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Entrevistas

Moisés Ferreira: “Legalizar combate o tráfico e promove a saúde pública”

Aos 31 anos Moisés Ferreira, deputado do Bloco de Esquerda (BE), prepara-se para apresentar dois projectos de lei para a legalização da canábis em Portugal, um para fins medicinais e outro para fins recreativos. No passado, as propostas de legalização do Bloco foram chumbadas pela Assembleia da República, mas a conjuntura actual tem tudo para […]

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Aos 31 anos Moisés Ferreira, deputado do Bloco de Esquerda (BE), prepara-se para apresentar dois projectos de lei para a legalização da canábis em Portugal, um para fins medicinais e outro para fins recreativos. No passado, as propostas de legalização do Bloco foram chumbadas pela Assembleia da República, mas a conjuntura actual tem tudo para que se inverta essa tendência. À terceira, será de vez?

Num dos encontros que a Cannativa teve com o deputado do BE para elaborar o projecto de lei para a legalização da canábis medicinal, a Cannapress aproveitou para entrevistar Moisés Ferreira e assim ficar a saber mais sobre as razões que o levaram a enveredar por um tema tão controverso.

A legalização da canábis é uma causa que move muitas pessoas no mundo inteiro. O Moisés é um homem de causas?
Gosto de pensar que sim. Há causas simples, como as da liberdade e da democracia, que são princípios basilares dos quais nunca devemos abdicar, independentemente de outros interesses que possam existir. E depois há uma causa fundamental, que é o facto de as pessoas deverem ter o direito a fazer aquilo que bem entendem da sua vida para ser o mais felizes possível e o Estado não tem o direito de dizer que a pessoa pode ou não pode casar com esta pessoa, que a pessoa pode ou não pode consumir esta substância, etc., porque isso depende do livre arbítrio, da decisão individual e do que as pessoas querem fazer na sua vida. Acho que isso também é um princípio de liberdade muito importante e que deve orientar não só o Bloco mas também a minha participação na Assembleia da República.

Moisés Ferreira, 31 anos, é deputado do Bloco de Esquerda e vai apresentar dois projectos de lei para a legalização da canábis: um para a medicinal e outro para a recreativa (Foto: Laura Ramos)

É esse princípio de liberdade que move o Bloco de Esquerda para avançar com propostas de lei para regulamentar a Canábis?
Não será novidade para ninguém se eu disser que o Bloco de Esquerda defende a legalização do consumo de canábis para todos os fins, o chamado fim medicinal e o chamado fim recreativo. O que nós estamos a preparar neste momento é um projecto de lei que cria o enquadramento jurídico para a legalização, prescrição, dispensa e comparticipação da canábis para fins medicinais e terapêuticos. Há mais do que evidência científica que permita avançar com toda a segurança nesta área. E depois, um outro projecto de lei, que é na verdade o passo consequente e subsequente ao grande passo que Portugal deu no início do milénio com a descriminalização, que é o da legalização da canábis para fins recreativos e a possibilidade da comercialização, venda e do auto-cultivo também.

Como vão ser essas propostas de legalização?
Estamos abertos a burilar as nossas propostas e a melhorá-las do ponto de vista do pormenor. Aliás, o Bloco de Esquerda sempre teve o objectivo de legalizar e depois foi aprendendo e bebendo com algumas experiências internacionais para ir construindo o seu modelo e estamos completamente abertos para o discutir. Só não abdicamos deste objectivo, que é o da legalização, e é isso que nós queremos fazer.

Legalizar porquê? 
Razões pelas quais defendemos a legalização: a questão da liberdade, sim. A actual legislação encerra em si uma hipocrisia, porque diz, e bem, que ninguém pode ser criminalizado por consumir. Mas depois não permite a compra e a venda, nem permite o cultivo. Portanto, de alguma forma criminaliza-se sempre. Não se criminaliza porque se consome mas criminaliza-se porque se vai comprar ou vender, ou então criminaliza-se o cultivo para consumo próprio. E não é por acaso que o SICAD mostra, por exemplo no relatório relativo a 2015, que há um aumento de contra-ordenações relacionadas com o consumo de canábis. A legislação para a descriminalização foi um passo muito importante, que colocou Portugal na vanguarda dos países a nível mundial, mas já passaram 17 anos. E portanto, é preciso dar novos passos, é preciso olhar para a legislação, perceber que ela foi importante, mas já encerra algum anacronismo e que é preciso dar novas respostas. Mais do que isso, a legalização traz benefícios para a sociedade como um todo. Ao legalizar estamos a combater as redes de tráfico e o seu financiamento, porque depois também não são redes que vendem apenas canábis, muitas são redes que estão associadas a pequena, média e grande criminalidade.

Que vantagens pode trazer a legalização para a sociedade em geral?
Legalizar combate o tráfico e, talvez ainda mais importante, promove a saúde pública, porque permite uma regulamentação e uma avaliação sobre o que realmente está a ser vendido e comprado. O SICAD diz que há cada vez mais casos de pessoas que dão entrada hospitalar com, por exemplo, surtos psicóticos ou problemas agudos de ansiedade relacionados com o consumo de canábis. Isto acontece porque muito provavelmente o que está a ser vendido na rua é um produto adulterado, química e geneticamente, e portanto, se for legalizado vai haver um maior controlo sobre a qualidade do produto e as pessoas vão poder consumir com maior segurança e com menor impacto para a sua saúde. Daí ser positivo do ponto de vista individual e do ponto de vista da saúde pública também.

O princípio da liberdade é um dos mais prezados por Moisés Fereira (Foto: Laura Ramos)

Já muitos países da Europa e do mundo legalizaram a canábis medicinal. Porque é que Portugal ainda não tem um programa de incentivo aos estudos relacionados com a canábis e as suas potencialidades?
Portugal tem ainda, provavelmente, algum problema de preconceito com a planta e isso é extensível ao cânhamo, que tem muitas dificuldades para ter licenças de produção, apesar de ter efeitos medicinais, nomeadamente através da exploração do CBD (canabidiol), e de também ser usado a nível industrial, como nos têxteis e outro tipo de fibras. O mesmo acontece na área da canábis medicinal, porque em Portugal o INFARMED já autorizou a entrada e a comercialização de um medicamento, que é o Sativex, mas apesar de ele estar autorizado, as farmácias não o têm. Os médicos não prescrevem, se os médicos não prescrevem as farmácias não compram e portanto há aqui um efeito de ‘pescadinha de rabo na boca’. A verdade é que já é possível utilizar esse medicamento, mas ninguém consegue ter acesso ao mesmo. E por isso é que o Bloco de Esquerda quer, com o seu projecto de lei, reformular o enquadramento jurídico, para que se diga e que se torne claro que a prescrição da canábis é possível e que ela tem potenciais terapêuticos que nós temos de explorar. Se se exploram os potenciais terapêuticos dos opiáceos, por exemplo, devemos enquanto sociedade explorar também os potenciais terapêuticos de uma planta como a canábis, que em comparação com outras drogas medicinais tem o mesmo potencial terapêutico com menor risco. Queremos ainda contemplar num dos artigos a promoção de estudos científicos, até porque actualmente já há muita investigação sobre THC e sobre o CBD a nível internacional, mas a planta tem muitas outras componentes, muitos outros canabinóides que têm potencial terapêutico e que ainda são relativamente desconhecidos. Por isso faz sentido que Portugal também invista nessa investigação, do ponto de vista da saúde e de poder disponibilizar às pessoas novas terapêuticas, novos fármacos que são eficazes para muitas doenças, e do ponto de vista económico, de potenciar a produção, a transformação e a exportação de alguns derivados e substâncias, que podem ser utilizadas em Portugal e no estrangeiro para fins medicinais.

Os médicos portugueses estão preparados para receitar canábis medicinal?
Acho que sim, estão preparados para receitar e já o fazem hoje, por isso acho que não terão nenhuma objecção sobre o assunto. Nós ouvimos, por exemplo, o presidente do SICAD dizer que não tem nenhuma objecção sobre o uso da canábis para fins medicinais. Ouvimos o actual bastonário da Ordem dos Médicos dizer que está disponível para discutir o assunto. E temos declarações públicas de vários médicos em Portugal que, talvez por lidarem com situações limite, de casos oncológicos, doenças neuromusculares, etc., perceberam que a canábis tem, efectivamente, um efeito positivo nessas doenças. O Presidente do IPO do Porto, Dr. Laranja Pontes, também já defendeu publicamente a utilização da canábis para fins medicinais. Portanto acho que sim, os médicos estão habituados a lidar com o sofrimento das pessoas, com a doença, e estão habituados a olhar de forma descomplexada para substâncias, percebendo o que é que cada uma delas pode fazer para aliviar o sofrimento e melhorar a saúde, e a canábis é uma dessas substâncias.

Mas acha que os médicos sabem exactamente que tipo de planta receitar ou deverão ter uma formação a esse nível?
Suponho que muitos saibam, até porque se interessam e estudam o assunto. É efectivamente complexo, porque é preciso perceber, primeiro, qual é a posologia mais adequada e depois saber quais as combinações, por exemplo, entre THC, CBD, etc. Mas isso é como quando é introduzido qualquer novo fármaco no mercado, é preciso saber como prescrever, porque a prescrição não é só dizer ‘vá tomar isto’, é preciso dizer quantas vezes por dia, qual o modo de toma, qual é a composição, e por isso sim, é normal que tenha que haver depois uma formação / informação, que há sempre que há novos produtos disponíveis para fins terapêuticos, tem que haver sempre. E a canábis não será também uma excepção desse ponto de vista, terá que acompanhar esse procedimento normal.

E quem poderá receitar? Só médicos especialistas ou o médico de família também deverá ter capacidade para receitar canábis medicinal?
Neste momento, eu acho que o enquadramento jurídico para a prescrição de canábis deve ser feito simplificadamente, nao obstante de depois haver uma regulamentação. Aquilo que nós gostaríamos de propor nesse enquadramento jurídico era que qualquer médico pudesse prescrever.

Moisés na Assembleia da República, em entrevista à Cannapress TV

Acha que os portugueses neste momento já estão mais informados sobre o que é a canábis medicinal ou ainda há muito trabalho a fazer?
Há sempre trabalho a fazer, mas creio que todas as pessoas percebem que se há uma substância que é eficaz do ponto de vista terapêutico e que pode estar disponível para todas as pessoas, ela deve ser efectivamente disponibilizada. Não se consegue perceber que possam existir novos fármacos ou novas terapêuticas no mercado que são eficazes para combater a doença ou aliviar o sofrimento e que não sejam disponibilizados. Creio que toda a gente percebe isto, porque toda a gente tem na sua família alguém que passou por uma doença em que se calhar o uso da canábis teria ajudado, não só nos sintomas mas na própria doença em si. Ninguém compreende que, apenas por preconceito para com uma planta, essas substâncias e essas terapêuticas não sejam disponibilizadas.

Acha que 2017 vai ser finalmente o ano da legalização?
Vamos fazer por isso! Da parte do Bloco de Esquerda vamos fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para que seja. Para fins medicinais, para fins recreativos, é esse o nosso objectivo há muito tempo e acho que à medida que vamos apresentando projectos vamos ganhando apoios, não só político-partidários, mas também na sociedade, e neste momento creio que há condições para o fazer.

O que é que gostava de dizer às pessoas que consomem canábis e que ainda sofrem algumas represálias por consumirem?
Represálias do ponto de vista social, de estigma social, ou represálias do ponto de vista de…

Até criminal…
Criminal, exactamente. A descriminalização foi um bom passo, no entanto para haver a descriminalização completa é preciso também descriminalizar o cultivo, é preciso descriminalizar a compra e a venda, e isso é a legalização. Portanto, só com a legalização é que nós realmente conseguimos atingir a descriminalização. A legalização não trará consigo nem aumento de consumo (como não trouxe a descriminalização), nem trará consigo problemas sociais. Na verdade ela reduzirá problemas sociais, como há pouco falávamos, nomeadamente problemas que estão associados ao consumo de substâncias adulteradas, que são adulteradas porque ela, estando ilegal, não é possível fazer o controlo sobre a sua qualidade, e portanto aquilo que digo é, vamos fazer tudo aquilo que estiver ao nosso alcance, quando digo nós é o Bloco de Esquerda, para legalizar para que efectivamente haja uma verdadeira descriminalização. E nós sabemos como estas coisas funcionam, a lei influencia a sociedade como a sociedade influencia a lei. Ao haver legalização vai haver um processo na sociedade de quebra do estigma social que ainda possa existir para com alguns consumidores.

Como é que se quebra este tabu e este estigma social em relação a uma planta com tanto potencial?
É apenas naturalizando. Não querendo fazer comparações, porque os assuntos não são comparáveis, mas Portugal já teve tantos debates sobre assuntos chamados fracturantes e polémicos, que depois se viu que quando se legalizou foi completamente naturalizado, já ninguém fala disso, já completamente integrado na sociedade, e penso que a legalização da canábis fará exactamente o mesmo.
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Imagem de destaque: Laura Ramos

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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