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Há dois novos livros sobre psicadélicos, a sua história, usos e efeitos, em português

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Nas livrarias portuguesas podem encontrar-se dois novos livros sobre substâncias e alteração da consciência: “Psiconautas” do jornalista britânico Mike Jay, que esteve em Lisboa na semana passada a apresentar a sua obra; e “Psicadélicos: Em Português”, do investigador e fundador do SafeJourney, Pedro Teixeira. São mais dois títulos com nova informação para compreender a história da relação do ser humano – e da ciência – com os psicotrópicos e os alucinogénicos, e como se podem usar estas substâncias de forma segura, de modo a reduzir os riscos ao mínimo (ou mesmo a zero) e obter o máximo benefício. 


Em “Psiconautas”, Mike Jay faz um
rewind da história da pesquisa científica, lembrando os primeiro investigadores que decidiram estudar algumas substâncias experimentando-as em si próprios. Isto era prática comum até o final do século XIX, quando a ciência começou a implementar o método empírico externo, por assim dizer, começando a fazer testes em ratos e outras espécies e afastando-se cada vez mais da auto-experimentação.

Mas em 1992, um caso deu que falar. O antropólogo Wade Davies e o médico Andrew Weil, publicaram o resultado de uma pesquisa relacionada com os achados de ossos de de sapo-boi tropical (Bufo marinus) e de peças de cerâmica representando este animal, encontrados recorrentemente em locais de culto de certas tribos mesoamericanas, como a Olmeca e a Maia. Era já de conhecimento comum que “as glândulas parótidas desse sapo, localizadas na parte de trás da sua cabeça, segregam uma mistura de toxinas onde se inclui um potente composto alucinogénico”, explica Jay. A pergunta à que os investigadores queriam responder era se, tal como alguns antropólogos já tinham sugerido, a substância produzida por aquele anfíbio teria sido usada “como um agente tóxico em cerimónias rituais da antiga Mesoamérica”.

Após perceberem que não seria a toxina excretada pelo Bufo marinus, potencialmente fatal, mas sim a de outra espécie de sapo “próxima da anterior”, o Bufo alvarius, natural do deserto de Sonora (entre os EUA e o México), os cientistas decidiram experimentar. A diferença é que este sapo “é único no seu género, ao possuir no seu veneno uma enzima – a O-Metiltransferase – que transforma a bufotenina num dos alucinogénicos mais potentes que se podem encontrar na natureza, o 5-Meo-DMT”, lê-se no livro. Para os investigadores, não fazia sentido experimentar em animais já que não teriam como avaliar os efeitos. A única hipótese era mesmo experimentarem em si próprios. Várias publicações cintíficas recusaram o artigo e quando finalmente publicaram os seus resultados na revista académica “Ancient Mesoamerica”, a notícia não foi a conclusão à que tinham chegado, mas o facto de se terem submetido eles próprios à experiência. A comunidade cintífica ficou escandalizada com o seu método “pouco ortodoxo”, questionando a ética e os riscos de tal iniciativa. E a prática dos mensageiros acabou por transformar-se na história, alimentando jornais ávidos por notícias sumarentas relacionadas com os perigos das “drogas”, chegando a associar os investigadores a cultos obscuros. 

Nesta altura, o mundo da ciência já tinha esquecido que fora assim que os estudos e ensaios clínicos se faziam do século XVII até o XIX, altura em que a investigação já “era uma prática com protocolos reconhecidos e normas de publicação de resultados bem esclarecidas”, conta Jay no seu livro. Após passar pela hitória da transformação do uso da palavra “droga” (desde a época medieval, quando servia para designar “’produtos secos’ tal como eram vendidos nos boticários”, até ser o epíteto de uma substância aditiva e perigosa, criado no século XX), o autor parte para a sua viagem pela  história da experimentação com as drogas que alteram a consciência.

Os “Psiconautas” são, precisamente, esses cientistas que experimentaram as substâncias que estudavam, que se entregaram às suas viagens cósmicas para entender os efeitos das mesmas, registando-o depois e pondo os resultados em prática com cobaias e pacientes, mas muitas vezes pondo em risco a própria vida. De Humfrey Davy, o jovem químico que descobriu o Óxido Nitroso – o gás do riso – em 1799, a Freud e as suas experiências com a cocaína, passando por Jung e muitos outros nomes conhecidos e desconhecidos que tiveram um papel fundamental para o avanço da medicina.

O historiador, autor e Jornalista Mike Jay. Foto: D.R.

Essas experiências serviram também de inspiração para muitos livros de ficção científica e marcaram a época que ficou conhecida como “Era dos Contadores de Histórias”. Entre eles estão H.G. Wells com as suas viagens fantásticas a mundos desconhecidos, ou as histórias de Sherlock Holmes de Connan Doyle, obras bem conhecidas que resultaram desses anos gloriosos da literatura. “Tal como a maior parte de histórias sobre drogas daquela altura, esses relatos giravam em torno de um cientista que fazia auto-experimentação”, aponta Jay.

Mas não foram só os cientistas. Em 1882, o recém-nomeado professor de Filosofia em Harvard, William James, decidiu ir ao laboratório da faculdade experimentar o Óxido Nitroso. Aquele gás convencionalmente usado nas cadeiras dos dentistas, fazia as pessoas viajar para outras dimensões e voltarem com perguntas e epifanias de vida. Este “efeito secundário” era tão comum que acabou por chamar a atenção de outros membros da sociedade, como James. A experiência marcou-o de tal forma, conta Jay, que o levou a escrever proficuamente sobre a sua viagem metafísica, chegando a incluir umas notas tomadas durante a intoxicação num artigo dedicado a Hegel que publicou na revista “Mind”. 

Mike Jay aborda quase todas as susbtâncias através das personalidades que retrata: o éter, o ópio, a cocaína, sem esquecer a resina de canábis misturada com especiarias a daguamasca , que os “comedores de haxixe” adotaram após terem lido os relatos das viagens a Marrocos do magnata da indústria farmacêutica Silas M. Burroghs. Burroghs foi, de resto, o pioneiro criador das fórmulas apresentadas em forma de comprimido (pills) e ele próprio achava “que a canábis era fantástica: faz-te ‘sentir tão leve que poderias subir os lados irregulares das pirâmides a correr”, relata o autor.

“A canábis era um dos muitos remédios que tanto se podiam encontrar nos bazares do Oriente como nas farmácias modernas de Ocidente, mas o relato de Burroghs não faz nenhuma menção ao seu potencial clínico. Uma geração antes, na Europa e nos Estados Unidos, os extratos e as tinturas de canábis tinham sido recebidos como uma das maravilhas da farmácia moderna. No entanto, na década de 1890, as promessas clínicas da planta tinham-se desvanecido. (…) A farmácia comercial tinha avançado e a canábis não se adaptara bem ao novo mercado. Contrariamente à folha de coca e à papoila de ópio, de onde se obtinham drogas puras como a cocaína, a morfina e a codeína”.

“Psiconautas”, de Mike Jay, Ed. Zigurate, 2024

Uma boa parte do livro é, efetivamente, dedicada às experiências com canábis por parte de inúmeros cientistas, químicos, médicos e artistas. Jay faz um apanhado dos primeiros impulsionadores das terapias para curar a mente com esta substância, como Jacques-Joseph Moreau; e fala ainda da importância que teve no século XIX, durante o “boom” do Ocultismo em inúmeras sessões espíritas, lembrando o legado de personalidades como o ocultista Paschal Beverly Randolph ou a fundadora da teosofia, Madame Blavatsky.

Manual de boas práticas para o uso de psicadélicos

Em “Psicadélicos: Em Portugês”, Pedro Teixeira traz-nos um manual de boas práticas para o uso de substâncias psicadélicas, de modo a reduzir os riscos e poder beneficiar das experiências em diversas situações da vida: desde o auto-conhecimento e a expansão da consciência, até em termos terapêuticos e de tratamento para condições mentais – área que tem vindo a evoluir rapidamente graças ao crescente interesse da comunidade científica por este tipo de substâncias. 

Embora em Portugal ainda estejamos a dar os primeiros passos, este tipo de tratamentos já estão a ser adotados em alguns contextos clínicos. “Para quem toma a decisão de experimentar psicadélicos, uma primeira questão que se coloca é se a pessoa apenas deseja fazê-lo num contexto legal ou se está disposta a procurar ajuda na rede de facilitadores e grupos que operam informalmente”, diz o autor, acrescentando: “No primeiro caso, as únicas opções atualmente acessíveis em Portugal são programas com utilização de terapias assistidas por ketamina, já disponíveis em hospitais e clínicas públicas e privadas, sobretudo dirigidas a doentes com depressão resistente, mas que também são utilizadas para outras indicações como a ansiedade, a dependência do álcool, perturbações alimentares ou a perturbação de stress pós-traumático”. 

Neste pequeno livro, Pedro Teixeira cobre todos os aspetos essenciais do uso de psicadélicos, desde o set ao setting, a importância da dosagem e da integração da experiência, as “bad trips e outras coisas a evitar”, falando também de contextos sociais em que comumente se encontram e consomem este tipo de substâncias. Encontra-se ainda uma tabela que permite, de forma rápida e clara, entender as diferenças entre cada uma (LSD, MDMA, DMT, Ayahuasca, Cogumelos mágicos, entre outras), as doses recomendadas, o tempo médio de duração de cada viagem e as possíveis interações medicamentosas. 

“São cada vez mais discutidos outros potenciais benefícios, ou utilidades, no uso de substâncias piscadélicas em áreas da vida tão distintas como a sexualidade, a vida relacional e amorosa, a parentalidade ou a relação com a natureza, entre outros (…). Na medida em que estes aspetos forem, de forma progressiva, discutidos publicamente, e (re)conhecidos por mais pessoas, todos podem vir a ter motivos adicionais para uma primeira (ou repetida) experiência.

Em sentido oposto, existem receios e fatores dissuassores relativamente comuns que contribuem para a manutenção de uma ‘distância segura’ face a uma primeira experiência psicadélica. Um deles é certamente a persistência do estigma e preconceito quanto a todas as drogas ilícitas, algo tipicamente associado à falta de conhecimento sobre os reais efeitos e riscos das mesmas, psicadélicos incluídos”.

“Psicadélicos: Em português”, de Pedro Teixeira, Ed. Fundação Francisco Manuel dos Santos

Pedro Teixeira é professor e investigador na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, “onde coordena um grupo de investigação que estuda comportamentos de saúde e os seus determinantes”, lê-se na badana do livro. É também fundador do SafeJourney, uma plataforma de divulgação de cultura, ciência e terapia psicadélicas, que frequentemente organiza eventos sobre esta temática em diversos espaços do país.

 

 

Margarita Cardoso de Meneses adota o novo Acordo Ortográfico.

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Margarita é colaboradora permanente do CannaReporter desde a sua criação, em 2017, tendo antes colaborado com outros meios de comunicação especializados em canábis, como a revista Cáñamo (Espanha), a CannaDouro Magazine (Portugal) ou a Cannapress. Fez parte da equipa original da edição da Cânhamo portuguesa, no início dos anos 2000, e da organização da Marcha Global da Marijuana em Portugal entre 2007 e 2009.

Recentemente, publicou o livro “Canábis | Maldita e Maravilhosa” (Ed. Oficina do Livro / LeYA, 2024), dedicado a difundir a história da planta, a sua relação ancestral com o Ser Humano como matéria prima, enteógeno e droga recreativa, assim como o potencial infinito que ela guarda em termos medicinais, industriais e ambientais.

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