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Entrevistas

Ethan Russo: “A canábis é muito menos perigosa do que a maioria dos medicamentos convencionais”

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Ethan Russo durante a sua palestra na Lisbon Medical Cannabis 2018 | Foto: Renato Velasco

Médico Neurologista e investigador na área da psicofarmacologia, Ethan Russo é uma figura incontornável na investigação sobre canábis medicinal desde 1996. Escreveu sete livros sobre canábis e ervas medicinais e publicou mais de 50 artigos científicos nas áreas da neurologia, gestão da dor, canábis e etnobotânica, tendo dado formação em mais de 30 países. Ethan esteve em Portugal em 2018, a convite da PTMC – Portugal Medical Cannabis, para esclarecer o potencial medicinal da canábis e desconstruir alguns mitos.

Fundador e CEO da CReDO Science, em 2020 Ethan juntou-se ao advogado e cientista Dale Hunt, e ao botânico Robert Clarke para lançar a Breeder’s Best, uma empresa focada no licenciamento de propriedade intelectual na indústria da canábis. Licenciado em Psicologia pela Universidade da Pensilvânia e em Medicina pela Universidade de Massachusetts, começou por trabalhar em pediatria e foi neurologista clínico durante cerca de 20 anos, antes de ingressar na ICRS – International Cannabinoid Research Society (Sociedade Internacional de Investigação Canabinóide) e na IACM – International Association for Cannabinoid Medicines (Associação Internacional para Medicinas Canabinóides), fazendo ainda parte do Conselho Científico do American Botanical Council (Conselho Botânico Americano).

Foi director Médico da Phytecs, uma empresa de biotecnologia que investiga o sistema endocanabinóide humano (ECS), consultor médico na GW Pharmaceuticals, tendo supervisionado os ensaios clínicos dos medicamentos Sativex e Epidiolex. Foi director de pesquisa e desenvolvimento do ICCI — International Cannabis and Cannabinoids Institute e é presidente do Conselho Científico da Endocanna Health, uma empresa norte-americana de biotecnologia especializada em testes de DNA endocanabinóide e formulações de precisão de canabinóides. 

O que é que despertou o seu interesse pelo estudo das aplicações medicinais da canábis? Como descobriu a planta?
Em 1990, após sete anos de prática clínica em neurologia, senti que estava a dar medicamentos cada vez mais tóxicos a muitos dos meus pacientes, com cada vez menos benefícios. Então, reavivei um antigo interesse por plantas medicinais, que me levou à floresta amazónica no Perú para estudar a flora indígena utilizada pelo povo Machiguenga para tratar enxaquecas e outras doenças. Quando regressei, em 1996, rapidamente me envolvi na controvérsia da canábis. A incrível história da canábis como medicamento, bem como as abundantes publicações sobre os seus benefícios, captaram a minha imaginação e fizeram com que esta se tornasse no centro da minha carreira. Embora tivesse conhecido a canábis muito antes, deparei-me com ela no âmbito profissional em 1980, quando era médico residente de neurologia, e conheci um homem no Hospital de Veteranos de Seattle, que misturava canábis no seu tabaco de cachimbo como tratamento para a miastenia grave. Graças a isso, praticamente evitava os internamentos no hospital. Mais tarde, mesmo na década de 1990, cerca de um terço dos meus pacientes de esclerose múltipla usaram a canábis com êxito para a dor e a espasticidade, bem como uma grande variedade de outras doenças: enxaquecas, dor crónica, doenças de Parkinson e Huntington, e até epilepsia.

Como explicaria a canábis medicinal a um paciente que nunca tenha ouvido falar dela?
A canábis é uma planta medicinal cujo uso por humanos remonta a tempos anteriores à história documentada. Como remédio fitoterápico, contém uma combinação de ingredientes que, em conjunto, estimulam a sua actividade (sinergia) e produzem um agente terapêutico versátil para muitas doenças nas quais os medicamentos convencionais falham. Em parte, isto deve-se ao facto de a canábis actuar ao nível do sistema endocanabinóide, um regulador inato das funções corporais que serve para manter a homeostase (um equilíbrio desejado das funções fisiológicas).

Que descobertas fez nas últimas pesquisas ou em que está focado agora?
Recentemente, descobrimos a base genética da síndrome de hiperémese canabinóide. O artigo está agora a ser considerado para publicação. Também estamos a publicar as descobertas de uma pesquisa muito grande de pessoas que usam produtos predominantes em cannabigerol (CBG) para obter benefícios na dor, ansiedade, depressão e outras condições com um perfil de efeitos colaterais aparentemente muito seguro e nenhuma evidência de dependência ou abstinência. Desenvolvemos ainda uma nova técnica de extracção sem solvente para canábis que preserva o perfil encontrado na planta fresca. Estamos a tentar tornar a cannabis mais segura e melhor. 

No ano passado disse que um dos principais problemas da indústria da canábis é a falta de diversidade de chemovars. Porquê?
A criação selectiva continua a ser uma prioridade importante. Estamos sempre à procura de uma melhor genética que expresse os “canabinóides menores” e, em seguida, a investigar a sua utilização. Isto será mais fácil à medida que as leis forem alteradas a nível internacional.

Em Portugal ainda há muitos médicos e psiquiatras convencidos de que a canábis provoca psicoses ou esquizofrenia. O que tem a dizer sobre essas convicções e qual é a sua experiência como neurologista?
A canábis é como qualquer outro medicamento. Tem efeitos secundários, mas eles estão bem investigados e conhecidos e, neste caso, são totalmente evitáveis. Existe uma diferença abismal entre fumar canábis recreativamente, quando a intenção é produzir efeitos psicoactivos, e utilizar canábis de forma terapêutica, através da administração não fumada em doses que são utilizadas para controlar sintomas. Na verdade, a canábis é muito menos perigosa do que a maioria dos medicamentos convencionais e não causa esquizofrenia em indivíduos que não tenham uma predisposição prévia para essa perturbação. Além disso, não existe uma dose de canábis que possa causar a morte, ao contrário dos opiáceos, pois há poucos receptores canabinóides nos centros respiratórios do tronco cerebral, e tem uma margem de segurança notável, quando preparações adequadas são usadas devidamente.

Na sua publicação de 2011 no British Journal of Pharmacology, “Taming THC”, afirmava que, à data, muitos canabinóides, terpenóides e flavonóides continuavam por estudar. Considera que essa situação mudou nos últimos anos? Como?
Não mudou tão depressa quanto devia! Continuo a investigar e a escrever sobre este tema. Neste momento, temos um estudo a arrancar nos EUA com Ryan Vandrey, da Johns Hopkins University, subsidiado pelos National Institutes of Health, que esperamos que forneça evidência das contribuições sinérgicas dos terpenóides para os efeitos do THC.

Ethan Russo na Lisbon Medical Cannabis 2018 – Foto: Renato Velasco

Qual a importância dos efeitos sinérgicos da canábis e como é que poderão ter impacto em avanços na medicina no futuro?
A sinergia dos ingredientes da canábis pode trazer dois benefícios:

1) O estímulo de uma actividade desejada, tal como combinar dois ou mais ingredientes analgésicos para reduzir a dor e a inflamação (por exemplo, THC + CBD + Cariofileno);

2) Certos componentes terpenóides reduzem os efeitos secundários do THC. Um bom exemplo é a capacidade que tem o Alfa-Pineno, um inibidor da acetilcolinesterase, de reduzir a debilitação da memória de curto prazo produzida pelo THC. Estes tipos de formulações podem vir a ser melhores medicamentos à base de canábis.

Na sua opinião, qual é o cenário ideal para um país que acaba de legalizar a canábis medicinal? Considera que basta vender canábis como medicamento nas farmácias ou também deverão disponibilizar a planta inteira?
Deverão ser desenvolvidas várias abordagens. Embora eu continue a acreditar que os medicamentos à base de canábis sujeitos a receita são necessários em várias situações, haverá sempre lugar para preparações fitoterapêuticas bem cultivadas e produzidas.

Considera que os pacientes deveriam ser autorizados a cultivar a sua própria canábis, sob aconselhamento médico?
Sim. Os pacientes que são fisicamente capazes de cultivar a sua própria canábis dão sinais de beneficiar muito dessa actividade e da capacidade de se ajudarem a si próprios. Dada a complexidade do SEC (sistema endocanabinóide), dos canabinóides (tanto endógenos como exógenos), e das inúmeras interacções nas quais participam ou processos que modulam, pode dizer-se com bastante certeza que deverá evoluir em breve um ramo particular da medicina, da farmacêutica ou mesmo até surgir um novo ramo exclusivo para ser incluído nos programas de educação superior. 

Ethan Russo com Raphael Mechoulam e Yehiel Gaoni – Foto: D.R.

Como é que a educação sobre canábis deve ser abordada no futuro?
Actualmente, a educação específica sobre canábis encontra-se disponível por via de várias fontes, tais como a Americans for Safe Access (Americanos pelo Acesso Seguro), The Answer Page (A Página das Respostas), e da Society of Cannabis Clinicians (Sociedade de Médicos Canábicos). Infelizmente, a educação sobre canábis e até mesmo sobre o sistema endocanabinóide é terrivelmente desadequada nas faculdades de medicina de todo o mundo. Isso precisa de mudar. A certificação do conhecimento sobre canábis como medicamento já se encontra disponível e é obrigatória em certas áreas para se poder recomendar ou receitar.

Como é que se consegue um acesso mais fácil e mais seguro à canábis? Quais são os caminhos que a indústria e os pacientes devem seguir?
Precisamos de políticos novos e esclarecidos, que percebam que a canábis é uma solução para muitos problemas e que não deve ser considerada apenas um problema em si. A indústria precisa de uma melhor regulamentação para a educação e segurança do consumidor.

Como imagina a medicina com base em canabinóides nos próximos 20 anos?
À medida que os fármacos de canábis se tornam mais disponíveis, haverá um reconhecimento crescente do seu valor em muitos tipos de doenças refractárias. As atitudes irão mudar lentamente, à medida que as pessoas e os políticos se derem conta da sua segurança e que as vantagens deste medicamento mais seguro se tornarem evidentes. Com os ensaios clínicos sobre canábis, o melhor ainda está para vir!
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Entrevista: Laura Ramos
Tradução: João Vasconcelos
Fotografia: Renato Velasco

Esta entrevista foi publicada no #2 da Cannadouro Magazine 

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e directora de programa da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” em 2018 e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

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