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Saúde

O potencial terapêutico da canábis na Anemia Falciforme

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A utilização de canabinóides na dor crónica de pacientes com Anemia Falciforme e a aplicação tópica de canabinóides nas respectivas úlceras. Análise de dois ensaios clínicos.
Por Soraia Tomás (Enfermeira)

A anemia falciforme é uma doença hematológica genética caracterizada pela produção de hemácias (glóbulos vermelhos) anormais. Afeta especialmente indivíduos descendentes de populações do norte de África e Mediterrâneo, que apresentam uma pequena quantidade de hemácias normais e uma grande quantidade de hemácias defeituosas. Estas últimas são caracterizadas pela sua forma em foice e possuem pouca elasticidade em comparação com as hemácias normais que, além de serem bastante maleáveis, se assemelham a uma bóia de piscina.

A forma defeituosa das hemácias dos indivíduos com Anemia Falciforme, além de transportar menos oxigénio, tem um tempo de vida curto: 20 dias, em contraste com os cerca de 120 dias de uma hemácia de características normais. O baço, o órgão responsável pela degradação de células defeituosas é sobrecarregado em casos de Anemia Falciforme, o que acarreta várias complicações, uma vez que este órgão está também implicado na regulação do sistema imunitário. Por esta razão, além de estarem mais susceptíveis a anemia (devido a uma elevada taxa de degradação de hemácias pelo baço em comparação às produzidas pela medula óssea), a imunidade destes indivíduos está também comprometida, o que favorece o aparecimento de infecções como meningite e pneumonia, sendo esta última a maior causa de morte de pacientes com Anemia Falciforme.

O défice de elasticidade destas células compromete a circulação sanguínea, causando a obstrução de pequenos vasos e despoletando crises vaso-oclusivas que ocorrem principalmente a nível do tórax, abdómen e membros. Quando estas obstruções ocorrem em vasos de maiores dimensões acometem órgãos internos, potencializando a ocorrência de graves complicações como enfarte agudo do miocárdio, insuficiência renal, acidente vascular cerebral, trombose dos membros inferiores e isquémia dos membros, com consequente formação de úlceras.

O transplante de medula óssea é a única forma de tratamento efectivo, não sendo viável para a maioria dos pacientes. Atualmente a única opção é o controlo dos sintomas e a prevenção de complicações, sendo que, além de uma hidratação adequada estes pacientes ficam sujeitos a várias transfusões de sangue ao longo da sua vida e são medicados com hidroxicarbamida, um medicamento que atua diminuindo a percentagem de células em forma de foice no sangue.

Com este plano de tratamento é possível aumentar drasticamente o tempo médio de vida destes pacientes sendo que muitos deles chegam à vida adulta.

Na idade adulta estes pacientes estão sujeitos um elevado risco de desenvolvimento de úlceras nos membros inferiores, por trombose de pequenos vasos, o que promove a disfunção endotelial, inflamação, lesão por isquémia e necrose do tecido associado. As úlceras em indivíduos com anemia falciforme são de difícil tratamento e estão geralmente associadas a dor significativa, incapacidade e a um grande impacto a nível psicossocial e económico.

A taxa de eficácia de tratamento deste tipo de úlceras é desanimadora, uma vez que não existe nenhuma terapêutica padrão eficaz. Na maioria dos estudos experimentais realizados são utilizados componentes químicos como o nitrito de sódio e o peptídeo RGD, que além de não demonstrarem grande eficácia têm um grande potencial carcinogénico.

Como actuam os canabinóides nesta doença?

O sistema endocanabinóide é um complexo sistema de comunicação celular espalhado pelo corpo dos mamíferos e vertebrados. A sinalização deste sistema transcende os clássicos receptores canabinóides envolvendo não só receptores de superfície de membrana (TRPV, GPR, 5-HT) como receptores nucleares (PPAR). A desregulação deste sistema está implicada na fisiopatologia de alterações do tegumento e feridas.

Os medicamentos tópicos à base de canábis (contém canabinóides, terpenos e flavonóides) estão a emergir como potenciais novos tratamentos para alterações tegumentares e feridas, facilitando a absorção, diminuindo a inflamação e promovendo a cicatrização.

O primeiro ensaio clínico randomizado e controlado por placebo com canábis, administrada por via inalatória (vaporizada), em pacientes com Anemia Falciforme e dor crónica foi publicado em Junho de 2020. Este estudo foi realizado no centro de pesquisa clínica do Instituto de Ciências Clínicas e Translacionais da Universidade da Califórnia localizado no Hospital Geral de São Francisco Zuckerberg. Conduzido por Donald I. Abrams avaliou o potencial terapêutico da administração de canábis vaporizada, utilizado como tratamento coadjuvante em pacientes adultos com dor crónica derivada da Anemia Falciforme.

É mencionado neste estudo que a utilização de canábis é substancialmente mais elevada em pacientes com Anemia Falciforme em relação à população em geral. Nos EUA, dos 33 estados que autorizam a utilização de canábis medicinal, apenas 4 a regulamentaram como terapêutica para a Anemia Falciforme.

Os resultados obtidos neste ensaio clínico sugerem que o tratamento à base de canabinóides é bem tolerado pela maioria dos pacientes, não reduz significativamente o nível de dor, mas melhora o humor. Não foram relatados efeitos adversos significativos no decurso deste ensaio, nomeadamente quando comparado a outros produtos farmacêuticos utilizados no controlo da dor, como os opióides.

Outro estudo, publicado em Dezembro de 2020, realizado pelo Dr. Vicent Maida, presidente e director executivo da VinSan Therapeutics Inc., demonstrou o potencial terapêutico da aplicação tópica de produtos à base de canábis em pacientes com úlceras decorrentes de Anemia Falciforme.

Neste ensaio clínico com 33 pacientes com feridas tegumentares refratárias não cicatrizadas foi observada uma melhoria no processo de cicatrização em cerca de 90% dos casos, sendo que a duração do tratamento depende de cada paciente. Os resultados observados neste estudo salientam a o potencial terapêutico do tratamento tópico à base de canabinóides nesta condição patológica, sendo uma opção não invasiva e que não acarreta efeitos adversos.

Os resultados obtidos nos dois estudos mencionados anteriormente revelam o potencial terapêutico do tratamento à base de canabinóides em pacientes com Anemia Falciforme e salientam a importância de incentivar mais pesquisa e futuras investigações nesta área.
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*Soraia Tomás é Enfermeira, licenciada pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra em 2015. Desempenhou funções nos cuidados intensivos de cirurgia Cardio-Torácica e transplantação pulmonar em Lisboa. Neste momento trabalha no Spine Center, serviço de cirurgia à coluna e unidade de cuidados intensivos de cirurgia geral no Hospital da Luz em Coimbra, cidade onde reside. Entusiasta na área da Canábis Medicinal, é membro do conselho científico do Observatório Português de Canábis Medicinal, esteve presente em conferências neste âmbito (Portugal Medical Cannabis, Cannabis Europa, CannX, entre outras) e obteve uma pós-graduação em GMP’s para Canábis Medicinal, curso realizado pelo Observatório Português de Canábis Medicinal em parceria com o Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Presidente da Direcção da apcanna – Associação Portuguesa de Informação sobre Canábis, pretende desenvolver projetos dedicados à divulgação, educação e formação em canábis medicinal a profissionais de saúde e ao público em geral, promovendo desta forma a excelência na prática profissional e o acesso seguro e eficaz a terapias com canabinóides.

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Soraia Tomás, licenciada em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra em 2015, desempenhou funções nos cuidados intensivos de cirurgia Cardio-Torácica e transplantação pulmonar em Lisboa. Neste momento trabalha no Spine Center, serviço de cirurgia à coluna e unidade de cuidados intensivos de cirurgia geral no Hospital da Luz em Coimbra, cidade onde reside. Entusiasta na área da Canábis Medicinal, é membro do conselho científico do Observatório Português de Canábis Medicinal, esteve presente em conferências neste âmbito (Portugal Medical Cannabis, Cannabis Europa, CannX, entre outras) e obteve uma pós-graduação em GMP’s para Canábis Medicinal, curso realizado pelo Observatório Português de Canábis Medicinal em parceria com o Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Presidente da Direcção Geral da APCANNA– Associação Portuguesa de Informação sobre Canábis, pretende desenvolver projetos dedicados à divulgação, educação e formação em canábis medicinal a profissionais de saúde e ao público em geral, promovendo desta forma a excelência na prática profissional e o acesso seguro e eficaz a terapias com canabinóides.

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