Entrevistas
Elena Battaglia, Veterinária: “Tenho pacientes oncológicos que se esperava que morressem há dois anos e ainda estão vivos”

Falámos com a veterinária italiana Elena Battaglia, que tem vasta experiência a utilizar canabinóides em animais, e nos explicou de que forma os seus pacientes têm beneficiado desta planta milenar.
A canábis ao serviço dos animais
Cães, gatos, cavalos, vacas, porcos, pássaros… todos os vertebrados têm um Sistema Endocanabinoide, por isso é fácil de perceber que, também eles têm receptores para canabinóides, logo podem beneficiar da canábis. Mas não é só pela via da ingestão que a canábis pode ajudar os animais. O cânhamo industrial, em especial os caules e as fibras, estão a ser utilizados com sucesso para fazer camas de cavalos ou vacas, absorvendo melhor a humidade e os dejectos, garantindo uma maior durabilidade, se comparados com qualquer outro tipo de palha.
Vários estudos comprovaram também a eficácia do CBD na redução do stress, não só em cães mas também em vacas. Um recente estudo da Universidade do Kansas descobriu que alimentar o gado com cânhamo industrial pode ter um efeito benéfico no seu bem-estar, reduzindo o stress e os marcadores da inflamação. O Jardim Zoológico de Varsóvia, na Polónia, causou surpresa no verão passado, quando anunciou que iria testar os efeitos do CBD nos seus elefantes. O projecto “Hemp for Elephants”, que se acredita ser o primeiro estudo do género, visa determinar se doses regulares de óleo CBD reduzirão os níveis de stress nos animais. Se for bem-sucedido, o zoo pretende começar a usá-lo noutros grandes mamíferos, como girafas, ursos polares e rinocerontes.
Quem é Elena Battaglia?
Nasceu em Savona, Itália, em 1972, mas mudou-se para Chicago, nos Estados Unidos, quando tinha apenas seis anos. Decidiu ser veterinária ainda criança, quando desenvolveu uma relação especial com os animais e regressou ao país Natal. Estudou Medicina Veterinária na Universidade de Parma e terminou a licenciatura em 1996, mas foi só 20 anos depois, em 2016, que percebeu que os canabinóides podiam ajudar os animais. Nessa altura, a sua vida mudou.
Elena trabalhou numa clínica veterinária durante alguns anos, mas abriu o seu próprio consultório em 2004. Em 2016, a sua cadela de 17 anos começou a ter graves problemas com artroses e Elena procurava desesperadamente uma solução para aliviar o seu sofrimento. “Não consegui encontrar uma solução, até que me lembrei de um amigo dos Estados Unidos, que me tinha falado sobre canábis e CBD . Então, decidi olhar para ele. Foi assim que a minha aventura cânhamo-canábis começou!”
Depois de observar os efeitos positivos na sua cadela, Elena começou a usá-lo na sua prática clínica. “No início, muitas pessoas estavam apenas a tentar, porque não tinham nada a perder, mas depois os animais começaram a melhorar”. Até hoje, Elena já tratou mais de 3.000 pacientes. Faz webinars e conferências sobre a utilização de canábis em animais e participou no fabrico de três novos produtos de cânhamo com três indicações diferentes: para a dor, para a epilepsia e para problemas comportamentais. Os produtos contêm CBD, CBDA, CBG, em concentrações específicas para ajudar nesses problemas, além de terem sido adicionados com terpenos para aumentar o efeito entourage.
Quando é que decidiu que queria ser veterinária? Ainda se lembra?
Era criança, muito pequena, tinha uns 6 ou 7 anos. Simplesmente, adorava animais e adorava pessoas um pouco menos [risos]. O gato dos meus vizinhos era família. Cresci a querer cuidar de animais porque sempre achei que eles merecem, não são suficientemente respeitados nem têm pessoas que realmente cuidem deles. Foi por essa razão que decidi tornar-me veterinária.
E quando é que se apercebeu que a canábis podia ajudar animais?
Foi por volta de 2016, quando a minha cadela mais velha, de 17 anos, tinha artrite e sérias dificuldades em movimentar-se. Além disso, tinha medo da trovoada e estava um pouco senil. A princípio, usei o que toda a gente usa, cortisona e coisas desse género. A cadela sentia-se bem durante algum tempo, mas depois voltava ao mesmo. Eu tinha uma amiga cuja irmã trabalhava na indústria da canábis nos Estados Unidos (EUA) e falámos mais ou menos disso, mas nunca juntei as peças. Então, um dia pensei: “Porque não?” Depois, escrevi a essa empresa nos EUA para ver se me poderiam enviar um produto com CBD e eles disseram, obviamente, que não podiam, porque seria barrado aqui em Itália, não me deixariam recebê-lo. Antes desta situação da COVID, costumava ir de férias aos Estados Unidos, porque vivi lá. Nesse Verão, voltei e encontrei o produto que procurava. Então, trouxe-o [o CBD], comecei a dá-lo à minha cadela e ela mudou rapidamente. Já não tinha 17 anos, parecia ter 14, conseguia mover-se mais facilmente. Foi incrível, porque começou quatro ou cinco dias depois. Eu estava habituada a abrir a porta de casa e ela tentava pôr-se de pé, com muita dificuldade. Depois [do CBD], assim que abria a porta, ela levantava-se imediatamente e eu pensava: “Não, não precisas de te levantar de cada vez que saio.” [risos] Mas sentia-se melhor e todos os seus outros problemas, como os neurológicos ou o medo da trovoada, simplesmente desapareceram. Foi incrível, tinha uma nova vida. Quando me apercebi disso, pensei: “Meu Deus, imaginem a quantidade de animais que se pode tratar e que podem deixar a medicação.” A medicação, a longo prazo, vai causar problemas, por isso, imagine-se o que de bom se pode fazer com esta planta.
O que fez, na altura? Começou a utilizar o CBD na sua prática clínica?
Comecei. Encontrei uma farmácia que preparava um óleo apenas com CBD. Era a única coisa que conseguíamos encontrar, por isso comecei só com CBD. Após algum tempo, o CBD de espectro completo começou a sair em Itália e comecei a usá-lo, porque funciona melhor. Portanto, troquei para esse. Depois, o CBD de espectro completo não era suficiente para algumas terapias e comecei a usar canábis. Após alguns anos, tenho tratado mais de três mil pacientes com CBD ou com canábis. Ah, e um cão mordeu-me. Se virem a minha mão [com uma ligadura] é porque fui mordida esta manhã, desculpem. [risos]
Sinto muito. Mas está tudo bem? Foi grave?
Está tudo bem.
Talvez a canábis a possa ajudar também!
Sim, já pus, porque se a aplicar mal sou mordida não infecta, não preciso de antibióticos. Aí está outra coisa que a canábis faz.
Incrível! E, além de cães, já tratou outros animais de estimação com canábis?
Gatos e tenho também alguns coelhos. Há pacientes oncológicos que usam canábis. Também usei CBD num chimpanzé em Espanha, não directamente, mas prescrevi.
Um chimpanzé num Zoo?
Sim. Não me lembro bem, foi através da associação que trata deles. Foi há uns anos, tinha artrite e melhorou.
Tendo em conta que os animais também possuem um sistema endocanabinóide, como nós, também utiliza canábis em cavalos, vacas? Pensa que poderá ser benéfico para este tipo de animais?
Sim, claro. Ah, é verdade! Tenho estado a utilizar (esqueci-me disso) em alguns cavalos. Usei, de facto, mas como normalmente uso em gatos e cães, acabo por me esquecer de que tive outros pacientes.
Quais são as principais diferenças que encontra entre os medicamentos tradicionais e a canábis, quando trata animais de estimação?
Bem, no que diz respeito aos donos, diria que é um pouco mais difícil, porque ainda estão muito habituados a usar antibióticos e anti-inflamatórios. Se há um sintoma do antibiótico não ficam preocupados, dizem: “Sim, é porque está a tomar antibiótico.” Mas, na primeira vez em que o gato vomita sob o efeito da canábis, dizem logo: “Meu Deus! O gato vomitou, deve ser da canábis.” Por isso, é muito difícil fazer com que estas pessoas percebam que aquilo que estavam a tomar antes é bastante mais perigoso, e isso pode trazer mais problemas do que a canábis. É um pouco problemático.

Os pacientes de Elena não são só cães e gatos. Elena já utilizou canábis para tratar coelhos, ovelhas, cavalos e até um chimpanzé num Zoo.
Acha que as pessoas ainda precisam de educação nesta área?
Sim. Precisam, porque quando fazem a visita e falo com elas, explico-lhes, mas, na primeira vez em que algo acontece – e pode ser algo bastante parvo como o gato vomitar ou o cão ter diarreia –, pensam: “Oh meu Deus!” Ligam-me e dizem: “Não vou dar mais isto ao meu gato porque o gato teve diarreia.” E eu respondo: “Não, se o antibiótico provocar diarreia vocês param? Não!” Relativamente à terapia, não tenho efeitos secundários com a canábis, ficam mais sonolentos, mas normalmente é o máximo. Quanto aos antibióticos e cortisona, sabe-se o que essas coisas fazem e, nesse aspecto, a canábis é definitivamente uma terapia melhor.
Quais são as principais patologias ou doenças que habitualmente trata com canábis?
Normalmente, trato condições ortopédicas, como a artrite. Os pacientes oncológicos devem ser postos sob canábis imediatamente, não só porque a canábis proporciona um tempo de vida mais longo, mas porque o animal sente uma melhoria imediata. Isto acontece, porque actua, obviamente, no sistema endocanabinóide. É por essa razão que deve ser logo administrada. Não temos de esperar que o paciente sinta dor ou que esteja nos seus últimos dias, isso é bastante estúpido. A canábis não é só para a dor, faz sentir melhor. Também a usamos para problemas gastrointestinais e funciona bastante bem para todas essas doenças inflamatórias do intestino. Depois, usamo-la para a epilepsia e para problemas comportamentais. Este é um dos grandes usos agora. Parece que, hoje em dia, a vida de toda a gente está um pouco frenética e os animais sentem-no. Portanto, há muitos animais que precisam de encontrar um equilíbrio e é isso que o CBD e o CBG proporcionam: ajudar a encontrar esse equilíbrio e a reagir às coisas da sua vida de uma forma mais equilibrada. Eles têm uma certa visão, como nós temos, e talvez entrem em pânico, como nós entramos. Quando lhes damos CBD e CBG, ou apenas CBD em muitos casos, ficam mais relaxados e vêem o dia de outra forma. Não reagem da mesma forma que reagiriam sem ele.
Além do CBD e do CBG, que outros canabinóides usa habitualmente?
Habitualmente, quando há uma dor ortopédica, começamos com CBD e talvez, em alguns casos, com CBG. Agora, vamos começar a utilizar três novos produtos, e um deles é apenas para a dor. Por isso, será CBD, CBG, CBDA e um par de terpenos, apenas terpenos. É suposto começar pelo CBD com terpenos e quando já não funciona, antes de prescrever canábis, usamo-lo. É como um passo intermédio.
E THC, também utilizam?
Sim, THC também usamos. Quando o CBD não é suficiente, passo para algum THC. Muitos animais usam CBD para a artrite durante anos e chega o dia em que já não é suficiente, então passo-os para a canábis. Muitas vezes, quando receito canábis não é apenas canábis, normalmente adiciono um par de terpenos e CBD para ter um maior efeito anti-inflamatório na dor.
Como é que estes animais de estimação tomam a canábis, em óleo, gotas?
Sim, em óleo. [Os donos] põem as gotas em alguma coisa e dão ao animal.
E como é que isto se processa, legalmente, em Itália, quais são as regulamentações? Passa uma receita de canábis aos donos? E onde é que eles a obtêm?
Sim, há farmácias que fazem os óleos a partir da canábis. A farmácia recebe a flor directamente das empresas, como a Bedrocan, eu passo a receita com o tipo de canábis que preciso e a quantidade (por exemplo, a Bedica, uma das estirpes que uso – Bedica 2,5g e por aí fora), envio-a para a farmácia e eles preparam o óleo como indiquei. Eu apenas envio a receita para ser levantada. Depois, o dono do cão vai à farmácia e levanta o óleo.
Sinto que estão avançados em Itália, pelo menos em comparação com Portugal.
Estamos! Somos um dos países mais sortudos da Europa, porque temos a possibilidade de receitar canábis a animais sem qualquer problema.
Relativamente aos seus colegas, sabe quantos veterinários já estão a receitar? Alguns deles ainda a vêem como um pouco “maluca”? [risos]
Sim, isso é verdade. [risos] Muitos deles consideram-me bastante maluca, mas era pior há uns anos. Quando comecei, dizia-se “a canábis não funciona”, “isto é uma falácia” e até disseram que eu era “uma bruxa” ou algo do género, coisas muito estranhas. Desde então, alguns deles mudaram de opinião e há muitos que agora usam CBD, outros que usam canábis. O grande problema é que alguns usam CBD, mas não sabem bem como usar. É do género: “Dou-lhes isto e o pior que pode acontecer é não funcionar”. Mas não é assim que se faz, é preciso ter o paciente em consideração. Começa-se com uma dose baixa e, dependendo da forma como o animal reage e considerando a sua patologia, doseia-se de forma diferente. Mas eles não fazem isso, é como se ainda tivessem aquela mentalidade dos antibióticos do “tome um de 12 em 12 horas” e não é assim que funciona, não é o mesmo para todos os animais. Podem ter a mesma idade e o mesmo problema, mas reagir de forma diferente. Isso é uma das coisas em que reparei bastante. Depois há, claro, todos aqueles que dizem: “Ah, não, a canábis não funciona.” Ainda temos disso. Ou dizem que não há estudos e claro que há! Portanto, isso é um problema, mas vejo que as pessoas começam a informar-se e a procurar na internet se, realmente, há estudos e depois tomam a sua decisão.
Já teve alguma situação em que as pessoas ficam completamente espantadas com o resultado?
Sim, há algumas que não estavam à espera e ficaram muito contentes. Tenho pacientes oncológicos que se esperava que morressem há dois anos e ainda estão vivos. Há muitas pessoas que estão gratas pela existência da canábis.
E como vê o futuro dos animais de estimação com a canábis? Ainda há algo a melhorar?Sim, pode ser melhorado. Uma das coisas é um produto que vai sair este mês, porque vai ser [inaudível] um passo entre um CBD de espectro completo e a canábis. Portanto, vamos conseguir ter uma abordagem para aqueles pacientes que precisam de algo mais, mas que ainda não estão prontos para o THC. Será para a dor, epilepsia e problemas comportamentais. Dessa forma, podemos abordar três patologias diferentes que agrupam muitos animais. Penso que o futuro é mais risonho, porque, espero, cada vez mais veterinários vão perceber que funciona. No início, talvez fossem apenas os donos que chegavam aos veterinários e diziam: “Veja, encontrei isto na internet e pode ser útil.” E isso era muito bom. Agora, há veterinários que vêem os pacientes e dizem que não há muito a fazer, mas dois meses mais tarde regressam, a sentir-se muito bem, porque estão a usar canábis. E aí, eles pensam: “Bem, talvez deva começar a pensar em usá-la.” E isso é muito bom.
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Esta entrevista foi originalmente publicada na Edição #9 da Cannadouro Magazine.
[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]
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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e directora de programa da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” em 2018 e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
