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Cânhamo

CBD… What the FAQ? — Tudo o que precisa de saber sobre Canabidiol

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Está em milhares de produtos. É apresentado como a nova panaceia para quase todas as maleitas e embora pareça que é legal comercializá-lo, não é bem assim. O que é, afinal, o Canabidiol (CBD), para que é recomendado e qual o quadro legal deste canabinóide em Portugal? Estas são algumas das perguntas que vamos responder neste guia de FAQs.

O que é o CBD?
O CBD, ou Canabidiol, é uma molécula encontrada nas plantas da família das canabináceas (em latim cannabaceae) e um  dos mais de cem canabinóides encontrados na Cannabis sativa. O CBD distingue-se dos outros canabinoides por ser “um dos compostos activos mais prevalentes na canábis”, de acordo com o Harvard Health Publishing. Encontra-se em todas as variedades da planta, mesmo naquelas que, por não terem tetrahidrocanabinol (THC), se identificam como cânhamo – de onde é, maioritariamente, extraído. 

Pode deixar-te ‘pedrado’?
O CBD não tem efeitos psicotrópicos, ou seja, não dá ‘moca’.

Tem efeitos secundários?
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) “no seu estado puro, o canabidiol parece não ter potencial para causar dependência ou efeitos adversos”. A mesma organização refere ainda que “o CBD natural é seguro e bem tolerado em humanos (e animais) e não está associado a nenhum efeito negativo na saúde pública”. No entanto, quando consumido em excesso pode provocar náuseas, fadiga e diarreia. Também pode ter algumas interacções medicamentosas – quem toma anticoagulantes sanguíneos, por exemplo, deverá dar conhecimento ao seu médico, de modo a que ele possa acompanhar o tratamento.Outra interacção medicamentosa que já está documentada é com o Clobazam, um anti-epiléptico, que pode ver o seu efeito potenciado pelo canabidiol. O CBD é processado pelas mesmas enzimas que decompõem estes medicamentos no fígado, podendo diminuir ou potenciar o efeito dos mesmos e, em doses elevadas, alterar os valores das análises clínicas. 

Como é extraído?
Há vários métodos de extracção do óleo, sendo que o mais eficaz para conservar a molécula intacta e a qualidade do CBD é com Dióxido de Carbono (CO2), numa máquina de ciclo fechado. Há outros métodos, como a pressão a frio ou por infusão em solventes naturais como o azeite e o óleo de coco, ou em sintéticos como o etanol, sendo o mais seguro o etanol de grau alimentar. As flores da planta deverão ser descarboxiladas antes (retirado o CO2, ao atingir uma temperatura de pelo menos 73ºC), de modo a que o CBDA (ácido canabidiólico, ou CBD na forma ácida, que está presente na planta fresca ou crua) se transforme em CBD. Isto faz-se submetendo-o a uma temperatura moderada e constante, entre 90ºC e 148 ºC, dependendo do tempo e da fonte de calor. Isto faz-se de forma a preservar e ‘activar’ não só os canabinóides, mas também os terpenos (os componentes responsáveis pelos aromas). Quanto mais suave a temperatura e mais lento o processo, menor a perda das substâncias voláteis, logo, melhores os resultados.

Quais os usos e benefícios?
O CBD é um canabinóide com múltiplos usos e benefícios, já comprovados em inúmeros estudos e ensaios clínicos. As conclusões científicas mais sólidas indicam que o óleo de CBD é altamente eficaz no controlo das convulsões e dos espasmos de algumas epilepsias refractárias, como as síndromes de Dravet ou de Lennox-Gastaut. No entanto, outros estudos pré-clínicos e evidência anedótica revelam também a sua eficácia em várias outras formas de epilepsia. Também há estudos pré-clínicos que evidenciam que o CBD é benéfico no alívio de dores musculares e nas articulações, uma vez que actua como um anti-inflamatório.

De acordo com um relatório preliminar, publicado pela OMS em 2017, há também evidências de que o CBD pode ter “efeitos terapêuticos benéficos” para o tratamento da doença de Alzheimer, cancro, esclerose múltipla, doença de Parkinson, doença de Huntington, artrite reumatóide, ansiedade, depressão, esquizofrenia, psicose e complicações associadas à diabetes, entre outras condições e patologias. Por outro lado, tem-se verificado ainda que o CBD pode mitigar os efeitos do THC, contrabalançando os seus efeitos psicotrópicos. 

O CBD também pode ser usado como suplemento alimentar sem grande risco – e mesmo sem acompanhamento médico – por pessoas que sejam em geral saudáveis e que sofram de dor crónica, insónias, ansiedade ou problemas dermatológicos, entre outros.

É precisamente devido às suas inúmeras propriedades e usos que a questão do CBD é, de facto, complexa.

Como se deve tomar CBD?
O CBD pode ser consumido de diversas formas. A mais recomendável é a sublingual (aplicando as gotas do extracto sob a língua), de modo a entrar directamente no fluxo sanguíneo, através das veias que existem nesta área da boca. A absorção da molécula no estômago (engolindo-as) pode diminuir o seu efeito, já que será essencialmente processado pelo fígado. Para dores musculares ou articulares, porém, recomenda-se também a aplicação tópica de um óleo com infusão de CBD, cremes ou loções. O CBD pode ser ainda aplicado em emplastros, consumido em forma de tinturas ou vaporizado com dispositivos apropriados, (vaporizadores ou canetas) tanto para flores como para óleos. Além disso, pode ser também vaporizado. A forma fumada não é aconselhada, principalmente no caso de pacientes, pois o fumo tem efeitos nefastos nos pulmões. Utilizações mais recentes incluem também supositórios (se bem que a maior parte dos médicos e investigadores questiona a pouca biodisponibilidade do ambiente intestinal, que pode levar um efeito muito reduzido) e óvulos vaginais para indicações como dores menstruais, endometriose, vaginite e secura vaginal, entre outras condições femininas.

Qual a dose indicada?
Uma máxima da comunidade médica que receita canabinóides é “start low, go slow”, isto é, começar com uma dose mínima e ir aumentando essa dose lenta e progressivamente, durante pelo menos 8 a 10 semanas. Não há fórmulas definitivas, pois tudo depende de cada caso. As doses devem ser determinadas de acordo com a altura, peso, idade da pessoa, bem como com outra medicação usada. Também é necessário ter em conta a percentagem de CBD no óleo ou preparado que se vai tomar. Quanto maior o peso, maior a dose; quanto maior a percentagem de CBD, menor a dose e a frequência da toma. Se nunca tomou CBD, é aconselhável ter acompanhamento médico.

E no caso das crianças, ou pacientes pediátricos?
De acordo com a Pediatra norte-americana Bonni Goldstein, que tem cerca de 15 anos de experiência a tratar crianças com canabinoides “em geral, para a epilepsia pediátrica, começamos com cerca de um miligrama (mg) de CBD por quilo (kg) por dia, dividido em duas doses. Então, pegando no peso do paciente, multiplica-se 1mg por cada kg e acabamos com um valor por dia. Por exemplo, uma criança de 25 kg vai começar com 25 x 1mg por dia, o que equivale a 25mg por dia, divididos em duas tomas, uma de manhã e outra ao fim do dia. Fazemos isso durante duas semanas e depois aumentamos para 2mg por kg por dia, e depois 3mg por kg por dia e por aí fora, durante pelo menos 10 semanas ou até se sentirem melhorias ou se encontrar a dose ideal”.

Que indicações terapêuticas estão aprovadas em Portugal para a canábis, incluindo o CBD?
Na Deliberação N.º 11/CD/2019, o Infarmed apresentou uma lista das indicações terapêuticas consideradas apropriadas para as preparações e substâncias à base da planta da canábis:

  1. a) Espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula;
  2. b) Náuseas, vómitos (resultante da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para hepatite C);
  3. c) Estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA;
  4. d) Dor crónica (associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso, como por exemplo na dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémio ou após herpes zoster);
  5. e) Síndrome de Gilles de la Tourette;
  6. f) Epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, tais como as síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut;
  7. g) Glaucoma resistente à terapêutica.

O que é o CBD full spectrum (ou espectro completo)?
Ao contrário dos óleos que têm apenas o CBD isolado ou purificado, os óleos full spectrum contêm todos as outras substâncias presentes na planta da qual foram extraídos, incluindo outros canabinóides, terpenos, flavonóides e ácidos gordos essenciais. Isto permite que o paciente beneficie do ‘efeito entourage’, ou seja, de todas as propriedades terapêuticas que outros componentes da planta possam ter, estendendo o seu potencial terapêutico a outros sintomas como a ansiedade, a depressão, a insónia, etc. 

Qual a diferença entre óleo de sementes e extracto?
Os termos confundem-se, até porque quando falamos de CBD falamos de ‘extracção’. É preciso diferenciar claramente o óleo das sementes de cânhamo (que não tem canabinóides) dos extractos de CBD, que também se podem apresentar na forma de óleos, e que são obtidos através de uma extracção a partir das flores da planta desenvolvida, quer seja do cânhamo (planta com baixo teor de THC) ou de outras variedades de canábis.

Mas, afinal, o CBD é legal ou não?
Em Portugal, o CBD para uso alimentar e cosmético não está claramente regulamentado caindo no que se chama uma ‘zona cinzenta’. O Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde I.P. insiste que o CBD é proibido em cosméticos, tendo já retirado vários produtos do mercado.

Por seu lado, a DGAV – Direcção Geral de Alimentação e Veterinária, reitera que o CBD não pode ser usado em suplementos alimentares por ser um novo alimento (novel food) ainda não-autorizado no nosso país. Quanto ao cânhamo, cuja flores contêm CBD, a DGAV refere que esta cultura apenas pode ser autorizada para produzir fibras e sementes.

Portaria 14/2022, de 5 de Janeiro, que procedeu à primeira alteração à Portaria n.º 83/2021, de 15 de abril, definiu os requisitos para a instrução dos pedidos e procedimentos relativos à concessão de autorizações para o exercício das atividades relacionadas com o cultivo, fabrico, comércio por grosso, transporte, circulação, importação e exportação de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis, tanto para fins medicinais como para fins industriais.

A Portaria 14/2022 fez ainda um Aditamento à Portaria n.o 83/2021, de 15 de abril, nomeadamente o Artigo 3-A, cujo nº.2 estabeleceu que “não é permitido o transporte para fora da exploração agrícola das sumidades floridas contendo ou não a semente”.

No entanto, e baseando-se nas directivas europeia, os agricultores e comerciantes do cânhamo industrial em Portugal reivindicam a utilização de toda a planta do cânhamo, incluindo as flores contendo CBD, por não ser considerado um estupefaciente. Com efeito, o Tribunal de Instrução Criminal já deu razão a um comerciante, obrigando a Polícia Judiciária a devolver-lhe 40kg de flores de cânhamo. Apesar disso, as autoridades, nomeadamente a ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, continuam a apreender produtos que contêm CBD por todo o país.

Assim, a situação do CBD, tanto em Portugal como noutros países, continua a gerar muita controvérsia.

A questão é que o CBD não é considerado uma “substância”, mas sim um “ingrediente” e, portanto, não faz parte da lista de substâncias controladas incluídas nas tabelas da Convenção Internacional de 1961 das Nações Unidas e sucessivas actualizações.

Mas, para entender a situação do CBD, é preciso explicar a situação legal da canábis em geral. Em Dezembro de 2020, por recomendação da OMS, a Comissão de Drogas das Nações Unidas votou a retirada da canábis da tabela IV de substâncias proibidas pela Convenção de 1961, passando-a para a tabela I (substâncias menos perigosas). A OMS não considera que a canábis apresente o mesmo nível de risco para a saúde que a maior parte das outras substâncias mas, mesmo assim, não recomendou a retirada total da canábis das tabelas.

Na votação, foram rejeitadas as propostas de passar o dronabinol – uma forma sintética de delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) – e seus derivados para a Tabela I, retirando-os da Tabela II, assim como a de retirar da Tabela I os extractos e as tinturas de canábis. 

Quanto à proposta da OMS de acrescentar uma nota de rodapé na Tabela I, indicando que “as preparações contendo predominantemente canabidiol e não mais que 0,2% de delta-9-tetrahydrocannabinol (Δ 9 -THC) não estão sob controlo internacional”, dadas as provas da sua eficácia, tanto natural como sintético, em alguns tipos de epilepsia infantil resistente à medicação, a mesma foi rejeitada por 46 membros, contra 6 a favor e 4 abstenções.

A Razão? Para alguns estados-membros seria difícil controlar se a percentagem de THC contida nos produtos cumpria a legislação e se o mesmo não ia ser reclassificado, por isso seria incongruente aceitá-lo neste caso, por razões de saúde pública. 

Ao ser classificado como uma “novel food”, o CBD ainda não está aprovado no âmbito da normativa dos novos alimentos para poder ser considerado 100% legal. E é nisso que a lei portuguesa a as autoridades (DGAV, ASAE, Infarmed e demais autoridades nacionais) se baseiam para banir o CBD no nosso país.

Então e os produtos com CBD que existem à venda em Portugal, são legais ou não?
Depende. Alguns são, porque têm na etiqueta ou na embalagem uma nota que refere “Apenas para Investigação”, “Objecto decorativo”, “Coleccionismo”, “Não ingerir”, “Não apto para consumo humano” ou “Souvenir”. Assim sendo, a sua legalidade acaba por ser aleatória, ficando um pouco ao critério dos agentes que fiscalizam as lojas, muitos dos quais sem formação adequada neste sector.

Além disso, para determinar a legalidade de um produto seria também preciso avaliar o uso que os consumidores irão dar e qual a origem do CBD que integra os produtos, entre outras coisas. Este é um assunto polémico, que está a gerar grande desentendimento entre os produtores e comerciantes de cânhamo industrial (para quem as flores ou a extracção de CBD é uma das áreas de negócio mais rentáveis e interessantes) e as autoridades.

Mas, pelo menos em Portugal, o CBD para uso alimentar e/ou cosmético não está regulamentado, não existindo legislação que o proíba ou autorize.

Posso importar ou mandar vir CBD de fora de Portugal?
É possível, mas teoricamente não é legal. 

Mas porquê tanta confusão?
Porque há quem discuta a pertinência desta semi-proibição do CBD, que mantêm a substância numa espécie de zona cinzenta. No caso de quem tem doenças complicadas ou raras, ter acesso a produtos de canábis de “grau medicinal” é mesmo fundamental. Em todos os outros casos, porém, as pessoas também têm o direito de usar os óleos ou os comestíveis de CBD com certificados de qualidade, como um suplemento ou como quem compra uma pomada para dor muscular ou umas vitaminas em qualquer parafarmácia. E, mais uma vez, sem risco de maior, tendo em conta a evidência do mundo real do uso de CBD nos sítios onde é legal, e mesmo nos que não é. Ou seja, para estes casos, um CBD de “grau terapêutico” (termo que não existe, mas talvez pudesse vir a existir), ou CBD como um suplemento, seria suficiente.

E em relação aos cosméticos com CBD?
Num comunicado publicado em Fevereiro de 2022, o Infarmed esclareceu que o CBD extraído da “canábis para fins industriais” (cânhamo) é proibido e não pode ser usado em cosméticos. Na mesma circular informativa, pode ler-se que “a canábis é classificada no território nacional como estupefaciente, encontrando-se incluída na tabela I-C, anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na sua actual redacção. No âmbito deste enquadramento, é proibida a utilização da planta canábis para outros fins que não medicinais, à excepção da utilização de fibras (caules) e sementes de variedades com baixo teor de THC de canábis para fins industriais (cânhamo)”.

Mas aqui voltamos ao início: o CBD não consta das tabelas e não é uma “substância”, mas um “ingrediente”. 

Todavia, tendo em conta estas últimas tendências proibicionistas em relação à extracção de CBD do cânhamo para os seus diversos usos (excluindo o medicinal), a legalidade de muitos desses produtos, dos produtores e também dos comerciantes, fica na corda bamba. A autoridade do medicamento, Infarmed, bem como a DGAV, estão a apertar o cerco aos produtores de cânhamo – limitando as autorizações para produção de flores apenas às empresas de canábis medicinal e dificultando ainda mais a vida a quem recorre ao CBD derivado do cânhamo para fins terapêuticos.

E no entanto…
No parecer final do Tribunal Central de Instrução Criminal, num caso que teve lugar há cerca de cinco anos em Portugal, alegava-se que a proibição do CBD no nosso país viola o disposto nos artsº 34 e 36 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que proíbem “as restrições quantitativas” à importação e à exportação entre os Estados-Membros “bem como todas as medidas de efeito equivalente”. O documento também determina que estas disposições “são aplicáveis sem prejuízo das proibições ou restrições à importação, exportação ou trânsito justificadas por razões de moralidade pública, ordem pública e segurança pública; de proteção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas (…)”, concluindo que “todavia, tais proibições ou restrições não devem constituir nem um meio de discriminação arbitrária nem qualquer restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-Membros.”

E no resto da Europa?
A discussão sobre a pertinência da semi-proibição do CBD e o contrasenso que as diferentes legislações nacionais criam a nível Europeu já foi levada a tribunal. E criou jurisprudência.

Em 2020, o Tribunal de Justiça Europeu determinou, no já famoso caso Kanavape, que “um Estado-Membro não pode proibir a comercialização de Canabidiol (CBD) legalmente produzido noutro Estado-Membro quando este é extraído da planta Cannabis sativa na sua totalidade”.

Resumidamente, um tribunal francês decidiu que a Kanavape, marca nacional que vendia vaporizadores com um extracto de CBD, estava a incorrer numa ilegalidade. O arguido – Sébastien Béguerie – recorreu ao Tribunal de Justiça Europeu (caso C-663/18), o qual determinou que, sendo que o CBD não é considerada uma droga à luz da Convenção Única, não havia razões para sustentar que o CBD extraído da planta seja uma substância controlada (ao invés do CBD sintético), que o CBD era produzido na República Checa, onde é legal, e tendo em conta a livre circulação de bens dentro da UE, não havia factos consistentes para alegar que aquele empresário estaria a incorrer numa actividade ilegal.

Há aqui várias palavras chave: “legalmente produzido”, “fins medicinais” e “substância controlada”. Na mesma altura, a Comissão Europeia emitiu uma declaração, em resposta a um pedido da Associação Europeia de Cânhamo Industrial (EIHA) para que o CBD fosse autorizado como “novel food” (novo alimento), em que considerava que o canabidiol derivado do cânhamo não é considerado um narcótico e não deve ser regulamentado como tal, podendo assim ser classificado como alimento.

Num esclarecimento sobre o estatuto legal do CBD feito por Stella Kyriakides, porta-voz da  Comissão Europeia, explica-se que, tendo em conta que o CBD ou os produtos que o contêm também podem ser considerados medicamentos, apenas poderá ser aceite como alimento no âmbito do Regulamento da UE 2015/2283 relativo às “novel foods”, desde que cumpram as condições determinadas no Artº 2 do Regulamento 178/2002 e o produto em questão seja aprovado como tal pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA). Ou seja, têm de ser “estudados caso a caso, para determinar se um produto se qualifica como produto medicinal ou como género alimentício”.

Em Portugal, aplica-se a legislação europeia e a venda não autorizada está sujeita a regime de um contra-ordenação.

No seguimento da resolução do caso Kannavape, em 2020, o Tribunal de Justiça Europeu publicou um parecer em que determinava que o canabidiol (CBD) extraído da planta da canábis não devia ser considerado uma droga de acordo com a Convenção Única de 1961 (na qual se definiram as listas de substâncias proibidas).

No artigo publicado no CannaReporter, em Novembro de 2020, explicou-se que, neste caso, “são aplicáveis ​​as disposições relativas à livre circulação de mercadorias no interior da União Europeia, uma vez que o CBD em causa não pode ser considerado um ‘estupefaciente’.

Em declarações ao CannaReporter, o Gabinete de Canábis Medicinal do Infarmed esclareceu, no entanto, que “a utilização do CBD ou de qualquer substância derivada de canábis para fins medicinais requer autorização do Infarmed. O estatuto do CBD enquanto substância controlada decorre das Convenções das Nações Unidas, ratificadas pelo Estado Português.”

Este caso foi um marco para quem trabalha com canábis e com cânhamo. Mas mesmo assim, desde então, nada mudou.

A questão semântica
Para encerrar o assunto e esclarecer de vez qualquer confusão possível, vamos só recapitular e explicar uma coisa que para alguns é o bé-a-bá da canábis, mas que muita gente ainda não sabe. E aproveitamos para abrir um debate que nos parece pertinente:

As plantas de canábis e de cânhamo são ambas da espécie Cannabis sativa L..

Existem três variedades reconhecidas e comumente aceites de Cannabis Sativa L.: Índica, Sativa e Ruderalis, as quais, por sua vez, deram lugar a milhares de variedades (ou strains) graças aos inúmeros cruzamentos que foram sendo feitos ao longo dos anos. Tradicionalmente, a variedade Ruderalis é uma planta mais longa e menos frondosa, com tendência a produzir flores pequenas e pouco ricas em canabinóides, cultivada para a obtenção de fibra ou para outros fins industriais – sementes, têxteis, biocombustíveis, papel, bioplásticos, diluentes, etc.. Isto é, para cânhamo e derivados.

As Índicas e as Sativas são tradicionalmente cultivadas para fins medicinais, recreativos, cerimoniais, etc., já que é sobretudo nestas duas variedades que as plantas fêmeas não-polinizadas secretam, nas suas flores, umas glândulas de resina que se chamam “tricomas”, onde se encontram os valiosos canabinóides, os terpenos e os flavonoides.

Mas… (já sabem, na canábis tem sempre de haver sempre um “mas”) hoje em dia, as plantas usadas para o cultivo de cânhamo industrial não são necessariamente as da variedade Ruderalis. Há variedades híbridas, criadas a partir de combinações com Índicas e Sativas, que podem ser consideradas cânhamo e usadas para fins industriais, desde que cumpram os seguintes requisitos, de acordo com a lei portuguesa:

Cânhamo são aquelas plantas de Cannabis sativa L. que produzem flores não-polinizadas com menos de 0,3% de THC.

Canábis são aquelas plantas de Cannabis sativa L. com mais de 0,3% de THC e, portanto, passíveis de provocar efeitos psicotrópicos.

E é aqui que a porca torce o rabo… porque as plantas de cânhamo, porém, podem produzir outros canabinóides, como o CBD (canabidiol). Todavia, em Portugal os produtores de cânhamo não podem usar as flores, devem tratá-las como desperdício ou resíduos e não podem sair da unidade de produção.

Portanto, coloca-se aqui uma questão semântica que nos parece ser um assunto importante e a ser discutido: Deveria usar-se apenas o termo cânhamo para denominar e etiquetar qualquer produto ou derivado da planta da canábis com menos de 0,3% de THC? Ou deve mesmo usar-se o nome taxonómico da família botânica Cannabis sativa L. em qualquer produto de canábis, mesmo que seja cânhamo? (tal como refere a Portaria 14/2022)

Seria pertinente definir e regular a forma como se aplicam estes dois termos? Poderia isto acabar com alguns problemas e confusões recorrentes e facilitar a vida às autoridades e aos produtores?

Sabemos que há defensores e detractores de ambos os lados. Ricardo, nome fictício de um dos donos de uma loja de CBD que foi alvo de uma fiscalização apertada da ASAE, defende que sim, que uma distinção clara poderia fazer sentido. “As palavras têm significado e a questão aqui é educar. Mas para educarmos as pessoas, elas têm que querer aprender”, desabafou. Outras pessoas, como a Engenheira Paula Cruz Garcia, sub-diretora da DGAV, preferem continuar a usar o nome da planta Cannabis sativa L., mesmo quando se trata de cânhamo.

Sabemos que será sempre difícil chegar a uma opinião unânime, mas fica lançado o debate, apesar de a solução ainda não ter fim à vista.

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Este artigo foi originalmente publicado na Edição #5 da Cannadouro Magazine

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Margarita é colaboradora permanente do CannaReporter desde a sua criação, em 2017, tendo antes colaborado com outros meios de comunicação especializados em canábis, como a revista Cáñamo (Espanha), a CannaDouro Magazine (Portugal) ou a Cannapress. Fez parte da equipa original da edição da Cânhamo portuguesa, no início dos anos 2000, e da organização da Marcha Global da Marijuana em Portugal entre 2007 e 2009.

Recentemente, publicou o livro “Canábis | Maldita e Maravilhosa” (Ed. Oficina do Livro / LeYA, 2024), dedicado a difundir a história da planta, a sua relação ancestral com o Ser Humano como matéria prima, enteógeno e droga recreativa, assim como o potencial infinito que ela guarda em termos medicinais, industriais e ambientais.

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