Entrevistas
Alex Mabou Tagne: “As pessoas com doença falciforme recorrem a terapias alternativas para lidar com a sua patologia e uma das opções é a canábis”
O investigador da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, Irvine, Alex Mabou Tagne, levou a cabo um estudo pré-clínico sobre o potencial do Delta 9 Tetrahidrocanabinol (THC) na anemia falciforme, com resultados promissores. Em co-autoria com o seu professor e renomeado investigador Daniele Piomelli, o artigo foi apresentado este ano no 34º Simpósio do ICRS (International Cannabinoid Research Society), em Salamanca, Espanha.
Farmacêutico licenciado pela Universidade de Camerino, em Itália, e doutorado em Medicina Clínica e Experimental pela Universidade de Insubria (Itália), Mabou Tagne nasceu nos Camarões e é actualmente pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Irvine, onde conduz investigações sobre os efeitos farmacológicos de compostos naturais em distúrbios inflamatórios e metabólicos.
Alex publicou vários artigos revistos por pares, incluindo o Journal of Ethnopharmacology e o Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics, e recebeu o Rosalind Franklin Awards in Science 2021 pelo seu trabalho.
No seu estudo mais recente, Mabou Tagne debruçou-se sobre a anemia falciforme, uma doença que afecta uma percentagem considerável dos habitantes do seu país natal, os Camarões. As pessoas com doença falciforme apresentam frequentemente dor crónica, bem como episódios imprevisíveis de dor aguda, o que afecta significativamente a sua qualidade e esperança de vida. As estratégias de tratamento actuais para a dor associada à anemia falciforme baseiam-se principalmente nos analgésicos opióides, que têm uma eficácia limitada e causam efeitos adversos graves. A canábis surgiu como uma potencial alternativa, mas a sua eficácia permanece incerta.
Falámos com Alex Mabou Tagne para perceber melhor as conclusões do estudo e a motivação que esteve por trás do seu desenvolvimento.
Esteve no 34º Simpósio do ICRS a apresentar um trabalho sobre a anemia falciforme. Como é que se interessou por este assunto?
Sou natural dos Camarões, onde a anemia falciforme é um grande problema. Cerca de 20% da população dos Camarões vive com a doença, o que corresponde a 400.000 pessoas. Ao longo da minha vida conheci, em primeira mão, várias pessoas com anemia falciforme e o seu sofrimento fez-me pensar na possibilidade de as ajudar através da minha investigação. Foi por isso que, quando entrei no pós-doutoramento na Universidade da Califórnia, em Irvine, orientei parte da minha investigação na procura de soluções para o tratamento da dor crónica nesses doentes.
Qual foi o seu percurso académico?
Fiz o meu doutoramento em Farmacologia na Universidade de Insubria, em Itália. Depois disso, fui para os Estados Unidos para fazer o pós-doutoramento. Actualmente, sou investigador de pós-doutoramento na Universidade da Califórnia, na bela cidade de Irvine.
Publicou este estudo com canabinóides, sobre a anemia falciforme. Quais foram as principais conclusões?
Entrámos nesse tópico específico, porque tínhamos indícios casuais de que a canábis funcionava muito bem na dor crónica e também na ansiedade. Por isso, com base nesses indícios, realizámos (não eu, mas os nossos colaboradores) um ensaio clínico em que foi administrada canábis vaporizada a 23 doentes com anemia falciforme. Infelizmente, não detectaram qualquer efeito do tratamento com canábis nestes pacientes. Analisámos novamente os seus dados e descobrimos que uma possível causa pudesse ter sido a proporção entre o THC e o CBD na canábis estar errada. Outro aspecto importante foi a possibilidade de interacção entre a canábis e os tratamentos que os participantes estavam a fazer nesse momento. Assim, com base nisso, decidimos realizar um estudo pré-clínico em modelos de ratos humanizados com a doença falciforme para fazer duas coisas: a primeira foi determinar a melhor relação THC:CBD, que pode produzir uma melhor analgesia nesses pacientes; e a segunda foi verificar se o THC e/ou o CBD podem interagir com o tratamento mais frequentemente utilizado para a doença falciforme, que, neste caso, é a hidroxiureia. Este é um estudo em curso. Como primeira parte dessa investigação, conduzi o estudo para avaliar os efeitos analgésicos do THC, isoladamente. E o que descobrimos foi que, ao administrar uma única injecção de THC, conseguimos uma inversão notável da dor crónica nesses animais. Também tentámos ver se o tratamento com THC podia melhorar a ansiedade nos ratos, mas não encontrámos qualquer efeito do THC, por si só. Assim, o que vamos fazer é ver se a combinação de THC com CBD pode ter um melhor efeito analgésico, ou mesmo se essa combinação pode melhorar a ansiedade causada pela doença falciforme.
Então, neste momento, não tem certeza de que a canábis possa funcionar com a doença falciforme, mas é uma questão promissora. É por isso que vai avançar para investigar mais a fundo?
Os meus dados actuais mostram que o THC sozinho funciona como analgésico em ratos, mas a canábis não é apenas THC; é uma mistura de mais de 150 fitocanabinóides e os fitocanabinóides mais prevalentes são o THC e o CBD. O que queremos fazer é tentar combiná-los, porque sabemos que não podemos combinar todos os fitocanabinóides, pelo menos a nível laboratorial; não é viável. Por isso, o que vamos fazer é concentrar-nos no THC e no CBD, para ver se, quando os combinamos, temos uma melhoria dos efeitos analgésicos do THC.
Mencionou, na sua apresentação que, no tratamento da doença falciforme, há dois medicamentos que são muito caros para os doentes.
Exactamente. Recentemente, em 2023, a FDA [Food & Drug Administration], que é a agência reguladora nos Estados Unidos, aprovou duas terapias de edição genética para o tratamento da doença e a particularidade desses dois medicamentos é que podem curar, podem erradicar, a anemia falciforme em pacientes com essa condição. Mas o problema com estes dois medicamentos é que são muito, muito, muito dispendiosos. Só para vos dar um exemplo do que estou a dizer: um deles, o Lyfgenia, tem um custo superior a três milhões de dólares por doente.
Por ano?
Não, por doente! É um único tratamento. E o seu custo é de três milhões de dólares, o que é ridículo, porque é preciso ser rico para obter este tipo de tratamento. Portanto, não é acessível a pessoas de um país pobre como o meu, os Camarões, onde o Orçamento de Estado é de mil milhões e temos 400.000 pessoas a viver com a doença. Não é uma opção viável! É por isso que as pessoas com doença falciforme recorrem a terapias alternativas para lidar com a sua patologia. E uma dessas opções é a canábis – temos indícios de que a canábis funciona nesses doentes e temos o meu trabalho recente que mostra que o THC, isoladamente, também funciona nesses doentes.
Portanto, encontrar um tratamento que possa ajudar as pessoas do seu país é o seu objectivo. Vai continuar com esta investigação até encontrar algo que realmente funcione? Passar por ensaios clínicos, tudo isso? Sente essa motivação?
Sim, gosto muito do que estou a fazer neste momento, porque os resultados da minha investigação ajudarão a determinar a melhor proporção de THC:CBD a utilizar a seguir, esperemos, para realizar um ensaio clínico a fim de determinar ou medir a eficácia da canábis nesses doentes.
Imagino que conheça muitas pessoas com esta patologia. Pode explicar-me brevemente o que é a doença falciforme e o que ela provoca?
A doença falciforme é uma doença do sangue, em que uma mutação de um único nucleótido no gene que codifica a hemoglobina é problemática. A hemoglobina é uma proteína que se encontra nos glóbulos vermelhos e essa proteína é importante porque fornece oxigénio aos tecidos. Nos doentes com essa patologia, o facto de terem a mutação faz com que, quando a concentração de oxigénio é baixa, a hemoglobina anormal polimerize e se ligue ao endotélio vascular. Ao ligar-se ao endotélio vascular, bloqueia o fornecimento de oxigénio aos tecidos, o que provoca oclusões vasculares e episódios de dor aguda e crónica.
Como está a situação da canábis nos Camarões, neste momento?
Nos Camarões, e em muitos outros países africanos, a canábis ainda não é legal, mas as pessoas nos Camarões, como é óbvio, consomem canábis e por muitas, muitas razões, tanto a nível recreativo, como medicinal. Mas sabemos que a canábis tem muitas propriedades terapêuticas por isso esperamos que um dia seja legalizada nos Camarões e que as pessoas que precisam de canábis para as suas doenças possam beneficiar dela.
Já enviaram o vosso estudo para o governo dos Camarões?
Ainda não. O estudo foi aceite para publicação numa revista prestigiada e espero poder enviar-lhes o artigo, para que possam ler e ser informados sobre uma das propriedades terapêuticas da canábis.
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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]____________________________________________________________________________________________________
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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e directora de programa da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” em 2018 e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.