Nacional
Observatório Português de Canábis Medicinal sob contestação de pacientes e enfermeiros
O Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM) está a ser alvo de contestação por parte de pacientes, enfermeiros e técnicos de saúde, que se queixam de ser impedidos de participar na 1ª Conferência Nacional sobre Canábis Medicinal. A CNCM realiza-se amanhã em Coimbra e aceitou apenas inscrições de médicos e farmacêuticos. Associados do OPCM estão indignados com a “discriminação” e dizem que a limitação do acesso vai contra os estatutos do próprio OPCM, acusando ainda a presidente da associação de “censura” nas redes sociais.
O Cannareporter questionou a presidente do OPCM, Carla Dias, sobre as razões para limitar o acesso ao evento, de cariz nacional, mas não recebeu resposta.
Uma associação de pacientes que “não representa os pacientes”
“O OPCM é uma associação que foi criada em prol dos pacientes que necessitam da canábis para melhorar a sua qualidade de vida e os seus principais objectivos deveriam ser colocar sempre os pacientes em primeiro lugar. Porque é que doentes, cuidadores, enfermeiros, terapeutas e técnicos de saúde não podem participar, uma vez que são fundamentais para o acompanhamento dos pacientes e da sua evolução, antes e depois da canábis medicinal?”
As palavras são de Paula Mota, Jurista e mãe da Margarida, de 13 anos, que padece de epilepsia refractária. Paula é associada do OPCM, mas afirma que nem ela nem outros associados se sentem representados pela associação. “Neste momento, é com tristeza que vejo que os doentes não se sentem representados por esta associação, uma vez que tudo o que tem sido feito me parece mais direccionado para a propaganda das farmacêuticas a actuar em Portugal, que muito pouco ou nada fizeram pelos pacientes portugueses”, lamenta.
Paula diz que há varias questões que gostaria de ver esclarecidas pelo OPCM. “O porquê de os pacientes terem sido excluídos da 1ª CNCM, uma vez que um dos objectivos do OPCM é ‘Informar, apoiar e orientar, a todos os níveis, no contexto do seu objeto, os pacientes e utilizadores de medicamentos, preparações e substâncias à base de canábis para fins medicinais, respeitando o Direito à Saúde consagrado no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa’ – ora o facto de os pacientes não poderem participar não é, desde logo, uma falta de respeito pelo direito a saúde?”, questiona Paula.
E continua: “Outro dos objectivos consagrados nos estatutos do OPCM é ‘Permitir a integração social dos pacientes visando a sua dignificação e a salvaguarda dos seus interesses e direitos, bem como o apoio a cuidadores ou familiares.’ Ora, excluir os pacientes da conferência não será uma segregação destes? O OPCM foi constituído em prol do paciente, como pode promover conferências e deixar os doentes fora delas? E porque é que os associados com as quotas em dia também não podem participar?”
Estatutos estão a ser “violados”
Baltazar (nome fictício, pois prefere manter o anonimato), membro fundador e associado do OPCM, que entretanto se demitiu, juntamente com mais dois membros fundadores em divergência com a direcção de Carla Dias, diz estar “chocado”, desde logo porque “vai contra os estatutos. Até parece mentira!”, afirma. “O OPCM não serve verdadeiramente a causa do acesso à canábis, mas apenas a perspectiva da indústria, esquecendo quem mais precisa, os doentes. Esquece também, de facto, que existem muitos doentes que, na hora do aperto, mais rapidamente agarram na Bimby e fazem os seus próprios produtos, em vez de ficarem à espera do OPCM e dos seus congéneres”. Baltazar acrescenta ainda que considera “uma afronta” a forma “altamente restritiva – e no mínimo suspeita – como conseguem fazer isto com o acesso à canábis e seus derivados. Agora até o paciente é banido das iniciativas da associação, quando nos estatutos se define precisamente o contrário. Os estatutos do OPCM estão simplesmente a ser violados, o que é um verdadeiro desrespeito pelos princípios que moveram e fizeram nascer a associação”, lamenta o fundador, que esclarece ainda que “a 1ª Conferência de Canábis Medicinal em Portugal aconteceu em 2018, não em 2022. É, de resto, uma vergonha, face à realidade de tantos e tantos pacientes, que continuam na esperança de melhores dias e à procura de apoio das instituições e dos profissionais de saúde relativamente à canábis…. o OPCM, simplesmente, virou-lhes as costas”, lamenta.
Também Paulo Patarra, que sofre de Espondilite Anquilosante e é associado do OPCM, confessa estar desiludido com a associação. “Um Observatório que não quer o doente – utente incluído, é, no mínimo, triste. E estranho, porque a conferência começa com um discurso direccionado ao doente… o que é uma distopia!”, lastima, ao mesmo tempo que equaciona a sua continuação na associação. “Posso não ir a esta, mas existe a possibilidade de ir a outras. Não sei se renove as quotas, estou desiludido com o OPCM, nem direito temos a reclamar, e depois daquela entrevista da presidente ao JN, que desacredita o doente que cultiva a sua medicina, fiquei muito triste. Os pacientes têm muitas dúvidas e procuram respostas. Não me parece que seja aqui que as vão encontrar”, confessa Paulo. E deixa um aviso: “Este OPCM deve ser chamado à atenção por parte dos utentes da canábis: 1. Só existe uma canábis e toda ela é medicina. 2. O uso da canábis e qual a sua finalidade é uma opção ou uma necessidade individual, que diz apenas respeito ao utente e ao médico, no caso de uso medicinal”.
Exclusão de Enfermeiros gera indignação
Por seu lado, Susana Alexandre, Enfermeira, lamenta não poder participar no evento e não poupa críticas à actuação de Carla Dias. “Acho inadmissível que o OPCM tenha uma presidente que exclui os Enfermeiros de participar no referido evento, sendo que são eles os profissionais legalmente habilitados para a administração de medicação. Temos de considerar também o facto de a canábis ser mais uma das opções de tratamento disponíveis e comprovada cientificamente, capaz de oferecer uma melhoria na qualidade de vida dos pacientes portadores de doenças crónicas, bem como conferir uma maior autonomia na gestão da condição de saúde dos próprios pacientes com determinadas patologias. O Enfermeiro é determinante neste contexto de relação de ajuda e actuação”, refere Susana Alexandre, que não se conforma com a maneira como o OPCM tem vindo a ser gerido. Paula Mota alertou ainda para a falta de derivados da canábis à venda nas farmácias e para o facto de Carla Dias ter entrado numa saga de defesa daquilo que é apenas “medicinal”, esquecendo que o que tem aliviado as crises epilépticas das filhas de ambas é um derivado do cânhamo industrial, anteriormente considerado um ‘suplemento alimentar’ e que actualmente é o único derivado de canábis a que consegue recorrer em Portugal, ainda que de forma “ilegal”. “Passaram-se quatro anos desde a legalização da canábis medicinal e actualmente os pacientes só têm acesso a uma flor de THC a 18%, à venda por um preço incomportável para a maioria das pessoas, e que é prescrita para outras patologias que não a epilepsia refractária. A senhora presidente do OPCM já disse muitas vezes na comunicação social que em Portugal não existem preparações de canábis medicinal certificadas e seguras para uso dos pacientes. Também já afirmou várias vezes que o uso desta terapêutica fez toda a diferença na qualidade de vida da sua filha, situação pela qual tenho a maior empatia, porque vivo a mesma, mas a minha questão e a de muitos outros pacientes é: onde consegue o óleo de CBD? E quem lho prescreve?”, questiona.
OPCM acusado de “censura” nas redes sociais
Ao longo do último ano têm sido várias as pessoas a manifestar publicamente o seu desagrado com a actual gestão do OPCM, mas os comentários de oposição são, invariavelmente, apagados.
“Porque é que apagam comentários e não permitem que as suas publicações nas redes sociais sejam comentadas? Não será este, também, um dos meios a que os pacientes têm facilmente acesso para colocarem questões?”, interroga-se Paula, que comentou uma publicação do OPCM e viu o seu comentário apagado, tendo sido bloqueada em seguida.
“Num país onde o CBD é usado por imensas crianças e adolescentes para a epilepsia e autismo o que nos deu a Tilray ? Eu digo-vos, uma flor de THC a 18%, que não pode ser usada por crianças e adolescentes e para quem a pode usar o preço é exorbitante! Foi isto que deram aos Pacientes Portugueses!” Não demorou muito tempo até o comentário desaparecer. “Comentário apagado da página do OPCM! Não questionem a Sra. Presidenta, senão são banidos”, ironizou Paula. De igual forma, também Paulo Patarra se apercebeu que não conseguia comentar. “Será censura? Parece-me que sim”, afirmou. “Sou só eu que já não consigo comentar este post? Ou a censura do OPCM já se generalizou?”, perguntou um dos membros de um grupo de activistas pela legalização da canábis. “O OPCM limitou quem pode comentar, é o habitual”, respondeu Manuel (nome fictício, pois prefere não ser identificado), um activista pela legalização da canábis que também se tornou associado do OPCM no início de 2021.
Ao Cannareporter confessou: “acho que não há qualquer esforço de ouvir os pacientes ou os associados. Só enviam comunicações quando é preciso votos. De resto, iniciativas e dinâmicas para os pacientes é igual a zero. É ver e ser visto, é bom para os egos e para as vaidades, mas para os pacientes portugueses não aquece nem arrefece. Mas também, que pacientes é que o OPCM representa? Esse era o papel e o foco do OPCM quando foi criado, mas desde o ‘golpe de estado’ que se mudaram os ventos e as vontades”, lastima, aludindo às últimas eleições dos corpos sociais do OPCM, em Maio do ano passado. Manuel garante que a presidente do OPCM só ganhou à custa de muita manipulação e sob a forte oposição de vários associados, numa assembleia geral onde reinou a discórdia e a polémica, mas a vontade de Carla Dias prevaleceu. Saiu e deixou de pagar as quotas. “Se é para continuar nesse registo prefiro entregar os 22 euros ao mercado negro. Pelo menos tenho algum retorno”, diz.
“A CNCM não traz conhecimento para quem já não é leigo no assunto”
Rita Machado, farmacêutica, poderia até registar-se para ir à CNCM, pois qualificava-se nos poucos profissionais elegíveis para participar, mas optou por não se inscrever. “A verdade é que em Portugal não estou a ver que esta conferência possa aportar conhecimento para uma plateia que não seja leiga no assunto”, refere. Rita já foi associada do Observatório, mas deixou de ser. “Recebi uma convocatória, mas não renovei as quotas.” E confirmou a censura nas redes sociais. “É verdade, também aconteceu comigo. Este meu comentário desapareceu da publicação e já não consegui comentar mais”, revela.
Activistas e agricultores de cânhamo juntam-se às críticas ao OPCM
Mas nem só associados, pacientes e enfermeiros têm criticado o OPCM. A presidente do Observatório conseguiu ganhar, no último ano, a antipatia de uma grande parte do movimento pro-legalização da canábis em Portugal, devido às várias declarações na Imprensa e nas redes sociais, onde se tem manifestado contra o auto-cultivo e acusado a legalização do uso adulto de atrasar a disponibilização de “produtos” aos pacientes.
“Noutros países, assistimos (infelizmente) a doentes que usam Canábis medicinal tornarem-se vítimas da legalização do uso recreativo. Não tanto pela legalização em si, mas pelo facto dos produtores se sentirem tentados a entrar nesse mercado. Os requisitos de qualidade são mais baixos, as regras são mais fáceis, os controles são menos rígidos e os rendimentos (esperam-se) mais altos. Resultado: a Canábis medicinal recebeu menos (ou nenhuma) atenção e os doentes continuam sem os produtos”, acusou a presidente do OPCM, numa das suas publicações no Facebook. As reacções de oposição não se fizeram esperar e vários comentários contestaram as suas declarações, mas não demorou muito até desaparecerem e deixar de ser possível comentar.
A CNCM, organizada em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, conta com vários médicos portugueses como oradores principais e anunciou a participação de Vasco Bettencourt, Director do Gabinete de Canábis para Fins Medicinais do Infarmed I.P. na sessão de abertura.
____________________________________________________________________________________________________
[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]____________________________________________________________________________________________________
O que fazes com 3€ por mês? Torna-te um dos nossos Patronos! Se acreditas que o Jornalismo independente sobre canábis é necessário, subscreve um dos níveis da nossa conta no Patreon e terás acesso a brindes únicos e conteúdos exclusivos. Se formos muitos, com pouco fazemos a diferença!
Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Laura é actualmente Editora do CannaReporter e da CannaZine, além de fundadora e directora de programa da PTMC - Portugal Medical Cannabis. Realizou o documentário “Pacientes” e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.