Crónica
Napoleão Bonaparte: como o cânhamo e a canábis foram importantes na vida do conquistador francês

Todos nós já ouvimos falar do grande Napoleão Bonaparte, mas o que pouca gente conhece é o papel importante que a canábis desempenhou na sua história, na guerra e no seu percurso militar e pessoal. O conquistador francês de baixa estatura, que, com a mão escondida na abertura do casaco criou um vasto império e pôs em cheque as grandes potências da época, teve contacto com a canábis e travou muitas lutas pelo acesso ao cânhamo. E sabia que durante o século dezoito e o início do século dezanove, a Rússia chegou a produzir cerca de 80 por cento do cânhamo utilizado na Europa para a construção naval? Leia este artigo para descobrir mais sobre de que forma a planta da canábis era utilizada por Napoleão e as suas tropas nesta altura.
No rescaldo da Revolução Francesa, Napoleão abalou os alicerces das nações por onde passou, um choque cujas consequências ainda hoje se fazem sentir. Mas o primeiro encontro de Napoleão com a canábis foi no Oriente. No seu desejo de enfrentar e diminuir o poder do Império Turco, embarcou numa viagem que o levou ao Egipto em 1798. Bonaparte admirava profundamente Alexandre o Grande e Júlio César e tentou imitá-los em muitos pormenores. Tal como eles, não queria apenas conquistar o Egipto, mas queria fazer algo mais transcendental e profundo: homenagear, de alguma forma, a grandeza dos tempos antigos. Talvez por isso tenha decidido embarcar numa viagem introspectiva, cujo impacto o acompanharia certamente para o resto da sua vida.
“Há quem diga que Napoleão não só passou a noite na pirâmide de Quéops, como o fez sob o efeito de canábis”
Em Agosto desse mesmo ano, quando se encontrava no Cairo, decidiu passar uma noite no interior da pirâmide de Quéops. As pirâmides foram testemunhas silenciosas da passagem da História e fascinaram os grandes homens, como representação de um tempo exótico e passado. Segundo alguns textos, a sua guarda pessoal e um sacerdote muçulmano acompanharam-no à câmara do sarcófago. Todo o grupo teve de atravessar as passagens estreitas e sufocantes até chegar ao coração da Grande Pirâmide. Depois disso, o conquistador foi deixado sozinho naquele local imponente.
Diz a lenda que Napoleão saiu da pirâmide ao fim de sete horas, no momento em que o sol estava a nascer no horizonte. Com o rosto desfeito e uma palidez cadavérica, aproximou-se da sua guarda, que o esperava desde o dia anterior à entrada da pirâmide. Perguntaram-lhe o que se tinha passado, ao que o corso não soube responder senão: “Mesmo que vos dissesse, não acreditaríeis em mim”. Há quem diga que Napoleão não só passou a noite na pirâmide de Quéops, como o fez sob o efeito de canábis, muito utilizada no Egipto da época, para o ajudar a aprofundar a sua viagem introspectiva no interior do colossal monumento. Embora não tenhamos provas de que o conquistador tenha realmente consumido canábis naquele momento, sabemos que Napoleão desempenhou um papel importante na mudança do estatuto da canábis no Egipto e em todo o império francês.
Durante a invasão do Egipto, as tropas francesas recorreram ao consumo de canábis e dos seus derivados, devido à dificuldade em encontrar álcool no país (pois era um país muçulmano). Esta planta começou a ganhar popularidade entre os membros do exército e é óbvio que isso não agradou ao alto comando militar, pois logo de seguida começaram a ditar regras que proibiam o seu consumo entre os soldados. Diz-se que as tropas francesas começaram a perder a disciplina e que o famoso e poderoso exército francês começava a correr o risco de perder a sua reputação se continuasse a seguir este caminho. Vendo que as tropas contornavam as regras e continuavam a consumir canábis, as autoridades francesas decidiram proibir o consumo de canábis em todo o Egipto. Nessa altura, era comum encontrar bebidas à base de canábis ou haxixe nos cafés das cidades egípcias. Na sequência da proibição das autoridades francesas, estes cafés foram encerrados e os seus proprietários presos por distribuição de substâncias “nocivas”.
A canábis trazida do Egipto pelas tropas francesas
Como todos sabemos, a proibição relacionada com o consumo de substâncias nunca foi realmente eficaz e no caso francês não foi diferente. No final da ocupação, em 1801, apesar da proibição, as tropas francesas trouxeram consigo para a metrópole enormes quantidades de canábis. Este facto marcou provavelmente um ponto de viragem na cultura canábica francesa.
Não sabemos se a proibição desta planta por Napoleão teve alguma coisa a ver com a noite que passou na pirâmide, mas o que podemos dizer é que a sua relação com a canábis não terminou no Egipto. Alguns anos mais tarde, esta planta foi uma das razões pelas quais Bonaparte decidiu invadir a Rússia, uma vitória pírrica de que não tardaria a arrepender-se.
Guerras pelo acesso ao cânhamo
Durante os primeiros anos do século XIX, a Grã-Bretanha e a França estavam em guerra, tal como muitos outros países europeus. O cânhamo era vital para os esforços de guerra de ambas as potências, mas especialmente para o Império Britânico, uma vez que a sua grande marinha estava fortemente dependente da planta. De facto, muitos países estavam totalmente dependentes do cânhamo para o desenvolvimento de várias indústrias. Houve uma altura em que a planta alimentava o comércio mundial, como acontece actualmente com os combustíveis fósseis. Tal como hoje, assistimos a invasões e guerras provocadas pelo desejo de ter acesso a reservas de combustíveis fósseis, noutros tempos o acesso a grandes produções de cânhamo levou a conflitos ferozes. O domínio dos oceanos era fundamental para o desenvolvimento de um império militar e económico forte e os países que podiam comercializar livremente através de navios tinham acesso fácil a mercadorias de todo o mundo.
“[No Séc. XIX] muitos países estavam totalmente dependentes do cânhamo para o desenvolvimento de várias indústrias”
A Grã-Bretanha, a França, Espanha e Portugal eram conhecidas pela sua capacidade de colonizar terras estrangeiras graças às suas frotas, que dependiam inteiramente das reservas de cânhamo. A lona utilizada para as velas e todas as cordas dos navios eram feitas de cânhamo, porque, de todas as plantas fibrosas disponíveis, era a única que podia resistir a meses no mar. Cada conjunto de velas necessitava de quase meio hectare de cânhamo e cada navio necessitava de dois conjuntos completos de velas. Cada navio transportava entre 50 e 100 toneladas de materiais de cânhamo e, além disso, a impermeabilização dos cascos dos navios realizava-se através de uma técnica chamada calafetagem, em que uma mistura contendo cânhamo era introduzida entre as madeiras para impedir a penetração da água no interior do navio. Em suma, eram necessárias muitas terras para cultivar o cânhamo necessário para equipar os navios, pelo que o controlo da produção desta planta era fundamental para exercer o poder hegemónico nos oceanos.
Durante o século XVIII e o início do século XIX, a Rússia chegou a produzir cerca de 80% do cânhamo utilizado na Europa para a construção naval. Isto deveu-se às vastas terras aráveis da Rússia, bem como ao domínio de uma técnica rápida e eficaz de extracção e preparação da fibra de cânhamo através do apodrecimento da casca do caule da planta. Mas que tem isto a ver com Napoleão? Como já dissemos, ele tinha a ambição de ser um grande conquistador, queria fazer história. Ganhou notoriedade durante a Revolução Francesa, quando foi vitorioso em diferentes batalhas, e este percurso levou-o ao topo, tornando-se imperador. Tinha o sonho de criar o maior império de sempre e conseguiu conquistar quase todo o continente europeu graças a um equilíbrio “perfeito” entre a força bruta militar e a inteligência política. Possuía um exército muito poderoso, que os países atacados dificilmente conseguiam enfrentar; e uma vez invadidos, esses países ficavam sob o controlo de alguém próximo de Napoleão, como foi o caso de Espanha, que foi governada pelo seu irmão José Bonaparte .
Entre os seus planos estava a conquista da Grã-Bretanha, a grande potência naval da época, e para isso teve de enfraquecer a sua frota. Como muitos outros países, os britânicos compravam à Rússia quase todo o cânhamo necessário para a manutenção dos seus navios. Napoleão, sabendo que o seu exército era o mais poderoso e temido do continente, pressionou a Rússia a deixar de vender aquele recurso aos britânicos e, durante algum tempo, o cânhamo deixou de sair dos portos russos para a Grã-Bretanha. Pouco depois, o czar Alexandre I deixou de seguir as “recomendações” francesas e reactivou o comércio de cânhamo com os britânicos que chegavam aos seus portos, num claro desafio a Napoleão. Isto chegou rapidamente aos ouvidos dos franceses, que compreenderam que era de vital importância cortar radicalmente o fornecimento deste material à Grã-Bretanha. O problema do cânhamo e outras divergências económicas com os russos levaram Bonaparte a tomar uma decisão crucial: invadir a Rússia em 1812.
O maior exército da Europa entrou na Rússia a 24 de Junho desse ano e, com alguma facilidade, começou a ganhar território. No entanto – algo que apanhou as tropas francesas de surpresa –, o exército russo começou a bater em retirada em direcção a Moscovo e, depois, mais para o interior. A decisão de iniciar uma perseguição através da estepe conduziu Napoleão a uma situação perigosa: as bases militares e as reservas de abastecimento estavam cada vez mais distantes da linha da frente, as tropas começaram a sofrer escassez de bens básicos e a fome e o frio causaram centenas de milhares de baixas no exército francês.
Apesar de Napoleão ter vencido as batalhas desta campanha em território russo, tendo mesmo conquistado Moscovo, foi uma “vitória” que lhe viria a custar caro. Talvez demasiado caro. Era evidente que o declínio do império napoleónico tinha começado e o controlo do cânhamo tinha desempenhado um papel importante neste processo histórico.
O curioso de toda esta história é que nunca é contada e, mais importante, repete-se sempre: o controlo de recursos estratégicos (como o petróleo e o gás) continua a causar conflitos devastadores em todo o mundo.
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Este artigo foi originalmente publicado por Simón Pablo de Donlebun na última edição (#12) da CannaDouro Magazine.
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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]____________________________________________________________________________________________________
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Simón Pardo de Donlebún
