O Conselho Federal de Medicina (CFM) está a ser alvo de fortes críticas, depois da resolução publicada no dia 14, tendo anunciado a abertura de uma consulta pública sobre o documento. Protestos, investigação e falta de solidariedade da ANVISA deixam o CFM isolado, sem contudo deixar claro se a resolução será revogada.
Foi uma semana como poucas no Brasil, que começou no dia 14 de Outubro, data em que foi publicada uma resolução pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que fez eco em toda a indústria da canábis brasileira. A norma vinha tornar ainda mais restrito o uso de canábis para fins medicinais no país, sobrepondo-se à regulamentação criada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Resolução da Diretoria Colegiada nº 327 (RDC 327), de 2019, que tornou possível que profissionais de saúde realizassem a recomendação de canábis medicinal a pacientes através de prescrição.
O Brasil mobilizou-se, os intervenientes na indústria organizaram-se e mobilizaram-se, ao ponto de já terem sido propostas iniciativas no congresso que suspendem a resolução publicada. Se de um lado da barricada estão centenas de milhares de pacientes, do outro está um conselho de medicina que se mostra irredutível. A CFM anunciou a abertura de consulta pública relativamente à resolução que havia publicado, sendo intransigente quanto à efectividade desta, alertando que se encontra em vigor. E não foi por isso que não deixaram de ocorrer vários protestos, que se multiplicaram pelas delegações da CFM, em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro.
A consulta pública inicia-se no dia 23 de Outubro e irá prolongar-se até 23 de dezembro.
Representantes de pacientes reúnem-se com CFM e Conselho Regional
Reunião na sede do CFM, em Brasília com os representantes da sociedade civil Foto: CFM
Em Brasília, o Presidente do CFM, Jeancarlo Cavalcante, e a 2ª secretária da autarquia, Helena Leão, receberam Vinícius Ximenes Murray da Rocha, diretor de Exercício Profissional e Mercado de Trabalho da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Luna Vargas, educadora e representante de associações de pacientes em tratamento, familiares e centros produtores e Felipe Suzin, da Federação das Associações de Canábis Terapêutica (FACT). Apesar do elogio do grupo à decisão de abrir a consulta pública, os representantes pediram a revogação da Resolução recém-publicada e sugeriram a realização de um fórum para debater o tema.
Presidente do Cremesp em conversa com pacientes e médicos / Foto: Brasildefato | Gabriela Moncau
Já em São Paulo, a presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Irene Abramovich, reuniu-se durante aproximadamente uma hora com os presentes, reconhecendo que o Cremesp não pode desrespeitar resoluções federais, não sendo possível impedir a cassação de registros profissionais. No entanto, o Conselho Regional comprometeu-se a realizar uma consulta pública a respeito do tema com médicos, especialistas e membros representativos da comunidade, sendo que a entidade de Abramovich irá posicionar-se publicamente relativamente à resolução perante o Conselho Federal.
Conselho Federal isolado na restrição
Apesar de, neste momento a resolução estar em vigor e não ter sido suspensa com a consulta pública, esta parece ser uma forma de conseguir comprar algum tempo e conseguir que o calor da discussão no seio da sociedade civil arrefeça. Isto porque, segundo a Folha de São Paulo, o CFM teria já intentado contactar o presidente da Anvisa, segundo ofício de 15 de setembro, para que a agência revogasse a RDC 327. De acordo com o Tribuna Online, o presidente da Anvisa afirmou que o ofício está em análise para para elaboração de resposta, mas já foi formulada uma avaliação que rejeita a necessidade de revogar a RDC 327, visto que a norma foi cuidadosamente redigida de forma a garantir a qualidade e a segurança.
O Ministério Público Federal (MPF) anunciou também ter instaurado no inicio da semana um procedimento para apurar a legalidade da resolução do CFM. O procurador responsável pela acção, Ailton Benedito de Souza, irá averiguar a compatibilidade entre a resolução do CFM e o direito social à saúde, nos termos da Constituição Federal, bem como a compatibilidade com outros regulamentos oficiais, como os da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mencionado acima.O CFM respondeu que encaminhará todas as informações solicitadas.
No Congresso Nacional a matéria será discutida e a suspensão da resolução votada, em breve. Trata-se de um alinhamento político inusitado e inesperado entre o Partido dos Trabalhados e Partido da Social Democracia Brasileira, com dois projetos de decreto legislativo apresentados com vista a suspender a resolução. Os projectos apresentados, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT) na câmara dos deputados e no senado, da senadora Mara Gabrilli (PSDB), serão votados em breve.
A jornalista Manuela Borges, paciente e fundadora da InformaCANN, uma rede de apoio aos pacientes que usam canábis medicinal, espera ser igualmente recebida por um representante do CFM, a quem irá entregar um abaixo assinado com mais de 100 mil assinaturas.