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Portugal: Todos os caminhos vão dar à legalização, mas quando?

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A legalização da canábis em Portugal tem sido um caminho longo e sinuoso, que se percorre há mais de uma década, com o Bloco de Esquerda (BE) a liderar a odisseia para atingir o tão almejado destino. Contudo, nos últimos anos, quase todos os partidos têm vindo a convergir na mesma direcção, ainda que com ideologias diferentes. BE e IL (Iniciativa Liberal) têm apontado Setembro como o mês para dar início à discussão no Parlamento, mas nada está, ainda, confirmado. Será este o ano em que sai fumo branco da Assembleia da República?

Ano de 2023. É já praticamente consensual que a legalização do uso adulto deverá acontecer este ano em Portugal. Só não se sabe, ainda, quando, nem de que forma. Com dois projectos de lei (PL) apresentados nesta legislatura à Assembleia da República (AR) — o do Bloco de Esquerda (BE) e o da Iniciativa Liberal (IL), e não sendo ainda claro se o PAN – Pessoas-Animais-Natureza e o PS (Partido Socialista) o irão fazer também, a submissão para debate em plenário não está ainda prevista. Há quem diga que poderá ser já em Setembro, mas nada é certo, ainda.

O BE foi o primeiro e o que mais vezes submeteu propostas de lei na Assembleia da República para que o uso adulto de canábis fosse regulamentado. Até hoje, nenhuma delas viu a luz do Diário da República, mas há muito que a questão da legalização da canábis reúne consenso no hemiciclo do Parlamento português.

A direita a virar à esquerda
A legalização da canábis deixou de ser uma questão ponderada apenas pelos partidos de esquerda. Em Fevereiro de 2018, André Almeida e Ricardo Baptista Leite, ambos médicos e deputados do PSD (Partido Social Democrata) apresentaram, durante um Congresso do partido, a moção “Legalize – Estratégia para a legalização responsável do uso de canábis em Portugal”, defendendo um debate sério com os seus militantes sobre o tema e fazendo uma série de recomendações que, afirmaram, ser baseadas em evidências científicas e em experiências realizadas noutros países. A moção recebeu uma ovação dos militantes presentes no Congresso, suscitou a curiosidade dos Media e Ricardo Baptista Leite deu inúmeras entrevistas a propósito das intenções de legalização, com a canábis a ser vendida nas farmácias a maiores de 21 anos, mas a proposta nunca se concretizou. Dois anos depois, em Fevereiro de 2020, também a JSD (Juventude Social Democrata) fez um referendo interno, no qual perguntou aos jovens militantes se concordavam com “a despenalização e regulamentação da venda de canábis, para fins recreativos, a maiores com idade igual ou superior a 21 anos”. O referendo decorreu em sedes de todo o país e, de acordo com a JS, o objectivo da iniciativa passou por tentar perceber se a maior parte da estrutura seria ou não favorável à regulamentação da venda de canábis. Num total de 1575 votantes, 57,8% expressou uma opinião positiva à legalização, com 911 militantes a votar a favor, 597 contra, 59 em branco e 8 nulos. No entanto, nada aconteceu no seguimento deste referendo.

Um Parlamento cristalizado em 2001
Ainda que a maioria dos partidos de esquerda seja, em geral, favorável à regulamentação da canábis, nunca se chegou a um entendimento para avançar com uma lei concreta. A 9 de Junho de 2021, o Parlamento debateu em plenário a legalização do uso pessoal de canábis, proposta por dois partidos, BE e IL. Num debate aceso, que durou quase duas horas, foram precisos apenas alguns minutos para perceber que o discurso dos grupos parlamentares pouco ou nada tinha mudado desde a última vez que se tinha discutido o tema, em 2018. Com a excepção dos partidos proponentes, poderia mesmo afirmar-se que a maioria dos deputados cristalizou o seu discurso em 2001, referindo até à exaustão o “exemplo português da descriminalização” e o quanto Portugal foi “inovador” e “pioneiro” nas políticas de redução de danos, sem se dar conta que 20 anos passaram e, afinal, continua tudo na mesma.

O tom do debate foi, essencialmente, paternalista e desinformado, muitas vezes baseado em mitos e falsos pressupostos não corroborados pela ciência. A canábis continuava a ser o esqueleto no armário, responsável pelas famosas “psicoses”, que os deputados não se cansaram de invocar, chegando mesmo a ouvir-se o termo “psicopata”. O auto-cultivo, o bicho de sete cabeças, que nem alguns partidos de esquerda conseguem ainda encaixar.

Dos 6378 processos de contra-ordenação por consumo de substâncias e 6019 indivíduos indiciados em 2021, 4807 foram por posse de canábis, 707 por cocaína, 367 por heroína, 25 por ecstasy e apenas 5 foram por outras drogas. (Dados do SICAD)

Num país onde os relatórios do SICAD – Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências – revelam todos os anos que a principal causa de morte por overdose nos jovens é o álcool, acessível em qualquer esquina, continuou-se a insistir na canábis como o pior de todos os males.

Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda, é um dos principais deputados a insistir na legalização da canábis em Portugal

Invocar o exemplo da descriminalização de 2001 como se Portugal fosse a referência do mundo também já não faz qualquer sentido, quando sabemos que todos os dias são detidas pessoas por terem duas, três ou meia dúzia de plantas em casa. As pessoas que cultivam para seu consumo próprio, para não terem de recorrer às redes criminosas, continuam a ser presas, acusadas de tráfico de estupefacientes e constituídas arguidas perante um tribunal que as obriga a um termo de identidade e residência, com apresentações semanais (às vezes diárias) numa esquadra da polícia, e a pagar multas pesadas. Como se justificam todos estes custos para o Estado com operações policiais e processos em tribunais?

Recorde-se que, dos 6378 processos de contra-ordenação por consumo de substâncias e 6019 indivíduos indiciados em 2021, 4807 foram por posse de canábis, 707 por cocaína, 367 por heroína, 25 por ecstasy e apenas 5 foram por outras drogas (dados do relatório anual do SICAD). De salientar que, do total de indivíduos indiciados, 86% tinham um perfil de consumo “não toxicodependente”. 

Em 2022, continuamos a criminalizar e a humilhar adultos que optam por utilizar canábis, quando sabemos que não há, nem nunca houve, overdoses associadas apenas a esta planta e mesmo depois de a ONU e a OMS (Organização Mundial de Saúde) terem reconhecido o seu potencial terapêutico.

Em Portugal, falta um debate sério sobre a canábis, com pessoas que realmente percebam do que estão a falar, e não ‘papagaios’, que há décadas repetem os mesmos preconceitos associados à proibição do início do século XX. O “exemplo internacional em termos de políticas de drogas” de Portugal apenas provou, até à data, que as aparências iludem e que da teoria à prática vai uma grande distância.

Sessão Plenária na Assembleia da República Portuguesa

A dissolução do governo e o ‘baralha e volta a dar’
Após o debate de 9 de Junho de 2021, os projectos de lei do BE e da IL baixaram à Comissão de Saúde para serem discutidos na especialidade durante 60 dias, o que não chegou a acontecer. Logo em Setembro, a presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, Maria Antónia Almeida Santos, deputada do PS, pediu a primeira prorrogação do prazo, por mais 60 dias, para nova apreciação na generalidade dos dois projectos de lei. Contudo, pouco depois, as propostas acabariam por caducar com a dissolução da Assembleia da República, em Dezembro de 2021, no seguimento da falta de consenso sobre o Orçamento de Estado para 2022.

Com o PS novamente eleito em 2022, e apesar de o partido com maioria no governo ser, essencialmente, favorável à legalização, voltou-se à estaca zero em termos de projectos de lei. Sem desarmar, o BE voltou à carga no passado mês de Junho e submeteu na AR um novo PL, revisto e modificado depois de o anterior ter caducado. A actual versão propõe agora legalizar a canábis “para uso pessoal”, substituindo o termo “uso adulto”. A proposta prevê que o Estado regulamente a criação de estabelecimentos de comércio autorizados, a venda de canábis online e o cultivo doméstico de 5 plantas por pessoa.

Uma diferença deste PL para o anterior é que o Bloco deixou cair o artigo que proibia os comestíveis ou as bebidas com canábis, o que revelou algum avanço, tendo em conta que este é um mercado com enorme potencial, podendo representar receitas de milhares de milhões de euros. No entanto, proíbe-se “a venda de canábis enriquecida com aromas, sabores ou aditivos”. Também fica proibida “a venda de canábis sintética”. 

“A política proibicionista não é uma solução. Na verdade, ela é parte integrante do problema e potencia o seu agravamento, protegendo a clandestinidade do tráfico e colocando em causa a saúde pública”.

O BE propõe ainda que o Estado regule todo o circuito de cultivo, produção e distribuição, podendo determinar um limite máximo de THC, bem como o preço ao consumidor, de forma a combater o tráfico e o mercado ilegal. A proposta diz ainda que “o comércio por retalho de plantas, substâncias ou preparações de canábis para consumo pessoal sem prescrição médica e desde que para fins que não os medicinais, está sujeito a autorização da Direção Geral das Atividades Económicas”.

Pedro Filipe Soares, deputado do BE, assinalou que a legalização é uma forma de “combater o mercado negro”, “as substâncias manipuladas” e o “consumo desinformado”. Defendeu também que Portugal tem que acompanhar os países que já legalizaram a canábis para uso pessoal, como Malta, e os que a estão a debater, como a Alemanha, em que a legalização da canábis é um dos pontos do acordo de Governo estabelecido entre SPD e Verdes. O Bloco salienta que “a política proibicionista não é uma solução. Na verdade, ela é parte integrante do problema e potencia o seu agravamento, protegendo a clandestinidade do tráfico e colocando em causa a saúde pública”.

Lojas especializadas e sementes em lojas agrícolas

Na exposição de motivos do documento do BE realça-se que “legalizar a canábis para uso pessoal – mais comummente conhecido por uso recreativo – é combater as redes de tráfico e é combater as redes de crime organizado que muitas vezes se financiam através do tráfico de substâncias como a canábis.”

Os estabelecimentos para venda de canábis deverão ter, “apenas e só, como actividade o comércio de plantas, substâncias ou preparações de canábis”, exceptuando-se “os estabelecimentos comerciais cuja actividade principal é a venda de equipamentos, máquinas e plantas agrícolas ou similares, onde é permitido o comércio de sementes de canábis”.

A proposta da Iniciativa Liberal, apresentada no 4:20

Este ano, os deputados do partido político Iniciativa Liberal assinalaram o dia 20 de Abril (4:20) com a submissão de um projecto de lei na Assembleia da República que propõe a legalização da canábis para fins recreativos em Portugal. O documento propõe a criação de “um mercado livre, aberto e concorrencial de bens e serviços baseados na canábis não-medicinal” e prevê a possibilidade de auto-cultivo.

Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, no Parlamento.

projecto de Lei 735/XV/1  assume como objectivo criar um mercado livre, aberto e concorrencial, de bens e serviços baseados na canábis não-medicinal. A proposta remete as autorizações para a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), nas actividades de cultivo, fabrico, comércio por grosso, importação e exportação. No caso do comércio por grosso está sujeito a autorização da Direção Geral das Actividades Económicas e comunicação obrigatória ao Infarmed I.P.. No caso do cultivo para fins pessoais, a proposta não contempla qualquer tipo de registo ou autorização.

Na proposta da IL, os comerciantes serão livres de desenvolver e comercializar quaisquer produtos, nomeadamente através de canábis nas suas formas botânicas e derivados directos, mistura de canábis com tabaco ou outras substâncias fumáveis, incluindo fumo eletrónico, recombinação de canábis na forma de bebidas, incluindo bebidas cafeínadas ou alcoólicas, recombinação de canábis na forma de comestíveis e ainda produtos contendo ingredientes ou aditivos que visem alterar o carácter do produto, nomeadamente os aromas, os sabores, a estética ou o perfil de efeitos psicotrópicos.

Porém, o diploma propõe igualmente a possibilidade de limitar a potência através da fixação de limites de THC nos produtos a comercializar, ao mesmo tempo que cria semelhantes condições de exclusão à venda a menores de 18 anos, portadores de anomalia psíquica ou que estejam visivelmente intoxicados.

Auto-cultivo restrito a sementes autorizadas

O projecto de lei da IL, apesar de permitir o cultivo para uso pessoal, inclui algumas disposições relativamente aos limites quantitativos nas habitações. Igualmente, restringe a utilização livre de sementes por parte dos consumidores, preferindo a utilização de sementes autorizadas.

Desta forma, aqueles que tenham como objectivo proceder ao auto-cultivo, estarão limitados pelas sementes autorizadas e devem adquiri-las em estabelecimentos licenciados para o efeito. O projecto de lei é ainda pouco claro relativamente ao exercício das actividades de comercialização de sementes e ao próprio breeding (criação de cultivares por cruzamentos).

No calendário da Assembleia da República ainda não está prevista a discussão de nenhum projecto de lei sobre a legalização da canábis.

É igualmente proibida a venda ou qualquer uso comercial do produto obtido pelo auto-cultivo e o governo poderá vir a limitar a concentração de THC das sementes para cultivo pessoal, através de portaria, o que, apesar de dificilmente exequível, fecha por completo o caminho à troca de sementes entre cultivadores e ao desenvolvimento de genéticas próprias e adaptadas a cada espaço geográfico.

Por outro lado, o diploma propõe o aumento dos valores máximos previstos para a posse, permitindo igualmente a venda online. É proposta uma rotulagem para as embalagens de produtos de canábis que contenha informação sobre os componentes e ingredientes presentes no respetivo produto, incluindo proveniência, as respectivas quantidades e concentrações, a concentração de THC e CBD e os efeitos esperados do consumo do produto. Deverá também dar a conhecer as advertências e informações sobre as potenciais consequências para a saúde, incluindo contactos úteis para assistência médica.

No calendário da Assembleia da República ainda não está prevista a discussão de nenhum projecto de lei sobre a legalização da canábis, desconhecendo-se se algum outro grupo parlamentar irá avançar com propostas sobre esta matéria.

O Cannareporter falou com Moisés Ferreira, do BE, que tem sido o maior impulsionador destas propostas no partido, e com Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal. As entrevistas aos deputados dos dois partidos que actualmente lideram o caminho para a legalização em Portugal serão publicadas em breve no Cannareporter.
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Este artigo foi originalmente publicado na edição #8 da Cannadouro Magazine.

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e directora de programa da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” em 2018 e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

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