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Carrie Cuttler: “A canábis de alta potência pode não ter nenhum efeito agudo na tomada de decisão e na memória”

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Carrie Cuttler - Foto: D.R.

O THC (tetrahidrocanabinol) não afecta a capacidade de tomada de decisão nem certos tipos de memória. Esta é a conclusão de um novo estudo da Universidade de Washington, que avaliou o desempenho cognitivo de quem consome canábis de alta potência, ou seja, com níveis elevados de THC. Carrie Cuttler, a investigadora que liderou um dos poucos estudos que envolvem a potência do THC, diz que acredita que a percepção que temos deste canabinóide é algo que pode vir a mudar num futuro próximo.

Este artigo foi originalmente publicado no #3 da Cannadouro Magazine.

A quantidade ou a concentração de THC não afecta a capacidade de tomada de decisão dos utilizadores, confirma um estudo levado a cabo pela Universidade de Washington, nos Estados Unidos da América (EUA). Na investigação participaram 80 utilizadores regulares de canábis, todos com mais de 21 anos, que foram avaliados em chamadas de videoconferência enquanto fumavam ou vaporizavam, e, ao mesmo tempo, desempenharam tarefas de memória e tomada de decisão. As conclusões do estudo vêm agora desconstruir alguns mitos.

Em entrevista à Cannadouro Magazine, Carrie Cuttler, a investigadora que liderou um dos poucos estudos que envolvem apenas o THC, diz que acredita que a percepção que temos deste canabinóide é algo que pode vir a mudar num futuro próximo. Carrie Cuttler é Professora Associada de Psicologia na Universidade do Estado da Califórnia, nos EUA. É doutorada, desde 2008, pela Universidade da Colúmbia Britânica. A sua investigação no Laboratório de Saúde e Cognição foca-se em explorar os efeitos potencialmente benéficos ou prejudiciais do uso crónico de canábis e da intoxicação aguda pela planta. Além disso, também analisa os efeitos da canábis com diferentes concentrações de THC e CBD, bem como os efeitos dos concentrados para entender melhor a sua influência na saúde mental, física e cognição.

O que a fez querer estudar a cognição em pessoas que consomem canábis de alta potência, especificamente a memória quotidiana e a tomada de decisões?
Até ao mês passado, a Drug Enforcement Agency (DEA) limitou os investigadores nos EUA a estudar as plantas de canábis com uma potência relativamente baixa (em média 6% de THC), recolhidas do abastecimento de substâncias controladas do National Institute on Drug Abuse (NIDA). Em contraste, os consumidores nos estados onde a canábis recreativa é legal estão a comprar e a usar flores de canábis com mais de 20% de THC e concentrados de canábis que podem exceder 90% de THC. O THC é a principal substância psicoactiva da canábis que se acredita ser responsável pelos efeitos intoxicantes e que podem ser prejudiciais. Como tal, bloquear o acesso dos investigadores aos produtos de canábis de alta potência provavelmente reduziu a capacidade de detectar os efeitos benéficos e os prejudiciais significativos da substância. Queríamos realizar um estudo que nos permitisse examinar os tipos de produtos de canábis de alta potência que os consumidores estão efectivamente a usar.

Quais foram as principais conclusões a que chegaram com este estudo?
Os nossos resultados sugerem que a canábis de alta potência pode não ter nenhum efeito agudo na tomada de decisão não normativa, memória prospectiva ou memória de ordem temporal. No entanto, detectamos efeitos significativos da canábis de alta potência na memória de origem e na memória falsa. Mais especificamente, descobrimos que, em comparação com o grupo de controle sóbrio, o grupo que fumou a flor de canábis contendo THC e CBD teve pior desempenho nas tarefas de memória livre (recordando livremente listas de palavras ou imagens que lhes foram apresentadas anteriormente). Também descobrimos que aqueles que inalaram o concentrado de canábis e aqueles que fumaram a flor de canábis contendo THC, mas sem CBD, tiveram um desempenho pior nas tarefas de memória de origem, que exigiam que eles distinguissem se os itens apresentados anteriormente foram apresentados como imagens ou como palavras. Por fim, descobrimos que todos os três grupos de usuários de canábis tinham uma suscetibilidade aumentada a falsas memórias, pois eram mais propensos a identificar incorrectamente palavras que nem haviam sido apresentadas. Mais uma vez, talvez uma das descobertas mais interessantes deste estudo tenha sido que os participantes que vaporizaram o concentrado de canábis contendo pelo menos 60% de THC não tiveram um desempenho pior do que os participantes que fumaram a flor de canábis contendo 20% de THC. Isso sugere que mesmo os concentrados da planta de potência extremamente alta podem não aumentar os danos e que, em vez disso, as pessoas podem apenas dosear o seu próprio uso.

Em que se basearam para chegar às conclusões do vosso estudo?
A maioria dos estudos anteriores sobre os efeitos agudos da canábis na memória e na tomada de decisão baseou-se em testes de memória livre (especialmente memória livre verbal) e tomada de decisão arriscada (muitas vezes usando testes de jogo). Estávamos interessados ​​em examinar os efeitos da canábis de alta potência noutros aspectos da memória e da tomada de decisão que foram totalmente negligenciados – ou apenas pouco estudados – e que mapeiam melhor a memória e a tomada de decisões no mundo real. Por exemplo, este foi o primeiro estudo a examinar os efeitos agudos da canábis na memória prospectiva, que se refere à nossa capacidade de nos lembrarmos de fazer coisas num momento posterior, como lembrarmo-nos de ir a uma consulta ou de tomar medicamentos à hora certa.

Como é que seleccionaram os participantes do estudo?
Os participantes foram recrutados através de anúncios em dispensários locais [lojas onde se vende canábis legal nos EUA] e nas redes sociais do estado de Washington, onde a canábis recreativa é legal. Os candidatos tinham de ter pelo menos 21 anos de idade (a idade legal para comprar e usar canábis no nosso estado), tinham de ser utilizadores experientes de canábis, saudáveis ​​(sem problemas psiquiátricos ou médicos graves, sem gravidez ou amamentação), sem histórico de reações adversas graves à canábis (como ataques de pânico ou paranóia) e sem relatos de uso recente de drogas ilícitas, tabagismo pesado ou uso de álcool.

Que padrão usou para dividir esses grupos?

Um total de 80 participantes foram divididos, aleatoriamente, por quatro grupos:
– Cigarros com flores de 20% THC
– Cigarros com flores de 20% THC e 0,70% CBD
– Vaporizador com óleo concentrado de canábis com 60% THC
– Grupo de Controlo sóbrio

Os participantes dos três primeiros grupos receberam por e-mail listas de produtos disponíveis em dispensários locais que atendiam a essas especificações e usaram essa lista quando fizeram a compra para o estudo. Os participantes do grupo sóbrio não fizeram nenhuma compra e não usaram canábis. É importante reforçar que nós (os investigadores) não compramos nem manipulamos quaisquer produtos usados ​​pelos nossos participantes, e os participantes não foram reembolsados ​​pelas suas compras de canábis. Esta foi a maneira que a equipa de investigadores encontrou de conseguir fazer o estudo sem fugir às directrizes federais de Washington. Os participantes do estudo, além de comprarem os seus próprios produtos e os consumirem nas suas casas, nunca estiveram num laboratório, em propriedade federal, e os investigadores nunca manusearam a canábis. Os participantes não foram reembolsados ​​pela compra, mas foram compensados ​​pelo tempo dispensado com cartões-presente da Amazon. Foi esta a maneira encontrada para que o método do estudo fosse aprovado.

Dado que o Relatório Europeu sobre Drogas para 2021 alertava para o uso de canabinóides de alta potência, pois, segundo este, podem representar uma ameaça à saúde, porque é que incluiu um grupo com uma dose tão elevada de THC ( 60%)?
Incluímos um grupo que usou um concentrado de canábis com 60% de THC porque houve muita especulação de que esses concentrados de canábis de potência extremamente alta pudessem aumentar os danos e as consequências (conforme indicado pelas sugestões do European Drug Report). No entanto, como o abastecimento de drogas do NIDA não disponibilizou estes concentrados de potência extremamente alta para pesquisas em humanos, quase não houve investigação sobre isto. O facto de estarem disponíveis para os consumidores, mas não terem sido estudados pelos investigadores, é um grande problema. Os resultados do nosso estudo mostraram que as pessoas que inalaram concentrados de potência extremamente alta simplesmente deram menos “passas” e, em seguida, relataram níveis comparáveis ​​de intoxicação e demonstraram deficiências cognitivas semelhantes àqueles que fumaram a flor. Isto sugere que esses concentrados de potência extremamente alta podem não aumentar os danos e que, em vez disso, as pessoas podem apenas controlar o uso desses produtos de alta potência para atingir os mesmos níveis de intoxicação que aqueles que usam os de baixa potência.

Porque é que estes estudos são importantes?
Acredito que estes estudos são muito importantes, porque não sabemos muito sobre os efeitos prejudiciais ou benéficos dos tipos de produtos de canábis de alta potência que os consumidores estão efectivamente a usar. Mais uma vez, a maioria das pesquisas sobre os efeitos agudos da canábis que foi conduzida nos Estados Unidos foi limitada à canábis de planta inteira de baixa potência, que não representa os produtos que os consumidores estão de facto a consumir.

Que efeitos observou em relação ao uso de CBD vs THC?
Alguns estudos prévios encontraram evidências de que o CBD pode ajudar a proteger contra os efeitos do THC que prejudicam a memória. No entanto, um dos autores de um desses estudos não foi capaz de replicar esses próprios efeitos. Isso despertou o nosso interesse no tema, e então incluímos um grupo que inalou a flor de canábis contendo 20% de THC e sem CBD, bem como um grupo que inalou a flor contendo 20% de THC e 0,70% de CBD (um estudo anterior provou ser excepcionalmente difícil encontrar altas concentrações de CBD na flor de canábis de alta potência [trata-se de uma questão de química, quanto maior os níveis de THC produzido pela flor, menor os níveis de CBD]) para examinar se o CBD pode proteger contra os efeitos prejudiciais da memória do THC. O nosso estudo não encontrou diferenças significativas entre o desempenho cognitivo dos participantes desses dois grupos. Como tal, não acredito que o CBD proteja contra os efeitos prejudiciais da memória do THC. Na verdade, há uma linha de evidência contraditória, que é mais apoiada, que sugere que o CBD pode potencializar os efeitos do THC. Mas também é possível que os níveis de CBD usados ​​pelos meus participantes não fossem altos o suficiente para produzir efeitos protetores ou que o CBD precise de ser administrado repetidamente durante vários dias para produzir tal proteção.

Quais foram os seus principais obstáculos no desenvolvimento deste estudo?
Como todos os estudos, este estudo teve que ser aprovado pelo IRB (conselho de ética) e, para este estudo, também tivemos o protocolo revisto pelo gabinete do procurador-geral da nossa universidade para garantir que cumpria com todos os padrões éticos, bem como com a legislação estadual e federal. Como o nosso estudo foi conduzido antes da COVID-19, antes de o mundo se ter acostumado ao Zoom, tivemos que encontrar um sistema de videochamada seguro (que era o Zoom) e apresentá-lo a muitos dos nossos participantes. Como tal, demorou muito tempo para obter a aprovação para fazer o estudo e, em seguida, encontrar e testar todos os 80 participantes.

Quanto tempo demorou a finalizar este estudo?
Após obter a aprovação do IRB (o que levou vários meses), o estudo levou aproximadamente 2 anos para ser concluído e 1 ano para ser publicado.

Como é que estas novas informações irão afectar a comunidade científica? E os consumidores?
A minha esperança é que outros investigadores adoptem esta metodologia para acelerar a pesquisa sobre os efeitos agudos de uma variedade ainda maior de produtos de canábis de alta potência vendidos em dispensários recreativos. Essa pesquisa ajudará os utilizadores de canábis a tomar decisões mais informadas sobre os produtos que optam por usar ou se abster de usar.

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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