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Entrevistas

Ethan Russo: “Devido à proibição, há pessoas a morrer pela exposição a canabinóides sintéticos perigosos”

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Os canabinóides sintéticos estão facilmente acessíveis em vários locais do mundo, incluindo Portugal, apesar de serem potencialmente perigosos e de vários países já os terem banido, como o Canadá, Estados Unidos da América, República Checa, Reino Unido, Austrália ou Nova Zelândia, entre outros. De acordo com Ethan Russo, um dos mais experientes médicos e investigadores do mundo e uma referência na área da canábis medicinal, com formação em neurologia e psicofarmacologia, os canabinóides sintéticos são “10 a 100 vezes mais potentes que o THC” e podem causar danos irreversíveis na saúde e mesmo causar a morte.

Mas como actuam os canabinóides sintéticos no corpo humano e por que podem ser tão perigosos? Falámos com Ethan Russo sobre este tema duas vezes, uma através do Zoom e outra no mês passado, por ocasião do 34º Simpósio do International Cannabinoid Research Society (ICRS), em Salamanca, para tentar perceber melhor o mecanismo de acção dos canabinóides sintéticos e compreender a sua toxicidade.

Ethan, já houve vários casos relatados nos Estados Unidos e em 2022 um artigo da BBC informou que uma mulher tinha morrido no Reino Unido depois de comer uma goma que continha canabinóides sintéticos. Como é que isto pode acontecer?
Bem, em primeiro lugar, os canabinóides sintéticos que têm estado disponíveis são, de um modo geral, o que eu chamo de agonistas completos do receptor CB1, em contraste com o THC. O THC é o que se chama um agonista parcial fraco. Agora, deixe-me explicar o que acabei de dizer: se pensarmos nos receptores como fechaduras e na substância como a chave, queremos um bom ajuste. Com o THC, esta é uma ligação fraca. E é assim que a natureza funciona. O THC é como a anandamida, que também é um agonista parcial fraco, enquanto que estes canabinóides sintéticos se ligam de modo extremamente forte [aos receptores] e por isso são o que eu chamo de agonistas totais. Muitas vezes podem ser 10 a 100 vezes mais potentes que o THC. Portanto, desde logo, isto é demasiado. Tal como um excesso de THC produz paranóia, ansiedade, ritmo cardíaco acelerado, estes são muito piores, porque não só afectam o receptor CB1, como também têm frequentemente aquilo a que se chama efeitos “fora do alvo”.  Alguns destes canabinóides sintéticos podem ser directamente tóxicos para o coração, o fígado ou os rins. Portanto, é lamentável que uma mulher tenha morrido, mas já houve outras mortes causadas por canabinóides sintéticos.

“A principal razão pela qual as pessoas os usam [os canabinóides sintéticos] é porque não aparecem nos testes de despistagem de drogas, mas eles não são controlados e são, geralmente, muito perigosos”

Se são tão perigosos, porque é que estão tão disponíveis?
Bem, o facto de estas coisas estarem a ser fabricadas é um subproduto da proibição. A maior parte destas substâncias não aparece nas análises à urina. Por isso, sobretudo nos Estados Unidos, onde ainda se faz uma triagem de emprego através de uma despistagem com amostra de urina para provar que não se consumiu canábis, as pessoas podem consumir este tipo de substância e ela não acusa. Mas devido à proibição, há pessoas a morrer pela exposição a canabinóides sintéticos perigosos. Por isso, na verdade, eles não deviam existir e a necessidade está a ser perpetuada pelas leis e apenas pelas leis.

Mas o que é que acontece exactamente no nosso cérebro e no nosso corpo quando tomamos canabinóides sintéticos, ao ponto de nos poderem matar?
Bem, haverá uma “moca”, que será qualitativamente diferente do que acontece com a canábis. Não é como a canábis. Nenhum destes sintéticos terá os outros canabinóides, como o canabidiol ou o canabigerol, que realmente modulam os efeitos do THC, e também não terão os terpenóides, que também podem criar uma experiência mais agradável. Por isso, muitas vezes, mesmo que não envenenem o fígado, os rins ou o coração com estas substâncias, as pessoas podem ter uma experiência muito difícil, porque ela tende a durar muito tempo. Excepcionalmente, houve pessoas que ficaram intoxicadas durante 24 horas ou mais e tiveram uma recuperação muito lenta. As pessoas não deviam ser expostas a este tipo de drogas, a coisas que não existem na natureza. Mas isso aponta para outro problema: a indústria farmacêutica está habituada a criar, sinteticamente, moléculas que se vão ligar a esses receptores o mais firmemente possível e com a maior potência possível. Bem, a potência soa bem, mas não é forçosamente necessária. O que quero dizer é que se usa menos quantidade para obter um determinado efeito. Mas, como disse anteriormente, o efeito é demasiado forte com estes canabinóides sintéticos. Mas as empresas farmacêuticas gostam dos sintéticos, porque têm a clara possibilidade de os patentear. Criaram algo que não existia na natureza e que, por isso, pode ser protegido. Em contrapartida, a canábis é mais difícil. Não se pode patentear a planta. É possível patentear determinados extractos para determinados fins, mas é um processo muito moroso e está mais sujeito a ser copiado por outras pessoas. Por isso, as empresas não gostam dessa abordagem. Mas, mais uma vez, a minha forte inclinação é que nenhum dos sintéticos, nenhuma molécula isolada, vai igualar o que um extracto de canábis devidamente constituído pode fazer.

“Estes produtos existem por causa da proibição, por causa do lucro de quem os fabrica, e muitas destas coisas vêm da China. Não há controlo de qualidade envolvido. O problema é que, se os tornarmos ilegais, as pessoas vão usá-los na mesma”

Como é que se permite que produtos como as gomas com canabinóides sintéticos estejam tão facilmente acessíveis ao público, incluindo aos jovens?
O que eu posso dizer é que as pessoas não devem usá-los. No entanto, repito, estes produtos existem por causa da proibição, por causa do lucro de quem os fabrica, e muitas destas coisas vêm da China. Não há controlo de qualidade envolvido. O problema é que, se os tornarmos ilegais, as pessoas vão usá-los na mesma. A proibição não funciona. Tivemos, efectivamente, uma situação com o Delta-8 THC nos Estados Unidos. Algumas pessoas acreditam que o material produzido sinteticamente, transformando o CBD em Delta-8 THC, é legal. Pessoalmente, não acredito que seja ou deva ser legal. Mas se o tornarmos ilegal, as pessoas continuarão a consumi-lo. Se, por outro lado, dissermos apenas que as pessoas não o devem fazer, que os estados onde está disponível não devem encorajar a sua utilização nem o colocar nas prateleiras das lojas por ele aprovadas, isso é diferente de dizer que é ilegal. Nenhum estado deveria estar a promover o uso destas substâncias, porque o Delta-8 que é feito sinteticamente tem sempre contaminantes, outros canabinóides ou outras substâncias, e é feito com solventes que não podem, necessariamente, ser purgados inteiramente do material. Mas, mais uma vez, creio que não haveria comércio deste Delta-8 sintético se a canábis fosse legal e regulamentada.

Consumir canabinóides sintéticos, então, é uma má ideia, na sua opinião?
Qual é a necessidade? (risos). Mais uma vez, por que é que existem canabinóides sintéticos? São um subproduto da proibição e a principal razão pela qual as pessoas os usam é porque não aparecem nos testes de despistagem de drogas. Mas estes não são controlados e são, geralmente, muito perigosos. O THC, sendo um agonista parcial fraco do receptor CB1, liga-se ao receptor, mas é um pequeno toque, não um grande empurrão. Em comparação, os canabinóides sintéticos tendem a ser agonistas totais e são extremamente potentes no receptor. Isso não é necessário e não é bom. Além disso, têm muitos efeitos “fora do alvo” que podem não ter nada a ver com o receptor CB1. Assim, estes fármacos têm sido associados a danos cardíacos, danos renais e a algumas mortes. São simplesmente perigosos, desnecessários, e penso que essa indústria iria definhar e morrer se a canábis fosse legalizada e disponibilizada de forma regulamentada.

Em conclusão, é possível morrer com canabinóides sintéticos?
Sim.

Como?
Danos nos rins. Danos no coração.

E são danos imediatos ou acontecem posteriormente?
Pode ser uma ou as duas coisas. Não me parece que se use uma vez e se morra. Pode acontecer, mas o mais comum é que as pessoas que querem e usam estas substâncias o façam de forma crónica.

E o perigo está apenas no THC sintético ou o CBD sintético também pode ser perigoso?
Bem, não sei bem porque é que alguém há-de fabricar THC sintético, para além da levedura. Actualmente, existe uma grande indústria de bio-engenharia de leveduras e bactérias E. Coli para produzir canabinóides. E a ciência é fascinante. Não sou um ludita, que não acredita no progresso científico, mas, reforço, nunca se poderá igualar o que a planta pode fazer em grande escala. É possível ensinar a levedura a produzir moléculas simples, mas, para mim, isso não é entusiasmante. E, em última análise, eles acham que pode ser ampliado e ser mais barato. Também não tenho a certeza de que isso venha a revelar-se verdade.

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação do XXI Governo Português. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e coordenadora da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” em 2018 e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

Margarita é colaboradora permanente do CannaReporter desde a sua criação, em 2017, tendo antes colaborado com outros meios de comunicação especializados em canábis, como a revista Cáñamo (Espanha), a CannaDouro Magazine (Portugal) ou a Cannapress. Fez parte da equipa original da edição da Cânhamo portuguesa, no início dos anos 2000, e da organização da Marcha Global da Marijuana em Portugal entre 2007 e 2009.

Recentemente, publicou o livro “Canábis | Maldita e Maravilhosa” (Ed. Oficina do Livro / LeYA, 2024), dedicado a difundir a história da planta, a sua relação ancestral com o Ser Humano como matéria prima, enteógeno e droga recreativa, assim como o potencial infinito que ela guarda em termos medicinais, industriais e ambientais.

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