Entrevistas
Mike Jay: “A canábis era o psicadélico do século 19: as pessoas tomavam grandes doses e tinham alucinações e experiências muito intensas”

Mike Jay é Jornalista e Historiador Cultural dedicado à temática das drogas há mais de 30 anos. Começou a escrever sobre este assunto no final dos anos 80 / início dos anos 90, quando as ‘novas drogas’, como as pastilhas Ecstasy / MDMA, a Special K /cetamina e outras substâncias, começaram a aparecer nas pistas de dança. Jay era um participante ativo e foi observando como a música eletrónica e as substâncias se iam tornando mainstream, unindo cada vez mais sub-culturas urbanas em raves e, mais tarde, em festas organizadas.
Este fenómeno abriu-lhe um novo campo de interesse jornalístico e literário, através do qual foi fazendo um retrato fiel da evolução da cultura das drogas no Reino Unido e, por extensão, no mundo. Mas o seu fascínio pelos personagens que habitaram as “twilight zones da história, da cultura e da mente humana”, como se lê no seu site, fê-lo ir mais longe, chegando a publicar vários livros sobre o assunto.
O CannaReporter® esteve com Mike Jay, em Lisboa, por ocasião do lançamento de “Psiconautas”, o seu 13º livro. Nesta obra, editada em Portugal pela Zigurate, o investigador lembra os cientistas que, até ao início do século XX, experimentavam as substâncias em si próprios ou em ‘cobaias’ conhecidas, para poderem estudar os seus efeitos nas diversas áreas da medicina. Estes foram os ‘psiconautas’ originais, que mais tarde dariam lugar aos de agora.
Mike, é uma honra estar aqui consigo após tantos anos a acompanhar o seu trabalho.
Muito obrigado! Estou muito contente de estar em Lisboa.
Quando é que este último livro, “Psiconautas”, saiu?
No Reino Unido, saiu no início de 2023 e em 2024 em livro de bolso. Foi publicado no Reino Unido e nos Estados Unidos pela Yale University Press, portanto é um livro americano. Mas também está em espanhol, árabe, coreano e agora português, o que me entusiasma imenso.

Mike Jay esteve em Lisboa para o lançamento do seu 13º livro, ‘Psiconautas’. Foto: D.R.
Há muito tempo que escreve sobre drogas, experiências psicotrópicas e alucinogénicas e sobre a relação do ser humano com estas substâncias. Começou nos anos 90, tanto quanto sei, no início do movimento rave. Que idade tinha nessa altura?
Na altura, tinha cerca de vinte e poucos anos. Mas foi antes disso, nos anos 80, quando descobri pessoalmente a canábis, o LSD e os cogumelos – só que nessa altura era, digamos, uma subcultura bastante pequena. Nos anos 90, o que me impressionou foi o facto de já não se tratar de uma subcultura, mas sim de uma cultura dominante. No Reino Unido comentava-se que meio milhão de pessoas tomava MDMA todos os fins-de-semana e ia para as raves. Foi por isso que, nessa altura, me pareceu que devíamos falar sobre o assunto, não apenas para a pequena comunidade de utilizadores de drogas, mas para que toda a gente percebesse o que estava a acontecer.
Na sua apresentação do livro aqui em Lisboa, disse que achava que, na altura, o consumo de drogas já era uma coisa muito importante e que ia ser ainda mais importante no futuro. A sua previsão confirmou-se…
Sim, acho que sim. Quando comecei a escrever sobre isto, era um assunto de interesse minoritário. Mas agora, como pode ver, é um tema mainstream. Toda a gente se apercebe de que vivemos numa cultura em que a linha entre as consideradas ‘drogas ilegais’ e as outras drogas está a esbater-se. Toda a gente está interessada em microdoses ou em terapias psicadélicas ou, no caso da canábis, até já está disponível em produtos comestíveis e as pessoas usam-na de diferentes formas e para fins medicinais. E isto está a fundir-se com o mundo da farmácia tradicional e da medicina.
Como diz, agora muita gente consome, mas ainda estamos sob o sistema proibicionista em grande parte do mundo – e em alguns países ainda é um sistema bastante repressivo. Se a sociedade mudou tanto, porque é que a lei não acompanhou?
Acho que os políticos, a política e a lei são sempre os últimos a mudar. Eu não espero que a lei mude até que, de algum modo, muda. Mas quando comecei a escrever sobre isto, a linha era muito clara: havia as drogas legais e as drogas ilegais – as drogas legais compram-se numa farmácia ou com receita médica; as drogas ilegais compram-se na rua. Mas agora há tantas coisas pelo meio: a Internet, as redes sociais… Há todas estas zonas cinzentas entre o que é legal e ilegal. Por isso, penso que a paisagem está a mudar, mas não creio que os políticos queiram reconhecer isto.
Mas eles próprios são, muitas vezes, consumidores.
Sim, é verdade. Uma das coisas interessantes nos EUA é esse sistema em que pequenos grupos de consumidores podem fazer propostas e mudar a lei. É engraçado que os EUA, que sempre foram os grandes impulsionadores da proibição global, que a iniciaram e a aplicaram, agora sejam também o país onde os cidadãos dizem: “Não, nós queremos poder comprar canábis legalmente”. É uma experiência que dura há vários anos e está cada vez mais estabelecida.
“Sempre que as drogas eram mencionadas nos media, vinham com um aviso de saúde. Era como se o tom fosse sempre ‘não consumam drogas’, ou ‘as drogas são muito más’. Eu queria lutar contra isso.”
Quando começou, era difícil publicar sobre estes assuntos?
Sim, nos anos 90, as opções eram muito limitadas. Muitas pessoas consideravam as drogas um assunto um pouco sujo, um pouco desonesto. “Não, não queremos um artigo sobre drogas, isso não é bom para a nossa imagem.” Era bastante limitado. Só podia publicar através de editoras independentes e só alguns artigos. Acho que isso está a mudar, mas não mudou totalmente. Os guardiões dos nossos meios de comunicação social ainda desconfiam das drogas e estão muito preocupados; não querem que pareça que estão a promovê-las.
Há sempre essa linha ténue com a qual lidamos quando escrevemos sobre drogas: estamos a promover o consumo ou estamos a informar e a educar? Como é que o Mike estabelece os seus limites neste aspeto?
Eu diria que nem todos os livros que escrevo contêm as minhas opiniões pessoais sobre a legalização das drogas, por exemplo. É importante encontrar uma voz para comunicar com os leitores mas, para mim, o que era interessante, sobretudo no início, era haver livros que se destinavam à subcultura das drogas, claro – Terence McKenna, Timothy Leary… Os psiconautas queriam ler livros de psiconautas sobre psiconautas. Era sempre esse o caso. Mas também, a um nível mais académico, havia uma visão muito diferente sobre as origens do sistema de controlo de drogas: era tudo de cima para baixo. Não estavam interessados na experiência das drogas, mas sim na forma como esta era gerida. Essa era realmente a voz. E sempre que as drogas eram mencionadas nos media, vinham com um aviso de saúde. Era como se o tom fosse sempre “não consumam drogas”, ou “as drogas são muito más”. Eu queria lutar contra isso, queria escrever algo que fosse para toda a gente: que fosse interessante para os psiconautas e que contivesse muita informação nova que não conheciam, mas também para as pessoas que nunca tinham consumido drogas. Queria escrever algo que lhes explicasse o assunto. Assim, mostrava as ligações entre as drogas, outras questões importantes e a cultura em geral. Foi isso que quis fazer: encontrar uma voz que não fosse a favor nem contra as drogas, e que fosse acessível a toda a gente.
Alguma vez o acusaram de estar a promover o consumo?
Essa é uma boa pergunta. Eu estive muito envolvido no trabalho de reforma das políticas de drogas. Trabalhei com a Transform Drug Policy Foundation como parte da direcção dessa organização, que era, e penso que ainda é, a principal ONG no Reino Unido a favor da legalização de todas as drogas. Portanto, essa foi sempre a minha posição pessoal e não tentei escondê-la. Mas também não tentei passar essa mensagem a toda a gente o tempo todo.
Voltando à sua obra: através destas pessoas fascinantes que aqui reúne – sobre algumas das quais já tinha escrito antes –, mostra a ousadia destes cientistas e a importância que tiveram para o avanço da ciência. Mas porquê um livro sobre eles?
Em parte, porque, como diz, é um assunto fascinante, e não é muito conhecido. As pessoas pensam que as drogas foram inventadas nos anos 60, não sabem que há uma história bem mais longa. E eu acho que é muito interessante, especialmente agora que a ciência é muito objectiva… Os cientistas não tomam drogas eles próprios, apenas olham para exames cerebrais de pessoas que tomam drogas e falam sobre neuroquímica, o que é interessante, mas também é um pouco frustrante para mim. Por isso, acho interessante olhar para trás e mostrar que houve uma altura na ciência em que as pessoas falavam mais pessoalmente sobre essa experiência. Mas, para mim, também tem a ver com o facto de as pessoas falarem muito, em particular nos psicadélicos, sobre encontrar a sua linhagem e os seus antepassados. E as pessoas preocupam-se com o facto de não termos tradição disto na nossa cultura e de termos de ir à Amazónia para encontrar outras pessoas que tenham tradições e antepassados. Mas eu quero dizer, na verdade, que nós temos a nossa própria linhagem. Sempre ensinámos que as drogas são algo estranho à cultura e à ciência ocidentais e eu queria mostrar que não, que isto não é estranho e que sempre foi uma parte importante da nossa cultura. É uma parte importante das nossas ideias sobre a ciência moderna, sobretudo em experiências para a compreensão da mente. E há tantas histórias interessantes na história ocidental sobre como estas drogas chegaram à nossa cultura e quem as adotou… Portanto, é também para dizer às pessoas que usam drogas, que não temos de procurar a nossa tradição no exterior. Nós temos a nossa própria tradição.
E as nossas próprias substâncias e plantas, certo?
Sim. E também produtos químicos. Para mim, o início desta história foi a descoberta do óxido nitroso. Era incrível para as pessoas que este gás, acabado de fazer num laboratório, fosse inalado profundamente e se tivesse uma experiência incrivelmente intensa e profunda. O que é que isso nos diz sobre a relação entre o corpo e a mente? Como é que um pulmão cheio de gás pode produzir este tipo de experiências místicas? Esta é a história da ciência ocidental e da cultura ocidental.
E, portanto, fala de Jacques-Joseph Moreau (Moreau de Tours), nos Comedores de Haxixe e do Clube dos Haxixins, que foi promovido por Moreau.
Sim, é verdade.
Que reuniu todos estes escritores e artistas para que pudessem relatar e retratar o que sentiam na experiência com haxixe – nessa altura, o dawamesk [daguamasca] que eles costumavam comer?
Isso mesmo.
Moreau, psiquiatra do início do século XIX, era um firme defensor da experiência pessoal e escreveu sobre isso, dizendo mesmo que, para poder estudar os efeitos do haxixe, tinha de os experimentar, certo?
Exatamente.
E também fala de William James e de outras personalidades históricas da ciência. Qual é o ‘personagem’ mais marcante que encontrou nestes anos de investigação, relacionado com substâncias?
Penso que Moreau é muito interessante porque, de certa forma, ele é muito científico, muito moderno, muito progressista. Não acredita na religião, acredita que há diferentes estados de espírito e diferentes estados de consciência. Está sempre à procura de uma explicação material, de uma explicação científica, mas isto leva-o a um território muito estranho. E ele era um auto-experimentador muito ousado. As suas doses de Dawamesk são muito altas. Para mim, o que é interessante em todos estes cenários de haxixe é que, realmente, a canábis era o psicadélico do século XIX: as pessoas tomavam grandes doses, dois, três gramas, por via oral, e tinham alucinações e experiências muito intensas durante muitas horas. Quando Baudelaire descreve as diferentes fases da subida, o pico e a descida [em Os Paraísos Artificiais, de 1860], é muito parecido com o que as pessoas dizem hoje sobre a experiência psicadélica. E penso que nos esquecemos disso, porque, hoje em dia, a canábis é algo que talvez se fume ou se tome numa pequena dose, mas estas foram experiências muito sérias. Moreau estava muito interessado na mente, estava muito interessado na ligação com a doença mental porque ele era psiquiatra. Mas, para ele, não era apenas uma questão médica; ele também queria compreender correctamente a experiência. Queria dá-la aos escritores, aos artistas e às pessoas que a pudessem descrever da forma mais completa possível. E as pessoas olham para isso e normalmente pensam: “Oh, isso é Baudelaire ou Dumas, é uma cena literária”. E isto é algo que descobri muitas vezes na história, quando encontramos estes cenários literários de droga, olhamos um pouco mais de perto e, lá atrás, há um cientista ou um médico que descobriu a droga e a transmitiu aos seus amigos literários. Por isso, é uma das minhas figuras preferidas. Outra figura de que falo no livro é James Lee, que para mim é muito interessante. Ele não era um cientista, não era médico, era um engenheiro, uma personagem britânica da classe trabalhadora que arranjou emprego na Índia e, quando lá esteve, descobriu todas as drogas locais, como a canábis, e também conheceu médicos indianos que o ensinaram sobre a cocaína e a morfina. E este tornou-se o seu passatempo durante 20 anos, trabalhando sobretudo na Ásia e descobrindo todas estas drogas diferentes, experimentando ele próprio e produzindo o seu próprio corpo de conhecimento. Assim, baseando-se no conhecimento médico ocidental e utilizando também, com grande interesse, o conhecimento indígena, juntou-os e utilizou a auto-experimentação. Para mim, é muito interessante pensar que, para além dos médicos e dos cientistas, havia pessoas comuns nessa altura a fazer estas viagens de descoberta com diferentes plantas psicoativas e produtos químicos.
“Acho que os cientistas pensam sempre que a ciência se move apenas de forma científica, lógica, racional. Mas a ciência faz parte da cultura e a cultura mudou muito rapidamente no início do século XX”
A fazer investigação, no sentido puro da expressão, não é?
Sim, exactamente.
E quanto ao papel das mulheres, o que nos pode dizer sobre a participação feminina nessa descoberta?
É muito interessante. Quando começamos a olhar para trás na história, não encontramos muitas mulheres neste campo, porque realmente, no século XIX, os cientistas eram todos homens, os médicos eram todos homens e a maioria dos relatos são de homens. Mas depois temos que escavar um pouco mais, e então descobrimos que há mulheres presentes, mas era muito difícil para elas, socialmente, escrever sobre as suas experiências pessoais com drogas. Por isso, quando encontramos as que o fizeram, e que eram muito corajosas, muito independentes e muito fortes, tornam-se das personagens mais interessantes.
Pode dar-nos alguns nomes?
Sim, a mulher sobre a qual mais escrevi é Maud Gonne. É conhecida porque o poeta W. B. Yates era obcecado por ela e ambos trabalhavam com práticas mágicas, espiritualismo e ocultismo. Ambos usavam canábis e outras substâncias, como clorofórmio, nas suas práticas mágicas, o que era muito invulgar para uma mulher da época. Ela escreveu sobre isso no seu livro de memórias e foi muito explícita. Acho que ela é uma figura moderna muito interessante e tenho a certeza de que havia muitas outras mulheres como ela na altura, mas não temos os seus escritos. E reunir a história das mulheres é um processo longo. Mas está a começar a acontecer. Outras pessoas estão a desenvolver esta investigação de formas muito interessantes.
Talvez tenham escrito com pseudónimos masculinos.
Sim, é verdade.
E nunca saberemos…
Sim, exactamente.
Porque muitos dos utilizadores e frequentadores dos ‘turquish parlours’, no século XIX, nos Estados Unidos, por exemplo, eram mulheres.
Sim, é verdade. Temos A Hashish-House in New York, de Harry Hubbell Kane… E ele diz que também havia cabines privadas nestes sítios onde as mulheres podiam ir e não ser vistas por toda a gente.
Portanto, é de esperar que encontremos mais escritos de mulheres, talvez disfarçadas de homens?
Sim. Também encontramos mulheres que participam em experiências que estão a ser conduzidas por homens e cujo relatório é escrito por homens, mas se olharmos um pouco mais para trás, vemos que, de facto, na experiência também havia mulheres.
“Esta palavra – droga – tal como a usamos agora, não existia até ao século XX. Mas assim que se estabeleceu, teve imediatamente muitas conotações negativas”
[Albert] Hofmann, por exemplo. Foi a sua mulher que preparou os primeiros biscoitos com LSD para que eles pudessem experimentar e participou ativamente na experiência.
Sim, e Susi Ramstein, a sua assistente, foi a primeira mulher a tomar LSD e foi muito importante para o seu desenvolvimento. E também Gordon Wasson e a descoberta dos cogumelos. Valentina Wasson, a sua mulher, foi realmente a inspiração para ele começar o seu estudo e sabia muito mais sobre a história dos cogumelos do que ele. Trabalharam juntos, mas quando se trata de escrever os grandes artigos, só vemos o nome de Gordon Wasson, não vemos o nome dela.
Voltando ao seu livro e à ponte que faz entre o método científico atual e esta época, em que a auto-experimentação era mesmo considerada fundamental por alguns cientistas. O que levou à não-experimentação ou à mais estrita abordagem clínica, em que os médicos rejeitam experimentar a matéria de estudo [quando isto poderia dar-lhes informação muito valiosa]? Por que é que a ciência mudou tanto?
Acho que os cientistas pensam sempre que a ciência se move apenas de forma científica, lógica, racional. Mas a ciência faz parte da cultura e a cultura mudou muito rapidamente no início do século XX. Foi nessa altura que começámos a ter a ideia de que as drogas eram um problema. Drogas incluindo o álcool, devo dizer – o que, na verdade, se olharmos para esta conversa na altura, é sobretudo sobre o álcool. E sabemos que isso levou à proibição do álcool nos Estados Unidos e ao controlo do álcool aqui. Por isso, as drogas são apenas uma pequena parte de uma história muito mais vasta. Mas, nessa altura, começa a desenvolver-se uma espécie de demografia do consumidor de drogas, ou do alcoólico, e as pessoas apercebem-se disso. Tornam-se uma categoria de pessoas, e isso é um problema. Pessoas que têm consequências de saúde, que têm outros assuntos… Quando se começa a ter a ideia de que as pessoas que consomem drogas são um problema, isso significa que os médicos e os cientistas não querem identificar-se como parte desta comunidade “problemática”.
E foi assim, quando começou a mudar, que também o termo “droga” mudou de conotação. Pode falar-nos um pouco sobre isso?
Sim, no século XIX, na altura que retrato [neste livro], droga é um termo muito geral. Significa qualquer coisa que se compre numa farmácia: isso é droga. Depois, no início do século XX, quando substâncias como a canábis, a cocaína e a heroína começaram a ser retiradas das farmácias, então sim, as pessoas começaram a usar drogas no sentido em que as usamos agora. É, de facto, uma abreviatura. Significa drogas perigosas, drogas que causam dependência, e também drogas ‘estrangeiras’. As pessoas começam a pensar no ópio, que era o principal medicamento em todas as farmácias e que, de repente, passa a ser uma substância chinesa, estrangeira. Com a canábis nos Estados Unidos, que as pessoas começam a identificá-la com a população mexicana e chamam-lhe marijuana para a fazer parecer mais estrangeira. Esta palavra – droga – tal como a usamos agora, não existia até ao século XX. Mas assim que se estabeleceu, teve imediatamente muitas conotações negativas. Era uma palavra má. E depois de terem sido criminalizadas e proibidas, passou a significar também drogas ilegais, drogas criminosas. Tornou-se propriedade, não de toda a gente, mas apenas de uma pequena sociedade criminosa. Uma das coisas interessantes de escrever sobre as ‘drogas’ no século XIX é que não temos isso, podemos tirar isso da nossa cabeça, e vemos a canábis ou a cocaína como algo que está na prateleira da farmácia, juntamente com tudo o resto.
E o termo ‘psiconautas’? Explicou que eram estes cientistas que experimentavam drogas para expandir e estudar a consciência humana. Mas agora mudou. Quem são os psiconautas de hoje?
Sim, ‘psiconautas’ é um termo que vem de um romance do autor alemão Ernst Jünger. Nesta obra – que é um romance sobre o futuro – ele fala sobre este tipo especial de cientistas chamados ‘psiconautas’, que tomam estas drogas e trazem as suas visões de volta à ciência. O termo foi depois adotado pela contracultura psicadélica. Penso que talvez Jonathan Ott tenha sido a primeira pessoa a usar o termo ‘psiconautas’ e depois tornou-se uma palavra que as pessoas que experimentavam psicadélicos usavam para se descreverem a si próprias e as suas viagens pessoais. Por isso, quis retomar este termo e dizer que os psiconautas são agora um tipo de pessoas separada dos cientistas, mas voltando ao século XIX, os cientistas eram os psiconautas – eram as mesmas pessoas.
O que pensa sobre a ‘evidência do mundo real’. Acha que a ciência devia olhar para os utilizadores atuais e estudar os dados que podem trazer em termos sociológicos e mesmo clínicos? Acha que esses dados devem ser recolhidos e considerados?
Penso que é muito difícil fazê-lo da forma como a ciência está constituída atualmente. É muito impessoal, muito objectiva. Podemos ler todos os artigos sobre neurociência e nunca encontraremos ninguém a dizer ‘eu’ ou a falar de si próprio. Não é essa a linguagem atual. Mas, como diz, nas ciências sociais, as pessoas estão a estudá-la mais profundamente. Há muitos estudos sobre pessoas que usam substâncias psicadélicas em culturas não ocidentais e culturas indígenas, mas também aqui, nas culturas ocidentais. E muitos dos cientistas sociais que estão a fazer isto também estão envolvidos. São participantes e também observadores. Por isso, penso que a ‘ciência dura’, a neurociência, será sempre demasiado limitada. Mas acho que as pessoas que trabalham nessa área também reconhecem que isso é um problema, porque estão a tentar estudar estados alterados de consciência, estão a tentar estudar uma experiência subjectiva, mas não usam uma linguagem subjetiva. Por isso, penso que podemos encontrar essa linguagem subjetiva noutro lugar. Podemos encontrá-la nas artes e na cultura; podemos encontrá-la nas pessoas que escrevem sobre ciência. É também isso que estou a tentar fazer: contribuir para essa dimensão, que penso que a ‘ciência dura’ perdeu.
E fazer a ligação entre ambas.
Sim, exatamente.
Muita gente usa agora a canábis como uma solução médica e há realmente muitos dados de pessoas que têm estado a fazer experiências em si próprias. Por isso, esta é uma questão importante, porque os dados que existem das pessoas que têm experimentado, ao longo de todos estes anos, poderiam ser recolhidos, sistematizados e usados, mas são sistematicamente negligenciados.
Se quisermos convencer os cientistas, não podemos ir pelas experiências individuais. Queremos grandes conjuntos de dados. Queremos grandes grupos de pessoas. Assim podem dizer: “isto foi dado a mil pessoas e este foi o resultado deste estudo”. Se uma pessoa disser “esta é a minha experiência”, não é considerado ciência.
E se forem mil pessoas?… Mas a questão é que a planta é complexa e cada pessoa toma coisas diferentes, o que o tornaria ainda mais difícil.
Precisamente.
—
Margarita Cardoso de Meneses escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]____________________________________________________________________________________________________
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Margarita é colaboradora permanente do CannaReporter desde a sua criação, em 2017, tendo antes colaborado com outros meios de comunicação especializados em canábis, como a revista Cáñamo (Espanha), a CannaDouro Magazine (Portugal) ou a Cannapress. Fez parte da equipa original da edição da Cânhamo portuguesa, no início dos anos 2000, e da organização da Marcha Global da Marijuana em Portugal entre 2007 e 2009.
Recentemente, publicou o livro “Canábis | Maldita e Maravilhosa” (Ed. Oficina do Livro / LeYA, 2024), dedicado a difundir a história da planta, a sua relação ancestral com o Ser Humano como matéria prima, enteógeno e droga recreativa, assim como o potencial infinito que ela guarda em termos medicinais, industriais e ambientais.
