Guilherme Figueiredo é Médico Reumatologista, foi Director de Serviço de Reumatologia do Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, nos Açores, e é actualmente o Director Executivo da CAL – Clínica do Aparelho Locomotor. Com especial interesse na utilização de canabinóides na dor crónica, Guilherme fez uma Pós-Graduação em GMP’s (Good Manufacturing Practices) de Canábis Medicinal no Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos.

No seguimento da notícia da aprovação das flores de canábis com 18% de THC em Portugal, as primeiras a serem autorizadas pelo Infarmed, enviámos algumas questões a Guilherme Figueiredo, para saber de que modo as poderá utilizar na sua prática clínica. 

Na sua opinião, o que representa a aprovação deste primeiro produto no mercado?
Como médico reumatologista, desde há 32 anos, considero que esta aprovação representa muito, objectiva e subjectivamente, por ser o primeiro derivado directo da planta “Cannabis sativa” a ser aprovada em Portugal, dois anos depois da aprovação da regulamentação da Canabis Medicinal e por se somar a outra formulação-medicamento, o Sativex, que tem uma aprovação muito específica em termos de indicação médica – tratamento da dor e espasmos musculares da Esclerose Múltipla em pacientes resistentes às terapêuticas aprovadas. Por outro lado, é uma formulação com conteúdo praticamente exclusivo de THC que permite, isoladamente ou em associação com CBD, construir esquemas terapêuticos para tratamento da dor mais amplos e diversificados.

O folheto para os profissionais de saúde tem toda a informação de que precisa para prescrever?
Sim, o RCM (Resumo das Características do Medicamento) é muito completo e esclarecedor dos diferentes aspectos que envolvem a terapêutica com este produto, ou seja: a sua natureza química e propriedades farmacológicas, as diferentes posologias a adoptar,  os seus efeitos desejáveis e indesejáveis e os aspectos da segurança a curto e longo prazo, etc. Enfim, o normal que é exigido pelos padrões internacionais e do perfil de exigência habitual do Infarmed. Eu diria mais até do que é normalmente exigido aos produtos não comparticipados, de autorização ACM (Autorização de Colocação no Mercado), como este é.

Quantos pacientes é que estima que possam vir a beneficiar dele?
Os canabinóides não se tornaram, de um momento para o outro, a grande panaceia do tratamento da dor crónica e da inflamação, referindo-me apenas ao âmbito da minha especialidade, muito menos um novo paradigma. Representam mais uma e nova possibilidade terapêutica, considerados como tratamento alternativo aquando do falhanço ou intolerância a outros tratamentos existentes que os doentes venham efectuando. Neste sentido, não prevejo que, num curto prazo, haja largos milhares de potenciais utilizadores. Os casos deverão ser seleccionados por um conjunto de critérios relativamente finos e os tratamentos desenhados de forma personalizada face aos diferentes problemas clínicos, comorbilidades, perfil de personalidade e de enquadramento social e cultural dos pacientes. Vai exigir especiais esforços nos aspectos da informação e educação dos pacientes, dado se tratar de um grupo terapêutico novo, bem assim como, a montante, de formação médica pré e pós-graduada, assunto no qual estamos deveras atrasados.

Que outros produtos espera ver aprovados no futuro em Portugal ou quais são os que neste momento mais falta fazem aos seus pacientes?
Esperemos que outras aprovações se sigam num curto espaço de tempo, nomeadamente de mais inflorescências para vaporização, de óleos/sprays de absorção pela mucosa oral, de cásulas softgel para administração oral, de mais lenta metabolização e efeito, com CBD isolado e/ou que combinem CBD:THC em concentrações e proporções já relativamente estudadas e propostas noutros mercados, como o canadiano ou holandês. Isto permitirá aos clínicos e pacientes terem acesso a um portfólio variado de formulações, que disponibilize formas posológicas mais flexíveis e adaptadas às suas diferentes necessidades.