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Direito ao auto-cultivo evita tribunais e jurisprudência

A legalização da canábis para fins medicinais sem possibilidade de auto-cultivo pelos pacientes está a abrir precedentes na lei um pouco por todo o mundo, obrigando os tribunais a fazer jurisprudência e a conceder licenças especiais para o cultivo de canábis para fins medicinais. Em Portugal os pacientes são obrigados a recorrer ao mercado negro ou […]

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A legalização da canábis para fins medicinais sem possibilidade de auto-cultivo pelos pacientes está a abrir precedentes na lei um pouco por todo o mundo, obrigando os tribunais a fazer jurisprudência e a conceder licenças especiais para o cultivo de canábis para fins medicinais.

Em Portugal os pacientes são obrigados a recorrer ao mercado negro ou a viver na ilegalidade para ter acesso ao tratamento que se revelou mais eficaz na sua patologia.

Se o direito ao auto-cultivo para consumo próprio com fins medicinais não ficar garantido em Portugal, o mais provável é que, à semelhança do que aconteceu recentemente na Alemanha e no Brasil, estes casos inundem os tribunais, obrigando-os a fazer jurisprudência e a cumprir o ponto 1. do Artigo 64º. da Constituição da República Portuguesa: “Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover”.

Duarte, 14 anos, foi diagnosticado com Síndroma de Dravet na infância. Em Abril de 2017, após uma consulta com o Dr. Javier Pedraza, iniciou um tratamento com óleo de canabidiol (CBD) e começou, ao mesmo tempo, um desmame de quatro medicamentos que tomava: Topomax, passou de 200mg para 25mg, Castillium, de 20mg para 15mg, Rubifen, de 20mg para 10mg e Vesperidal, 2mg para 0mg. Segundo Víctor Mateus, vice-presidente da Associação Dravet Portugal e pai de Duarte, há três crianças da Associação a tomar óleo de CBD.

Duarte tem 14 anos e Síndrome de Dravet. Toma óleo de CBD desde Abril do ano passado e os resultados têm sido “fantásticos”, mas o pai tem que ir comprar o óleo a Espanha. Foto: DR

No caso do seu filho Duarte, os resultados foram “incríveis”, tal como contou Víctor, em declarações à Cannapress.
“O comportamento social do Duarte está fantástico, consegue ir ao restaurante e estar sentado duas horas, coisa que antes era impensável. Nota-se, por exemplo, um enorme desenvolvimento cognitivo nos últimos meses e estamos muito surpreendidos pela positiva”. Víctor Mateus costuma ir a Espanha para adquirir o óleo. Durante algum tempo encomendou através do website de uma empresa sediada em Braga, a Onol, mas como começou a haver atrasos prefere agora ser ele a comprar directamente no país vizinho. Sabe que incorre numa ilegalidade, mas afirma que a saúde do seu filho está acima de qualquer outra coisa.

Carlos, 44 anos, tem dor crónica nas costas, resultado de duas vértebras esmagadas numa queda quando era pré-adolescente. Depois de ter experimentado todo o tipo de opiáceos descobriu que a canábis lhe aliviava os sintomas de forma mais eficaz e que ainda lhe retirava grande parte da ansiedade, ajudando-o a dormir melhor. Filipe, 41 anos e seu companheiro, é seropositivo e usa a canábis para estimular o apetite e também para tratar as lesões que lhe aparecem esporadicamente na pele. Carlos e Filipe viram a sua casa invadida pela polícia em 2017 e enfrentam há vários meses um processo em tribunal por “Crime Organizado e Tráfico de Estupefacientes”, tudo porque tinham quatro plantas de canábis na varanda da sua casa. Com a apreensão, ficaram sem a matéria prima para produzir o óleo que lhes iria aliviar os sintomas da doença e sofreram na pele o estigma e o preconceito por parte das forças de segurança e dos tribunais.

Carlos sofre de dor crónica e Filipe é seropositivo. Enfrentam neste momento um processo em tribunal por ter quatro plantas na varanda de sua casa. Foto: Laura Ramos

“A Juíz que presidiu às audiências revirava os olhos de cada vez que tentávamos explicar como e porque usávamos a canábis para fins medicinais. Foi muito frustrante e revoltante constatar que há muito preconceito e muita falta de informação sobre esta matéria na sociedade e a polícia, os juízes e os advogados não são excepção”.

Depois de os magistrados terem percebido que a quantidade que Carlos e Filipe tinham em casa não era suficiente para traficar e que não havia provas nesse sentido, a acusação passou para “Tráfico Menor”, mas Carlos e Filipe continuam a arrisca uma pena suspensa de um ano. Vão conhecer a sentença ainda esta semana e continuam sem acesso ao medicamento que mais eficácia tinha nas suas patologias.

Luís Meneses tem uma doença raríssima: Neuromielite Óptica, também conhecida como Síndroma de Devic. Esta é uma condição auto-imune em que o sistema ataca a mielina, a camada que cobre a maior parte das fibras nervosas e que, neste caso concreto, atinge as fibras dos nervos ópticos e da espinal medula. Sendo tão pouco comum, ainda não há estudos específicos com resultados claros para avaliar a eficácia da canábis no tratamento desta doença, mas outros tantos provaram que o CBD e mesmo o THC podem ajudar a minimizar os efeitos de algumas doenças neurológicas com sintomas parecidos, como a falta de sensibilidade nos membros inferiores ou a espasticidade, típica da esclerose múltipla, doença com a qual este síndroma se confunde muitas vezes.

Luís tem uma doença rara e quer experimentar canábis medicinal, mas não sabe por onde começar nem onde arranjar. Sabe que não quer fumar e que prefere, por exemplo, ingerir. Foto: Laura Ramos

Perante a possibilidade de usar canábis para tratar a sua patologia, a primeira reacção de Luís foi igual à de muitas pessoas: “Mas eu nem sequer fumo!”. No entanto, e tendo em conta a particularidade do seu caso, Luís não coloca de lado a hipótese de um tratamento com canábis medicinal. “Se funcionar, obviamente que sim”. Ainda assim, Luís diz-se disposto a entrar num ensaio clínico controlado com canábis medicinal. “No fundo, o que estou a fazer com o meu actual tratamento também é experimental – e tive que assinar um consentimento informado. Não se sabe muito bem quais as consequências nem existem ainda estatísticas com resultados mais ou menos definitivos sobre isto, portanto, se a canábis medicinal for realmente uma possibilidade terapêutica, estou disposto a fazer parte de algum estudo”.

O desconhecimento sobre as diferentes maneiras de usar a planta além da inalação de fumo é mais ou menos generalizado e Luis não é excepção. Fumar a canábis é uma das maiores barreiras ao uso da planta para fins medicinais. Mas sabendo que o CBD, por exemplo, pode ser ingerido em forma de gotas, a coisa muda de figura. “Eu não fumo, portanto se houvesse outra forma de poder fazer a toma da substância seria preferível”, afirma. Para Luís o cerne da questão, porém, é a existência de provas sobre a eficácia da substância e a venda de produtos controlados: “Do ponto de vista medicinal, quero experimentar se houver base científica de que tem propriedades benéficas e se for regulado, como qualquer outro medicamento. Em termos de auto-cultivo ou auto-consumo, como doente, sou mais prudente. A toma de canábis deve ser regrada. Quando falamos de saúde é importante salvaguardar as questões de qualidade, como com qualquer outro medicamento. Mas a verdade é que não estou suficientemente por dentro do assunto para poder ter uma opinião definitiva.” Apesar de tudo, Luís assume que gostaria que o médico de família lhe pudesse dar essa alternativa.

Pedro Almendra tem cancro e melhorou muito com canábis medicinal, mas deixou de ter acesso ao óleo que tomava. Foto: DR

Em 2012, Pedro Almendra, foi jogar futebol com os amigos e sofreu uma lesão no perónio esquerdo, que acabou por ficar inchado. O que parecia um simples hematoma acabou por se revelar ser um tumor no perónio. Numa fase inicial foi considerado benigno pelos médicos. Pedro foi operado para remover o tumor, mas como se tinha considerado benigno, não se removeu toda a zona circundante (remoção preventiva). Um mês e meio depois, o tumor tinha regressado com o dobro do tamanho e Pedro foi novamente operado, em 2015, desta vez para remover o tumor já considerado maligno. Em 2017, sentiu uma pontada nas costas e foi ao médico, tendo-lhe sido diagnosticados vários nódulos em ambos os pulmões e metástases inoperáveis. Entretanto, o tumor do pulmão direito aumentou. Só lhe restava a quimioterapia, mas decidiu tentar alternativas, incluindo a canábis. Mudou também a dieta, trocou hábitos alimentares e passou a utilizar produtos biológicos, mais saudáveis. Há três meses, falou com um amigo que tinha tratado uma leucemia com canábis e ajudou-o, então, a obter a primeira variedade medicinal: Critical Kush, de predominância Índica. Com essa variedade, teve resultados fantásticos: “as dores desapareceram, comecei a ter mais apetite e a dormir melhor, até as pessoas à minha volta reconheceram que eu estava muito melhor”. Entretanto, o amigo não teve produção suficiente para o abastecer: “Tive que recorrer ao mercado negro e a variedades que não são as mais indicadas”. Depois de episódios de insónia e diarreia, Pedro decidiu interromper o tratamento e vai marcar uma consulta com o Dr. Javier Pedraza para se aconselhar sobre o que fazer a seguir. Mas já sabe que o maior problema será arranjar o óleo para prosseguir com o tratamento.
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Foto de destaque: DR

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Laura é actualmente Editora do CannaReporter e da CannaZine, além de fundadora e directora de programa da PTMC - Portugal Medical Cannabis. Realizou o documentário “Pacientes” e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

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