Entrevistas
Brennan Falcy: “A disrupção do ritmo circadiano leva a consequências metabólicas e o nosso trabalho mostra que o sistema endocanabinóide está envolvido”

Brennan Falcy está actualmente no 5º ano de um programa de Doutoramento na Universidade de Massachusetts, em Amherst, nos Estados Unidos da América, onde é neurocientista e investigador, no Departamento de Ciências Psicológicas e do Cérebro. Juntamente com uma equipa de sete investigadores, levou a cabo um ensaio pré-clínico inovador, que pesquisou a relação entre a disrupção dos ritmos circadianos e o aumento de peso, com foco no papel do sistema endocanabinóide nesse processo. O estudo sugere que o sistema endocanabinóide desempenha um papel crucial na resposta metabólica à disrupção circadiana.
Os ritmos circadianos diários regulam a fisiologia e o comportamento dos humanos e são um aspecto fundamental da biologia de todos os animais. A sua disrupção está associada a um aumento significativo do risco de distúrbios psiquiátricos e doenças cardiometabólicas, de acordo com vários estudos já publicados. Estas descobertas reforçam a importância do equilíbrio circadiano para a saúde metabólica e abrem caminho para novas investigações sobre o potencial terapêutico de intervenções no sistema endocanabinóide para distúrbios relacionados à obesidade e ao ritmo biológico.

A Universidade de Massachussets, em Amherst, foi criada em 1883 no pitoresco Pioneer Valley
Brennan Falcy estuda os ritmos circadianos, endocanabinóides e metabolismo no seu doutoramento, na Universidade de Massachussets, e apresentou no ano passado, durante o 34º Simpósio Anual do ICRS – International Cannabinoid Research Society, em Salamanca, Espanha, os resultados de um estudo pré-clínico que sugere que o sistema endocanabinóide desempenha um papel crucial na resposta metabólica à disrupção circadiana.
Brennan diz que começou a investigar nesta área “por acaso”. “Entrei no laboratório a pensar que queria fazer coisas neuroendócrinas relacionadas com o estrogénio, a testosterona e coisas do género, mas fui colocado neste projecto porque alguém tinha de o fazer e fiquei muito entusiasmado com ele. Por isso, quando me foi dada a oportunidade de prosseguir com este projecto ou de me transferir para um projecto diferente relacionado com astrócitos ou outras coisas, decidi ficar com este, porque comecei a gostar muito dele”, confessou ao CannaReporter®.
Falámos com Brennan em Salamanca para perceber melhor as implicações da investigação da sua equipa.
O vosso estudo parece bastante interessante, porque tem a ver com os ritmos circadianos. Qual foi a principal motivação para o realizar?
Sim, no nosso laboratório estamos interessados em compreender por que razão a perturbação do ritmo circadiano conduz a sintomas metabólicos. Por exemplo, nos seres humanos, sabemos há já algum tempo que a perturbação do ritmo circadiano através da exposição ao trabalho por turnos ou ao jet lag tem consequências metabólicas, entre elas o aumento de peso e os fenótipos diabéticos. Aqui, fizemos uma abordagem sledgehammer para este modelo, expondo ratos a um dia de 20 horas, como se estivessem a fazer uma mudança de fuso horário de quatro horas para Leste, todos os dias, basicamente. Assim, eles não são capazes de se adaptar ao seu ambiente e, desta forma, consideramo-los ‘dessincronizados circadianos’. Quando fazemos isto aos ratos, também podemos observar consequências metabólicas, incluindo aumento de peso e níveis alterados de hormonas metabólicas. Este é o aspecto circadiano do nosso trabalho.
“Descobrimos que os níveis de Anandamida são especificamente perturbados após a disrupção circadiana”
Qual seria o ritmo circadiano normal para um ser humano?
Normalmente, os seres humanos estão destinados a viver num ambiente de 24 horas. Evoluímos ao longo de milhões de anos para nos adaptarmos ao ritmo de 24 horas, do nascer e do pôr do sol. Quando somos forçados a viver contra esse ritmo, isso tem consequências para nós, tanto a nível metabólico, como a outros níveis, como o cognitivo.
Qual seria o seu conselho, então, sobre a hora a que devemos ir dormir e a que horas devemos acordar? Devemos seguir o sol?
Se pudermos, se tivermos a opção de o fazer, faz mais sentido acordar com o sol e ir dormir quando nos sentirmos cansados. A duração do sol varia consoante a estação do ano, por isso nem sempre faz sentido acordar quando o sol nasce e ir dormir quando se põe. O que se deve tentar fazer é ser consistente de dia para dia. Esse é provavelmente o conselho mais importante: seguir um padrão semelhante de um dia para o outro. Um exemplo de como não o fazemos é o chamado jet lag social, em que as pessoas acordam, digamos, às 7 da manhã durante a semana para ir trabalhar, mas depois, à sexta-feira e ao sábado, saem, divertem-se e vão a festas, etc, e depois acordam tarde. Perturba-se o ritmo circadiano de forma aguda e por um curto período. E depois, quando chega a segunda-feira, temos de acordar novamente às 7 da manhã. Por isso, ser consistente é fundamental.
Quais são as principais consequências da perturbação destes ritmos do sono?
A curto prazo, penso que seriam sobretudo de ordem cognitiva e, com base nisso, afectariam o nosso estado de espírito e a forma como nos sentimos, repetidamente. No entanto, a longo prazo, demonstrou-se estar correlacionado com a gravidade da perturbação metabólica – a obesidade, por exemplo. E vemos que as pessoas que trabalham por turnos, por exemplo, os enfermeiros, que trabalham durante a noite repetidamente ao longo de toda a sua vida, têm um risco mais elevado de obesidade, diabetes e mesmo cancro. Portanto, há consequências a longo prazo, se perturbarmos continuamente os nossos ritmos circadianos.
E como é que o nosso sistema endocanabinóide está envolvido em todo este processo?
É exactamente isso que estamos interessados em descobrir. No nosso laboratório, estamos apenas a começar a juntar as peças num modelo de rato. Sabemos que, nos seres humanos, os endocanabinóides são rítmicos ao longo do dia e que o 2-AG [2-araquidonoilglicerol] é especificamente rítmico nos seres humanos. Atinge o seu pico por volta do meio-dia e depois tem o seu ponto mais baixo quando estamos a dormir. Isso levou-nos a teorizar sobre a possibilidade de os endocanabinóides serem susceptíveis de perturbar o ritmo circadiano. Assim, expusemos ratinhos à perturbação do ritmo circadiano e medimos os níveis dos seus endocanabinóides plasmáticos. E descobrimos que os níveis de Anandamida são especificamente perturbados após a disrupção circadiana. Dando um passo em frente, optámos por interromper a sinalização endocanabinóide, eliminando o receptor CB1, um dos dois receptores endocanabinóides primários, e eliminámo-lo em todo o rato, pelo que o receptor CB1 deixou de estar activo. E descobrimos que este rato ficou realmente resistente aos efeitos metabólicos da perturbação circadiana. Após cinco semanas de desregulação circadiana, já não ganham quantidades excessivas de peso e também já não têm níveis excessivos de hormonas metabólicas, por exemplo, de glucagon e leptina.
Como é que todo este processo pode induzir alterações hormonais?
Vou falar, por exemplo, da diabetes. Vemos que começa a haver insensibilidade (ou resistência) à insulina, o corpo torna-se insensível à insulina. Assim, o pâncreas começa a segregar demasiada insulina porque está a tentar fazer com que o corpo regresse à homeostase, mas como estamos num estado metabolicamente perturbado, o pâncreas tem de compensar em excesso, libertando cada vez mais insulina. Assim, podemos pensar no mesmo modelo para estas outras hormonas, como o glucagon e a leptina, que estão a ser segregadas em excesso, numa tentativa de levar o corpo de volta à homeostase, porque o corpo está actualmente num estado metabólico desregulado.
Pode explicar melhor o papel da Anandamida neste processo e como é utilizada no nosso corpo?
A Anandamida é um dos dois endocanabinóides canónicos e actua tanto no receptor CB1 como no receptor CB2 e noutros receptores não canónicos. E os seus papéis são muito diferentes, dependendo do local do corpo de que estamos a falar. Um dos principais papéis da Anandamida e dos endocanabinóides em geral é promover o armazenamento de nutrientes e também a procura de alimentos. Pensa-se, frequentemente, que o sistema endocanabinóide nos ajudou, enquanto humanos, a atravessar períodos de abundância e de fome, de modo a que, quando passássemos por períodos de fome, utilizássemos as reservas de energia armazenadas no nosso corpo e depois, quando encontrássemos comida, pudéssemos maximizar a quantidade de energia a armazenar no nosso corpo. O sistema endocanabinóide ajuda-nos a fazer isso e é esse o papel da Anandamida – um dos seus muitos papéis, porque há muitos outros. Por exemplo, no cérebro, os endocanabinóides podem causar a chamada depressão de curta duração. Podem ser libertados da pós-sinapse e viajar retrogradamente para a pré-sinapse, interrompendo a transmissão sináptica. Este é outro mecanismo celular dos endocanabinóides.
E interromper essa transmissão pode quebrar os níveis de cortisol quando estamos stressados?
Não sei se isso é verdade. Quando digo que se está a fazer uma pausa a este nível sináptico, quero dizer que, se tivermos dois neurónios a falar um com o outro muito rapidamente, o cérebro precisa de ter um sistema em funcionamento; é um sistema de feedback negativo. Por isso, diz a esses dois neurónios para se acalmarem um pouco, e a pós-sinapse, o segundo neurónio, libertará endocanabinóides, incluindo Anandamida, que viajarão até à primeira sinapse que está a falar muito, e dir-lhe-á para se acalmar. E assim, desta forma, temos este feedback negativo. Esta é uma das regras.
“O knockout global do receptor CB1 previne algumas das perturbações metabólicas, incluindo o aumento de peso e os metabolitos”
Para criar um ambiente mais equilibrado.
Exactamente. Existem imensos ciclos de feedback negativo em todo o corpo e este é apenas um dos muitos ciclos diferentes.
Quais são os próximos passos na vossa investigação depois desta pesquisa e das conclusões que obtiveram?
Demonstrámos que o knockout global do receptor CB1 previne algumas das perturbações metabólicas, incluindo o aumento de peso e os metabolitos. Também demonstrámos que o knockout específico do fígado previne as perturbações de metabolitos como o glucagon, a leptina, a insulina e o GIP [Gastric Inhibitory Peptide]. E mais importante é que o knockout específico do fígado não protege contra o fenótipo do aumento de peso. Quando se elimina o receptor CB1 especificamente no fígado, eles continuam a ganhar peso. Por isso, estamos interessados em saber a razão específica disso. Sabemos que, quando se elimina o receptor CB1 em todo o rato, ele deixa de aumentar de peso após cinco semanas de dessincronização circadiana.
Porque ganham tolerância?
Sim, tornam-se resistentes, quando se elimina o receptor CB1. Mas isso não é mediado pelo fígado. Alguns dos outros efeitos, como o aumento do glucagon e da leptina, são mediados pelo fígado, ou pelo menos dependentes do fígado, mas o fenótipo de aumento de peso não o é. Por isso, a próxima coisa que estamos interessados em descobrir é onde se situa este locus que está a mediar o fenótipo de aumento de peso. Pode estar no cérebro e pode ter algo a ver com a alimentação ou até mesmo com uma espécie de autonómico, como controlar a homeostase do peso, ou pode ser completamente periférico e não ser mediado pelo cérebro de todo.
Então, o que é que pretendem compreender melhor no futuro?
Um próximo passo concreto seria utilizar um endocanabinóide periférico ou, especificamente, um antagonista do receptor CB1 periférico. Isso permitir-nos-ia saber se o efeito do aumento de peso é mediado periférica ou centralmente. Se administrarmos este antagonista periférico do receptor CB1 e verificarmos que as pessoas continuam a ganhar peso após a perturbação circadiana, podemos afirmar com segurança que o efeito é mediado pelo cérebro, mas se não ganharem peso, então o efeito é periférico.
E esse antagonista seria algum canabinóide extraído da planta da canábis?
Não, seriam antagonistas sintéticos. Normalmente têm nomes compridos como JW1102 ou algo do género, não é exacto; mas sim, são sintéticos e ligam-se ao receptor, impedindo que os canabinóides endógenos ou exógenos o façam.
Tendo em conta o estudo que efectuou, que conclusões retira sobre a importância do ritmo circadiano e da sua relação com o sistema endocanabinóide nas pessoas?
Penso que já há algum tempo sabemos, relativamente aos ritmos circadianos, que é melhor ser consistente e tentar dormir e acordar à mesma hora todos os dias. E o que estamos a mostrar é a confirmação de trabalhos anteriores em que sabemos que a perturbação do ritmo circadiano leva a consequências metabólicas. O nosso trabalho está a mostrar que o sistema endocanabinóide está envolvido nesse processo a um certo grau. Mas, nesta altura, não dispomos de informação suficiente para dizer com confiança como podemos ou devemos utilizar o sistema endocanabinóide para modular essa situação. Por isso, estamos longe de ter um tipo de terapêutica que nos possa ajudar, por exemplo, se precisarmos de apanhar um voo de seis horas num fuso horário diferente. Talvez um dia possamos ter uma terapêutica em que esse fármaco endocanabinóide possa ajudar-nos. Ou, na verdade, acho que seria um canabinóide exógeno, mas neste momento não o podemos dizer.
Leia o estudo abaixo:
Brennan_Falcy_Endocannabinoids_link_circadian_disruption_weight_gain
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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]____________________________________________________________________________________________________
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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação do XXI Governo Português. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e coordenadora da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” em 2018 e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
