O parlamento do Malawi aprovou um projecto de lei que legaliza o cultivo de canábis para fins medicinais e industriais, quase cinco anos após a adopção de uma moção para legalizar a canábis industrial, anunciou o site The Guardian.
O país segue os passos do Zimbabué, Zâmbia e Lesoto, estados vizinhos do sudeste de África que legalizaram a canábis medicinal e também da África do Sul, em que o uso medicinal e recreativo foi descriminalizado em 2018. Contudo, o uso recreativo na República do Malawi permanece ilegal.
Boniface Kadzamira, ex-deputado que apresentou o tópico em 2015, afirmou: “Hoje é um dia muito glorioso para mim pessoalmente e, acho, para toda a nação”, após a aprovação bem-sucedida do projecto na quinta-feira. O potencial económico da indústria mundial de canábis medicinal e industrial prevê um rápido crescimento, tendo sido o principal impulsionador da mudança de lei na República do Malawi.
Em 2019, o Banco Mundial declarou que o Malawi “continua a ser um dos países mais pobres do mundo, apesar das reformas económicas e estruturais significativas para sustentar o crescimento económico”. A taxa nacional de pobreza era superior a 50% em 2016.
Apesar de o Malawi ser conhecido internacionalmente pela variedade de canábis recreativa “Malawi Gold”, o projecto de lei para legalizar a produção medicinal e industrial enfrentou uma enorme oposição dos conservadores sociais e religiosos do país.
Boniface Kadzamira explicou que o sector criará oportunidades de emprego nos sectores agrícola e industrial. “É a minha forte visão de que a canábis substituirá o tabaco a longo prazo para se tornar o nosso principal rendimento comercial – que contribuirá enormemente para o PIB.”
Canábis: uma alternativa à indústria do tabaco
A agricultura oferece emprego quase a 80% da população da República de Malawi. A indústria do tabaco é a principal exportação do país e o declínio global impactou a economia. Esta indústria é também prejudicada pela exploração, já que as empresas internacionais como a British American Tobacco procuraram mão-de-obra – incluindo trabalho infantil – e tarifas baixas de tabaco em bruto para a exploração.
“Não queremos replicar o que sucedeu na indústria do tabaco. Os malawianos devem participar, não como inquilinos, mas como parceiros iguais neste novo sector”, acrescentou ao The Guardian Kadzamira, que pretende que os produtos derivados da canábis sejam processados no país.
O Malawi legalizou o cultivo de canábis devido à procura de alternativas ao tabaco por parte do governo, pressionado por campanhas anti-tabagistas. O ministro da Agricultura, Kondwani Nankhumwa, declarou ao site inglês Independent que “a legalização da planta contribuirá para o crescimento económico, pois diversificará a economia e aumentará as exportações do país, especialmente no momento em que as exportações de tabaco estão a diminuir”
Empresas posicionam-se para investir no Malawi
O governo do Malawi concedeu autorização, há sete anos, a duas empresas para realizar pesquisas com canábis para fins medicinais e industriais. A Invegrow tornou-se na primeira empresa em Malawi a obter essa autorização para realizar testes de pesquisa com canábis industrial com baixo THC em 2015.
A empresa britânica dirigida por Tanya Clarke, concluiu os testes em 2018 e foi um dos grupos que aconselhou o projecto de lei. A Invegrow processou produtos como papel, tijolos e cosméticos baseados em canábis e informou que o próximo passo para a empresa envolverá trabalho com o governo para investigar variedades locais.
“Haverá muitas pessoas interessadas e com os olhos postos no Malawi no momento, mas o próximo passo é tornar o clima de investimento favorável e positivo”, informou Tanya Clarke.
A empresária disse que as consultas do governo durante a elaboração do projecto foram inclusivas, abrindo caminha para a indústria “abrir muitas portas para diferentes tipos de pessoas aqui” e enfatizou a importância de envolver agricultores tradicionais.
Usos tradicionais e comunidades rastafári não podem ser esquecidas
A comunidade rastafári da República do Malawi está entre os que defendem a descriminalização e contribuem para as discussões sobre o projecto de lei. Apesar de os rastafarianos enfrentarem um estigma, as atitudes estão a mudar: no mês passado, o tribunal superior do país decidiu que as dreadlocks devem ser permitidas na escola, para que as crianças não sejam excluídas.
Lazarus Kadiwa afirmou: “como fazemos comida com ganja, podemos fazer sabão com ganja, podemos fazer medicamentos”.
“Estamos a procurar por isso todos os anos. É a nossa oportunidade de fazer negócios com o governo, porque precisamos de ter as nossas licenças para plantar a nossa própria granja”, acrescentou.
Chatinkla Chidzanja Nkhoma, directora técnica da Associação de Canábis da República do Malawi e uma possível agricultora de canábis, explicou que tradicionalmente os malauianos usam a canábis para curar doenças como “febre, varíola e problemas de saúde mental”. E continuou: “Como mãe jovem, fui ensinada a dar canábis ao meu bebé quando desenvolveu varicela”, disse Nkhoma. “A canábis será a nova fronteira económica, o que beneficiará grandemente os malauianos”.
A Associação de Canábis do Malawi foi formada para trabalhar com departamentos governamentais na criação de estruturas legislativas e políticas.