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Cânhamo

A confusão do cânhamo em Portugal: ASAE apreende CBD na Kings Yard, mas deixa flores por serem para “coleccionismo”

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A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) apreendeu cerca de 845 produtos numa loja da Kings Yard, que “apresentavam na sua composição uma substância não autorizada – canabidiol (CBD)”, de acordo com um comunicado de Imprensa  Entre os produtos apreendidos encontram-se garrafas de Gin, bolachas, chupa-chupas, gomas, pastilhas-elásticas, chás e chocolates, no valor total de 1.960,00 euros. As flores de cânhamo, que estavam etiquetadas como produto de ‘coleccionismo’, não foram apreendidas, “já que estas estavam em conformidade com a lei: rotulagem correcta, teores legais de THC e a simbologia (proibido fumar e proibida a venda a menores de 18)”, explicou a ASAE. A controvérsia sobre a legalidade do CBD (canabidiol) derivado do cânhamo em Portugal continua, pois não existe uma regulamentação clara para todos estes produtos.

De acordo com o comunicado enviado pela ASAE, no passado dia 8 de Julho, a autoridade realizou, “através da Brigada de Práticas Fraudulentas da Unidade Regional do Norte – Unidade Operacional I – Porto, e na sequência de uma investigação de prevenção criminal, uma operação de fiscalização no âmbito do combate à fraude alimentar, direcionada à verificação da comercialização de novos alimentos não autorizados, num estabelecimento de comércio de géneros alimentícios, situado na área metropolitana do Porto”.

A falta de informação nas embalagens e etiquetas parece ter sido uma das razões que levaram à retirada dos mesmos, incluindo-se ainda “várias tipologias de ‘flor de cânhamo’, cujas condições de utilização eram omissas, bem como o fim a que se destinavam e as respetivas composições analíticas”. Entre os 845 produtos apreendidos encontram-se garrafas de Gin, bolachas, chupa-chupas, gomas, pastilhas-elásticas, chás e chocolates que, segundo a autoridade, “apresentavam na sua composição uma substância não autorizada – canabidiol (CBD)”. 

Em relação às flores, que estavam devidamente etiquetadas, “perguntaram infinitas vezes para que serviam: eles sabem e nós não podemos dizer, é o jogo de ver quem é mais estúpido e é muito revoltante ter que passar por isto”

O valor dos produtos apreendidos totaliza cerca de 1960,00 euros e o proprietário da loja vê-se agora a braços com um processo-crime “por género alimentício anormal falsificado e por adição de substância não autorizada”, refere a ASAE.

O Gin apreendido pela ASAE tem cânhamo, mas não CBD

ASAE diz que flores de CBD são permitidas enquanto objecto de “coleccionismo”
Esta acção de fiscalização decorreu no mês de Maio passado. O estabelecimento é uma das lojas da cadeia Kings Yard e, ao que o CannaReporter conseguiu apurar, foram apreendidos não só géneros alimentícios mas também pacotes de filtros e mortalhas. Os mesmos não tinham qualquer menção a CBD e são iguais ou semelhantes aos que se vendem em qualquer papelaria ou bomba de gasolina. A razão de terem sido apreendidos, de acordo com as autoridades, foi porque não tinham rótulos em português. “Quando questionados, disseram que devolveriam tudo no prazo de uma semana”, contou ao CannaReporter Miguel (nome fictício de um funcionário da loja, que preferiu manter-se anónimo), “mas quando foram feitos os rótulos e pedida a devolução, alegaram que, sendo parte da investigação de um processo crime, não os poderiam libertar”.

As flores de cânhamo não foram apreendidas, “já que estas estavam em conformidade com a lei: rotulagem correcta, teores legais de THC e a simbologia (proibido fumar e proibida a venda a menores de 18)”, explicou a ASAE. As flores estavam etiquetadas como produto de coleccionismo.

Os problemas da inexistência de uma regulamentação clara para o CBD em Portugal

De acordo com a mesma fonte, inicialmente os fiscais mostraram uma atitude muito tranquila. Mas depois coagiram o proprietário a fazer os rótulos naquele momento, enquanto estavam na loja e ele tinha de lidar com a situação. “Estamos a falar de rótulos de, para aí, 50 coisas. Como o proprietário lhes disse que, naquele momento, não podia, porque estava a tratar das coisas com eles, e faria logo a seguir, então disseram que teriam de os levar”, contou Miguel.

Em relação às flores, que estavam devidamente etiquetadas, “perguntaram infinitas vezes para que serviam… eles sabem, e nós não podemos dizer, é o jogo de ver quem é mais estúpido, e é muito revoltante ter que passar por isto.”

“No fundo, eles fizeram uma interpretação da lei. Viram os produtos que dizem CBD e isso fez-lhes confusão. Disseram que só é permitida a venda de CBD em farmácias, tudo o resto é ilegal”

Entre os outros produtos apreendidos encontravam-se cristais de CBD (100%) porque, “segundo soubemos nesse dia, nenhum produto com CBD pode superar os 20% de concentração”. Além disso, a ASAE apreendeu garrafas de Gin e outros produtos cuja embalagem dizia ter CBD. “Os óleos deixaram porque estavam rotulados como ‘produto para aplicação tópica, não para ingestão’. E os óleos para animais, que são praticamente a mesma coisa, pediram para serem retirados porque poderiam dar contra-ordenação”. Actualmente, não existe qualquer legislação ou regulamento nacional que fale numa limitação do teor de CBD a 20%.

“No fundo”, disse ao CannaReporter a mesma fonte, “eles fizeram uma interpretação da lei. Viram os produtos que dizem CBD e isso fez-lhes confusão. Disseram que só é permitida a venda de CBD em farmácias, tudo o resto é ilegal”.

A indignação dos comerciantes de cânhamo em Portugal

Na composição de alguns produtos apreendidos, como é o caso do Gin, o ingrediente de canábis é “apenas cânhamo” e, de acordo com Miguel, “nada daquilo é feito por nós. O que nós vendemos são produtos altamente comerciais. O CBD que têm é residual”.

Mesmo sendo residual, o facto de terem uma menção a CBD ou a qualquer outro canabinóide é o suficiente para poder dar problemas com a lei. No entanto, no Gin especifica-se que é um produto feito a partir de cânhamo. “Disseram que o Gin estava todo ilegal, mas até a ASAE tem lá fichas do produto que diz que pode ser vendido. Lançaram o comunicado, foi para lá a CMTV e outras televisões… estão a atentar contra quem quer trabalhar e está a tentar criar um negócio.”

“Sinto-me desinformado e desprotegido”

À data da apreensão também faltavam algumas fichas de certos produtos, com a composição dos mesmos e uma etiqueta clara a informar que não seriam para consumo humano – facto que permite contornar a lei, possibilitando a sua comercialização. Esta é uma hipocrisia aceite, que beneficia quem banca o valor das coimas impostas àqueles empresários que têm o azar de receber a visita – aleatória ou após denúncia – das autoridades.

“As pessoas procuram estes produtos porque os beneficios são enormes e isto é o que me faz ganhar força neste negócio: é ver as pessoas a melhorarem a sua qualidade de vida e os animais também”, contou-nos Miguel, desabafando “Sinto-me desinformado e desprotegido”.

Proibição do CBD é ‘inconstitucional’, dizem produtores

A regulamentação sobre o cânhamo industrial tem gerado imensa controvérsia em Portugal, com os produtores e comerciantes do sector a acusar as autoridades de “inconstitucionalidade” e reclamando a utilização da planta inteira. A própria DGAV – Direcção Geral de Alimentação e Veterinária, admitiu ao CannaReporter que o CBD é a sua maior dor de cabeça e o CannaReporter já escreveu e entrevistou extensivamente sobre este tema.

No seguimento de algumas apreensões, o Tribunal de Instrução Criminal português já deu razão a um comerciante, obrigando a Polícia Judiciária a devolver-lhe 40kg de flores de cânhamo. Na altura, o director da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária (PJ), Artur Vaz, disse ao CannaReporter que “foram devolvidos objectos, plantas e substâncias que foram apreendidas e que, segundo aquilo que resulta da decisão judicial, não poderão considerar-se como estupefacientes. E nós cumprimos, naturalmente, com o que foi determinado pelo tribunal”.

Apesar dessa decisão, a ASAE continuou a fazer apreensões do mesmo tipo de produtos, com vários comerciantes a relatar a aleatoriedade com o que o fazem: numas lojas apreendem flores e deixam óleos ou cremes, noutras fazem o contrário, dependendo dos agentes. A falta de uma lei clara não ajuda, a confusão instala-se e não se vislumbra uma solução fácil para este sector.

Há dois anos, a Cannacasa – Associação do Cânhamo Industrial pediu ontem ao Conselho de Ministros a suspensão da Portaria 14/2022, publicada a 5 de Janeiro de 2022, que veio estabelecer novas regras para o cultivo de cânhamo em Portugal, por ser “altamente lesiva para o estabelecimento de uma indústria de cânhamo em Portugal”. Solicitou ainda à Provedora de Justiça e à Procuradoria Geral da República a requisição da apreciação da Portaria pelo Tribunal Constitucional.

Os comerciantes vêem-se obrigados a vender as flores de cânhamo como objectos “destinados a utilização técnica/coleccionismo”, com a indicação “não ingerir”, de forma a contornar a ausência de regulamentação destes produtos em Portugal

A resposta da ASAE

Em resposta ao CannaReporter, Ana Maria Oliveira, Inspectora-Chefe da Unidade Nacional de Operações da Divisão de Informação Pública da ASAE, disse que foram apreendidos “géneros alimentícios que continham canábis e não podem ser vendidos”, acrescentando que a loja foi fiscalizada porque “havia suspeita”.

Perguntámos ainda se a abertura de um processo-crime “por género alimentício anormal falsificado e por adição de substância não autorizada” era justificada neste caso, ao que Inspectora-Chefe nos respondeu que “quando se deteta uma infração do foro criminal, abre-se um processo-crime. Neste caso foi crime, no âmbito do Diploma 28/84. Está tipificado”. No entanto, o mesmo diploma diz que os erros de rotulagem constituem contra-ordenação económica grave (artigo 64º).

Quando questionada sobre a necessidade de apreender mortalhas e filtros, assim como outros produtos aprovados para comercialização e que não continham qualquer substância ilícita, encaminhou-nos para a delegação do Norte, que não respondeu às nossas perguntas até ao momento da publicação deste artigo.

Os prejuízos financeiros para os comerciantes do sector

O rombo que uma apreensão deste tipo pode respresentar para um pequeno comerciante é enorme. Mas, além disso, a abertura de um processo-crime significa inúmeros deveres e diligências, entre os os quais o de se apresentar perante o juiz, o Ministério Público ou a polícia sempre que for convocado, o termo de identidade e residência, com apresentações periódicas, sujeitar-se a todas as diligências de recolha de provas e não mudar de residência ou ausentar-se da mesma durante mais de 5 dias sem comunicar a sua nova localização. E claro, um registo no cadastro criminal para o arguido. Depois terá de fazer frente a todas as custas e despesas que o processo implica.

No caso da Kings Yard, e tendo em conta que as irregularidades se prendiam maioritariamente com uma rotulagem insuficiente, resta questionar se a actuação das autoridades poderia ter sido diferente. Apreender produtos que não apresentam qualquer perigo para a saúde pública, apenas por não terem etiquetas em portugês (e no caso das mortalhas, segundo a prática comum, a mesma estaria limitada à caixa e não a cada embalagem) não parece justificável. Em muitos países europeus, as autoridades fiscalizadoras dão um aviso prévio aos comerciantes para a correcção das falhas e conferem o cumprimento das medidas apontadas com uma nova visita passado algum tempo. Isto permite aos empresários e empreendedores corrigir os erros e continuar a fazer o seu negócio de uma forma saudável e sem representar custos administrativos para o país e abertura de  processos em tribunal.

A falta de uma regulamentação clara e o desconhecimento das substâncias ou o facto de se ignorar que cânhamo e canábis são coisas diferentes – dado que a folha é comum e a imagem da mesma nas embalagens pode induzir em erro – também dificulta bastante as coisas quando se trata de produtos à base de cânhamo/canábis. E neste tipo de casos, mesmo quando os empresários justificam a composição dos seus produtos com fichas técnicas ou certificados de produção, é a decisão dos fiscais em campo que prevalece. Caso se venha a provar que afinal o comerciante tinha razão, como já conteceu anteriormente, terão passado anos, os produtos estarão fora do prazo de validade e o empresário terá gasto muitos milhares de euros na sua defesa em tribunal.

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Laura é actualmente Editora do CannaReporter e da CannaZine, além de fundadora e directora de programa da PTMC - Portugal Medical Cannabis. Realizou o documentário “Pacientes” e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

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