Um médico em greve de fome, pacientes no banco dos réus por auto-cultivo, 13 mil pedidos de comparticipação aos seguros de saúde, tribunais a fazer jurisprudência e empresas a processar o Estado por discriminação… o cenário da legalização de canábis para fins medicinais na Alemanha está caótico, com a atribuição de licenças de cultivo adiada indefinidamente.
Há quase um ano atrás a Alemanha legalizou a canábis para fins medicinais, mas muitos pacientes continuam sem acesso seguro à planta. A regulamentação do acesso na prática está a provocar o caos entre o Estado, empresas, pacientes e até médicos, que pedem um acesso menos burocrático à planta com fins medicinais.
Em Agosto passado, o médico Franjo Grotenhermen, especialista em tratamentos com canabinóides, presidente da Associação Alemã da Canábis como Medicina e director executivo da Associação Internacional de Medicamentos Canabinóides (IACM), iniciou uma greve de fome contra a burocracia no acesso à canábis medicinal e pediu que todos os pacientes que tivessem na sua posse canábis para fins medicinais fossem descriminalizados.

Franjo Grotenhermen, médico, iniciou uma greve de fome a favor dos pacientes de canábis medicinal FOTO: DR
Em declarações à Marijuana Politics, Grotenhermen afirmou que “o governo deu um passo na direcção certa, mas muitos pacientes ainda dependem de um tratamento considerado ilegal. Enfrentam sanções criminais e isso já não aceitável, por isso deve ser estabelecido um esclarecimento básico na lei de narcóticos. A acusação de pacientes a quem um médico certificou a necessidade de uma terapia com canábis deve terminar”, pediu o médico.
Além de criminalizados pela posse de canábis, a maioria dos pacientes não consegue encontrar um médico com a formação necessária para lhe prescrever canábis, porque os próprios médicos, antevendo processos demasiado confusos e burocráticos, acabam por se desinteressar por esta terapia.
Seguradoras obrigadas a comparticipar
A Alemanha, que era conhecida por uma política de drogas restritiva, inovou em 2017, tornando-se no primeiro país a contemplar que os pacientes com patologias severas tivessem o seu tratamento coberto pelos seguros de saúde.
Mas antes dessa regulamentação, e durante seis anos, cerca de 620 pacientes em circunstâncias especiais já tinham tido autorização para aceder a um total de 233 kg de canábis medicinal. Após a aprovação da nova lei, em Março de 2017, o número de pacientes que recorria às farmácias para aceder a canábis medicinal aumentou exponencialmente, bem como o número de pacientes que pediu a comparticipação por parte de seguros de saúde, mas as respostas continuam a demorar mais de cinco semanas e as seguradoras podem ainda requisitar mais informações aos serviços de saúde alemães, antes de aceitarem comparticipar os tratamentos à base de canábis.
No início deste ano, um relatório revelou que o número de reembolsos de canábis medicinal requisitados às seguradoras ascendia a 13 mil, face aos cerca de 4 mil pedidos contabilizados em Julho de 2017.
Número de comparticipações na Alemanha
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Aumento da procura, escassez na oferta

Um paciente mostra a sua canábis medicinal. Foto: DPA
Em meados do ano passado surgiram ainda relatos de que a canábis medicinal tinha esgotado nas farmácias, tendo o fornecedor de canábis medicinal, Cannamedical Pharma GmbH, reconhecido que a empresa que a abastece e que é sua parceira, a holandesa Bedrocan também está limitada. No entanto, o director de vendas da empresa, Niklas Kouparanis, explicou que “de qualquer das formas, somos um dos poucos vendedores que consegue fornecer canábis medicinal aos nossos clientes numa base consistente mensal”.
Auto-cultivo para fins medicinais é uma questão política
O auto-cultivo para fins medicinais é na Alemanha, tal como em Portugal, uma questão puramente política, que impede que os pacientes possam resolver a falta de abastecimento de canábis medicinal nas farmácias.
O Governo Federal Alemão está assim a admitir alguns problemas em estruturar o seu circuito de canábis medicinal e, até 2019, mais pacientes poderão requerer o auto-cultivo. O Estado alemão arrisca-se a perder para os pacientes ainda mais casos em tribunal do que aqueles em que já se fez jurisprudência, pois a tendência é que, aberto o precedente, os tribunais já não possam negar o direito a cultivar a mais nenhum paciente.
No final de 2017 cerca de 70 mil peticionários entregaram uma petição pela efectiva legalização da canábis, considerando que “a legalização cria receita fiscal, protege os menores e cria empregos legais, enquanto que a proibição cria um mercado negro com estruturas mafiosas. Qualquer político que continue a lutar pela proibição deve estar ciente disso”, afirmou George Wurth, um dos autores da petição e presidente da Associação de Cânhamo Alemã.
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Empresa processa Estado alemão por discriminação
De forma a ultrapassar estes estrangulamentos no fornecimento, a Alemanha iniciou uma previsão de produção de 6,6 toneladas de canábis medicinal para o período entre 2019 e 2022, mas o processo já está atrasado. O concurso de atribuição das licenças de cultivo foi fortemente criticado devido aos requisitos inatingíveis para a grande maioria das empresas alemãs.

Dr. Oskar Sarak, CEO da Lexamed GmbH
Oskar Sarak, CEO da Lexamed GmbH, uma startup alemã, iniciou um processo em tribunal contra o Instituto Federal da Droga e do Medicamento (Bundesinstitut für Arzneimittel und Medizinprodukte – BfArM), pelas exigências discriminatórias nos processos de selecção dos concursos públicos para a produção de canábis medicinal.
Um dos pré-requisitos mais contestados do concurso público é a experiência prévia no cultivo, o que, segundo Oskar Sarak, “coloca em desvantagem as empresas alemãs, porque neste país o cultivo legal nunca foi possível”
Cerca de 118 empresas solicitaram, em Junho do ano passado, uma licença médica para o cultivo de canábis na Alemanha, mas as avaliações oficiais dos pedidos, que deveriam ter sido decididas em Outubro, estão suspensas. Os requerentes para a produção e cultivo são obrigados a cumprir inúmeros critérios que demonstrem as suas capacidades quer no cultivo e produção de canábis, quer no processamento e fornecimento do produto final.
O concurso público baseia-se num sistema de pontos, que classifica os candidatos de forma a garantir que a escolha tem por base a experiência e actividade no sector. Cada produtor deverá fornecer 200 kg de canábis medicinal por ano e por cada 100 kg já cultivados, os candidatos ganham 10 pontos, num máximo de 40 pontos. Desta forma, dois terços dos critérios mínimos já estarão satisfeitos se um candidato conseguir provar que já cultivou 200 kg de canábis medicinal nos últimos três anos. Um máximo de 20 pontos adicionais é concedido com base em referências para os outros medicamentos à base de plantas. Serão atribuídas dez licenças, distribuídas entre todos os candidatos que cumpram os critérios exigidos. Se menos de dez empresas cumprirem estes requisitos, as licenças serão entregues aos candidatos com a maioria dos pontos. Para o período de 2019 a 2022, o governo alemão estima uma necessidade de produção de cerca de 6,6 toneladas de canábis.

O governo alemão enfrenta actualmente vários processos em tribunal por causa da legalização da canábis medicinal FOTO: DR
As empresas alemãs que não se associem a companhias estrangeiras do Canadá, Israel ou Holanda, por exemplo, que são países que cumprem os requisitos de experiência prévia de cultivo, só ficam elegíveis para 20 dos 60 pontos à disposição dos candidatos, criando assim um impedimento às indústrias alemãs interessadas em entrar neste mercado.
A Lexamed GmbH, que produz cadeiras de rodas e outro material médico quer investir no mercado da canábis e considera ter ficado indevidamente excluída do negócio, avançando assim com a queixa. “O concurso discrimina as empresas nacionais”, argumenta Oskar Sarak, CEO e advogado da Lexamed, porque a agência de canábis criou “um sistema de pontuação para o qual as empresas alemãs não são elegíveis por não terem experiência, obrigando a procurar parceiros estrangeiros”.
O Tribunal Regional Superior de Düsseldorf agendou uma audiência até Dezembro, que acabou por ser adiada indefinidamente, devido à sobrecarga laboral da instituição. Enquanto este procedimento não terminar, o concurso público não poderá ter seguimento.
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Foto de destaque: Getty Images
Artigo: Pesquisa de João Costa
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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]
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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação do XXI Governo Português. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e coordenadora da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” em 2018 e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.