pelas farmácias hospitalares são suportados pelo sistema italiano de saúde.
Agricultores querem menos importação e mais produção nacional
Em Itália, a procura por produtos terapêuticos à base de canábis está em constante crescimento e é satisfeita graças às importações da Holanda. Actualmente, Itália produz cerca de 500 kg de inflorescências de canábis (350 kg em 2019), no único centro autorizado para o cultivo, a fábrica de produtos farmacêuticos militares, em Florença.
Para a Coldiretti, Confederação Nacional de Agricultores italiana, entre cultivo, transformação e comércio, a canábis é um negócio de 1,4 mil milhões, que pode representar pelo menos 10 mil novos empregos. A Coldiretti sustenta que se deve interromper a importação e activar uma cadeia de fornecimento totalmente italiana.
“Somente usando os espaços já disponíveis em estufas abandonadas devido à crise na horticultura, o interior da Itália pode disponibilizar imediatamente mil hectares de terra em cultivo protegido. São locais fechados onde mais facilmente os procedimentos de controle podem ser executados pela autoridade competente para evitar o risco de abuso”, refere a Confederação em declarações ao Il Sole 24 Ore.
Esta é uma oportunidade que “deve ser cuidadosamente avaliada para sair da dependência do exterior e iniciar um projeto 100% italiano da cadeia de suprimentos, que combina agricultura e indústria farmacêutica”, conclui a Coldiretti.
As indicações do Ministério da Saúde italiano para o uso de canábis
Em Itália a canábis pode ser usada legalmente para fins terapêuticos desde 2006, com regras precisas de prescrição, e somente quando as terapias convencionais são ineficazes, à semelhança de Portugal. Cabe ao Ministério da Saúde indicar os motivos da prescrição, que são os seguintes: movimentos espásticos associados a dores típicas de esclerose múltipla e lesões na espinal medula; dor crónica, causada por danos do sistema nervoso; náuseas e vómitos derivados da quimioterapia, radioterapia ou terapias para pacientes com HIV; falta de apetite em pacientes com cancro, HIV e em anorexia nervosa; pressão ocular excessiva no glaucoma; movimentos involuntários na síndrome de Gilles de la Tourette.
Uma emenda apresentada ao governo por cerca de trinta deputados do M5s, Pd, Leu e + Europe, pede no entanto a legalização da “canábis light”, autorizando a comercialização de “preparações contendo canabidiol (CBD) cujo conteúdo de tetra-hidrocanabinol (THC) não seja superior a 0,5%”. Em Portugal o limite é 0,2%, mas a venda de CBD não está autorizada pelo Infarmed.
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Imagem de Destaque: Enecta Cannabis extracts on Unsplash