Descobertas arqueotoxicológicas revelaram que existiu contacto com canábis na Europa do século XVII. Análises em ossos de pacientes do hospital Ca’ Granda, em Milão, apontam para a exposição à planta, o que desafia as concepções históricas e destaca a arqueotoxicologia como uma nova disciplina emergente da arqueologia.
O estudo científico sobre a existência de canábis no século XVII, na cidade de Milão, vai ser publicado na edição de Dezembro do Journal of Archaeological Science. A investigação, intitulada “Análises Toxicológicas Forenses revelam o uso de canábis em Milão (Itália) nos anos 1600 (Tradução livre do original “Forensic toxicological analyses reveal the use of cannabis in Milano (Italy) in the 1600’s”), passou a pente fino as análises toxicológicas de amostras ósseas de pacientes falecidos do hospital Ca’ Granda, um dos mais importantes da Europa na época.
Os cientistas empregaram técnicas avançadas, utilizando a Extracção em Fase Sólida e o Espectrómetro de Massa Triplo-Quadrupolo Thermo Scientific™ TSQ Fortis™ II. Os resultados foram surpreendentes, por revelarem a presença de dois canabinóides — o Delta-9-tetrahydrocannabinol (THC) e o cannabidiol (CBD) — da planta de canábis em duas das nove amostras de ossos (fémur) analisadas, correspondendo a 22% do total.
O estudo desvenda não apenas a existência da canábis entre a população italiana do século XVII, mas também sugere fortemente que a sua utilização estava mais associada ao lazer do que a fins medicinais. Isto porque, segundo o artigo, a documentação relacionada à farmacopeia utilizada no tratamento de pacientes no hospital Ca’ Granda não incluía a canábis, o que é um indício de que a planta não era administrada como tratamento médico no hospital naquela época.
Os investigadores formulam assim a hipótese de que os indivíduos investigados consumiam canábis como uma substância recreativa. No entanto, reconhecem a possibilidade de outras fontes de exposição, como a auto-medicação, a administração por médicos fora do hospital Ca’ Granda, a exposição ocupacional e involuntária.
Este estudo fornece a primeira evidência física do uso de canábis na Idade Moderna, não apenas na Itália, mas em toda a Europa. As análises toxicológicas abrem uma nova janela para os hábitos da população milanesa do século XVII, evidenciando uma exposição à planta com finalidades recreativas. Esta descoberta não enriquece apenas o nosso conhecimento histórico, mas estabelece igualmente a arqueotoxicologia como uma nova disciplina científica, promissora e emergente, capaz de desvendar segredos enterrados no passado.