Se o cânhamo industrial já não era um sector de fácil investimento em Portugal, com a Portaria 14/2022 hoje publicada em Diário da República, vários agricultores e potenciais investidores antevêem ainda mais dificuldades, equacionando desistir dos seus potenciais projectos. Acusam a DGAV e o Ministério da Agricultura de nunca os ter ouvido e criticam as contradições da Ministra da Agricultura, que por um lado assinou um protocolo para incentivar a agricultura familiar e a agro-ecologia, mas que por outro, ao definir um mínimo de 0,5ha, acaba por limitar os pequenos agricultores de cultivar cânhamo, uma cultura que consideram “essencial para a sustentabilidade e a regeneração dos solos”, tal como a Comissão Europeia já tinha confirmado.
André Morais, 39 anos, Enfermeiro Especialista no Reino Unido, estava a considerar o regresso à região do alto Minho, de onde é oriundo, para se dedicar à produção de cânhamo industrial. Com a publicação das novas regras, admite que, provavelmente, irá desistir. “Como potencial produtor de cânhamo em escala mais pequena, definitivamente não compreendo a posição do governo Português em relação a esta planta, que poderia, sem exagerar, revolucionar a economia e a agricultura deste país. Definitivamente, esta portaria desencoraja seriamente o meu retorno a Portugal para produzir cânhamo industrial”. André lamenta ainda que “em vez de progredir, Portugal tem vindo sempre a regredir” em relação às regras, implementando restrições cada vez maiores para “uma planta com tanto potencial para a sustentabilidade”.
Desde há dois anos que também Luís Sezões, 40 anos, a viver há oito na Alemanha, estava a pensar regressar a Portugal com a família. “Andei a pesquisar possíveis cultivos para alguns hectares de terreno que tenho no Alentejo e queria investir no cânhamo. Sempre acreditei no potencial desta planta e acho que é o cultivo do futuro, mas com tudo o que tenho andado a acompanhar em Portugal começo a ficar com dúvidas. Este bicho de sete cabeças que o governo cria em torno de algo que podia ser tão simples e que traria vantagens a muitas pessoas e ao país é simplesmente incompreensível”, lamenta.
Portaria “fecha as portas aos pequenos agricultores”
Rita Oliveira, consultora na área do cânhamo industrial, representa vários agricultores e investidores do sector em Portugal e diz que o facto de a portaria definir 0,5 ha como área mínima de cultivo vem “fechar as portas aos pequenos agricultores. Dos sete pedidos que foram deferidos no ano passado a agricultores que representei, apenas dois tinham mais do que 0,5 ha”. E continua: “Esta é uma planta com potencial de regeneração imenso e os pequenos agricultores, como eu, que estão a fazer regeneração e a trabalhar para a sustentabilidade, fazendo agro-ecologia, não deixam usar esta planta. As parcelas onde faço cânhamo, nos anos a seguir onde planto outras coisas, noto que as hortícolas têm outra qualidade”.
Rita, que já tinha apresentado reclamações na DGAV – Direcção Geral de Alimentação e Veterinária – no ano passado e feito queixa na Provedoria da Justiça, faz ainda referência à contradição que esta portaria representa pouco depois de a Ministra da Agricultura ter assinado um protocolo para a constituição do Centro de Competências da Agricultura Familiar e Agroecologia (CeCAFA), que visa reforçar a investigação, a difusão do conhecimento, a promoção da inovação e a qualificação dos produtores na valorização da agricultura familiar. “Se queremos estimular a agricultura familiar é impensável que, no século XXI, tirem esta cultura aos pequenos agricultores. Havendo já várias forças políticas a trabalhar para a regeneração, proibir ou limitar o cultivo de cânhamo industrial não faz qualquer sentido”.
Agricultores não foram ouvidos
Os agricultores lamentam que, mais uma vez, não tenham sido chamados nem ouvidos para dar o seu contributo para as novas regras do cultivo de cânhamo, apesar dos vários pedidos de reunião. “Desde 2018 que estamos a tentar dialogar com a DGAV e com o Ministério, para que sejam feitas portarias adaptadas à realidade dos agricultores, e de facto estão de portas fechadas. Esta portaria vem confirmar que a DGAV e o MA não estão a trabalhar com os agricultores nem a ouvi-los”, diz Rita Oliveira, que acrescenta ainda: “A DGAV e quem fez a portaria parece não ter dados reais agronómicos. Por exemplo, a data de 31 de Julho, estabelecida na portaria como limite para submeter os pedidos, não é realista, porque não se planta cânhamo em Agosto.”
Comissão Europeia salienta papel do cânhamo na sustentabilidade
Em 2021, a Comissão Europeia lançou uma página específica para o cânhamo industrial, destacando que “a produção de cânhamo oferece amplas oportunidades para agricultores, sectores industriais e consumidores na União Europeia”, além dos seus benefícios ambientais e da sua importância para a sustentabilidade. A página destaca ainda que “o cultivo de cânhamo contribui para os objectivos do ‘Pacto Ecológico Europeu‘ e que o cânhamo tem vários benefícios ambientais, entre os quais armazenamento de carbono, quebra do ciclo de doenças, prevenção da erosão do solo, contribuição para a biodiversidade e baixo ou nenhum uso de pesticidas. A página da UE faz ainda referência aos diferentes usos do cânhamo, desde a indústria têxtil à construção, passando pela produção de papel ou pelos alimentos e rações, entre outros usos que contribuem para a sustentabilidade. O cultivo de cânhamo na Europa aumentou 75% nos últimos anos, com França a liderar os maiores países produtores.
O Cannareporter enviou um pedido de esclarecimento ao Ministério da Agricultura e à DGAV e encontra-se a aguardar resposta. Contactámos ainda a Cannacasa – Associação do Cânhamo Industrial e a ACCIP – Associação dos Comerciantes de Cânhamo Industrial de Portugal e publicaremos as suas reacções logo que possível.
[…] Agricultores ponderam desistir de investimentos no cânhamo em Portugal […]
[…] The minimum production area has been set at half a hectare (5,000 square metres), shutting out some small farmers. […]
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