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Janosch Kratz e Guillermo Moreno-Sanz falam sobre a regulamentação da canábis medicinal em Espanha

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O médico Janosch Kratz e o Neurocientista Guillermo Moreno-Sanz, na International Medicinal Cannabis Conference na Universidade de Berna, Suíça. Foto: Laura Ramos | CannaReporter®

Espanha tem sido historicamente um dos países mais permissivos da Europa em relação à canábis. Durante décadas, o consumo recreativo foi amplamente tolerado e a existência de clubes sociais permitiu que os utilizadores tivessem acesso a produtos derivados da planta num contexto regulado pela própria comunidade. No entanto, quando se trata da legalização da canábis medicinal, o cenário é bem diferente. Em contraste com a percepção de liberdade no uso recreativo, a regulamentação do uso medicinal tem sido marcada por barreiras burocráticas e um caminho legislativo complexo e restritivo.

Nesta entrevista, conversamos com Janosch Kratz, médico especializado no uso terapêutico da canábis, e Guillermo Moreno-Sanz, neurocientista, que apresentou na Universidade de Berna, por ocasião da International Medicinal Cannabis Conference (IMCCB) uma análise sobre o estado actual da regulamentação da canábis medicinal em Espanha. Ambos partilham preocupações sobre o facto de a nova legislação espanhola, apesar de representar um avanço, limitar fortemente o acesso dos doentes ao tratamento.

A discussão aborda os desafios e implicações da nova regulamentação, incluindo a ausência da flor como opção terapêutica, a dificuldade de acesso através do sistema hospitalar e a hipocrisia de um país onde o consumo recreativo é amplamente tolerado, mas os doentes que necessitam de canábis para fins medicinais encontram barreiras significativas.

Qual será o impacto desta regulamentação nos doentes espanhóis? Poderá esta medida reduzir o estigma e abrir caminho para um modelo mais inclusivo no futuro? Estas e outras questões são exploradas na entrevista que se segue.

A ideia de falar convosco surgiu porque ambos são espanhóis [Janosch é espanhol e alemão] e porque o Guillermo acabou de apresentar, aqui na IMCCB, na Universidade de Berna, uma análise sobre a eventual legalização da canábis medicinal em Espanha. Há actualmente muitas dúvidas sobre se a proposta apresentada pelo governo espanhol irá funcionar. Começando por si, Guillermo, o que é que Espanha está a propôr como regulamentação medicinal? 

Guillermo: Bem, o que Espanha está a propor neste momento é articular um programa de acesso à canábis medicinal no quadro da convenção das Nações Unidas sobre substâncias controladas. Assim, considerando que Espanha pode permitir que os doentes e os prescritores tenham acesso a produtos de canábis medicinal, à semelhança de outros países da Europa, o que esperamos agora é a versão final de um decreto Real, que vai alterar determinadas legislações em Espanha, para permitir a dispensa deste tipo de especialidades farmacêuticas. Esperamos que seja um sistema semelhante ao de outros países da Europa, o que significa que os produtos vão ser fórmulas magistrais. O que estamos a prever é que terão de ser preparados pelas farmácias hospitalares e terão de ser prescritos por médicos especialistas. 

Guillermo Moreno-Sanz, neurocientista, fez uma apresentação sobre a regulamentação que se espera para a canábis medicinal em Espanha, na IMCCB, na Universidade de Berna, Suíça. Foto: Laura Ramos | CannaReporter®

Por que razão é tão restritiva se Espanha sempre foi muito aberta em relação à canábis? O que é que aconteceu? 

Guillermo: Toda esta legislação provém do Ministério da Saúde, em particular da Agência do Medicamento, a agência espanhola para os medicamentos e dispositivos médicos [AEMPS], e o facto de Espanha ter sido uma sociedade mais ou menos aberta ao consumo de canábis para fins recreativos não tem nada a ver com este debate, neste momento. Espanha tem uma idiossincrasia particular, como referi na minha apresentação. Somos um país vizinho de Marrocos, que é um dos maiores produtores de canábis ilícita. Portanto, estamos no meio de uma rota de tráfico de droga para a Europa. Isto torna o assunto, penso eu, um pouco controverso, e podemos perceber por que é que um medicamento que inclui flor, por exemplo, é algo muito normal no ambiente europeu – Portugal, Alemanha, Reino Unido, Itália, Polónia, França, todos eles permitem a flor seca – e estamos em crer que a Espanha não o faça. Provavelmente, foi negociado com outros ministérios ou com outros organismos responsáveis pela aplicação da lei no país, que seria preferível não ter essa flor. E, na verdade, vimos hoje uma apresentação sobre a situação actual na Alemanha, onde as pessoas estão um pouco cépticas quanto ao papel da flor no medicamento, precisamente devido à falta de controlo que a flor tem, tanto por parte dos doentes, como dos médicos. Pessoalmente, penso que a flor é uma ferramenta muito, muito eficaz e útil para fins medicinais, mas não se pode negar que é a principal apresentação para fins recreativos. 

Janosch, sei que vive e trabalha sobretudo na Alemanha, mas cresceu em Espanha e tem uma forte ligação ao país. Enquanto médico, como vê esta situação em Espanha e o que separa o uso recreativo do medicinal?

Janosch: É uma situação engraçada, porque entrei na canábis medicinal quando ainda vivia em Espanha. Nessa altura, em 2015, mais ou menos, a Espanha era bastante aberta em termos de utilização de canabinóides e também em termos de investigação – havia o Observatório Espanhol [de Canábis Medicinal], havia muita investigação a sair de Espanha, relativamente aos canabinóides e ao sistema endocanabinóide, não investigação médica clínica, mas investigação pré-clínica, e o país era muito aberto, relativamente aos canabinóides e à canábis. Havia clubes sociais de canábis, cada pessoa podia cultivar duas plantas, em determinadas circunstâncias, e era, na Europa, realmente, uma das leis mais abertas relativamente à utilização de canabinóides. Passo a passo, comecei a trabalhar no local ou a investigar a canábis, a ler sobre o assunto, e nunca teria esperado que, dez anos mais tarde, a Alemanha, que na altura tinha uma das leis mais restritivas e não permitia o cultivo, não permitia o consumo, não tinha uma lei médica, tivesse mudado completamente. Portanto, isto mostra um pouco que em Espanha não se avançou muito, infelizmente, e depois na Alemanha e em muitos outros países europeus muitas coisas avançaram para um comportamento mais liberal em relação aos canabinóides. Por isso, espero, e penso que é mais do que necessário, que em Espanha exista algum tipo de acesso, especialmente para os doentes. É difícil fazê-los compreender que podem ir a um clube de canábis, comprar canábis e fumá-la, mas se for por razões médicas, não é permitido. É, de facto, uma situação muito peculiar. Não há muitos sítios no mundo onde se possa consumir canábis de forma recreativa, mas não medicinal; normalmente é medicinal e depois vem a parte recreativa. Por isso, é uma pena e espero que, mais cedo ou mais tarde, tenhamos uma regulamentação.

Quais são as principais implicações para os pacientes, em primeiro lugar, desta regulamentação restritiva, tendo em conta que sabe que muitos pacientes poderiam beneficiar de uma canábis regulamentada, com melhor qualidade e mais segura? Creio que a maioria deles dependerá do mercado ilícito…

Janosch: O problema é que podemos ver que, em países onde não há acesso à canábis medicinal, as pessoas continuam a consumir canabinóides para fins medicinais. Não há controlo, ou há auto-administração sem controlo de qualidade, sem controlo de dose, sem conhecimento. Assim, consomem qualquer tipo de produto de canábis medicinal que recebem e consomem-no sem controlo. Não é essa a situação com que, enquanto médicos, gostaríamos de trabalhar. Queremos um produto regulamentado, num ambiente regulamentado, prestando atenção às indicações, contra-indicações, etc. Por isso, ter medo de o regulamentar para fins medicinais impede que se possa realmente ajudar os doentes, porque bloquear o acesso aos doentes não está a resultar. Na altura, isso era visível. Estava a falar de 2015. Ainda havia associações médicas onde as pessoas iam, para a tomar com fins medicinais. Não havia médicos a prestar atenção ao assunto, mas era um assunto aberto e havia associações médicas a trabalhar com ele. Por isso, para nós, médicos, fechar os olhos e dizer “Ok, se não vemos, não existe” não é o caminho certo. 

“As flores continuarão a existir e o que se passa é que em Espanha podemos cultivá-las por nós mesmos”

Vê algum aspecto positivo nesta regulamentação que Espanha está a propor? 

Janosch: Um aspecto positivo é o facto de estarem a propor algo. Depois de muitos anos a falar sobre o assunto, lutar por ter algum tipo de regulamentação, penso que, da forma como está planeada agora, vai haver grandes limitações na prática, quando estas leis, e a forma como estão planeadas hoje, se aplicarem à realidade. Haverá algumas questões, como a dispensa nas farmácias hospitalares. Suspeito que haja uma percentagem muito elevada de pessoas com dores crónicas graves, se considerarmos apenas uma das principais indicações. Para que essas pessoas tenham acesso, têm de estar perto de um hospital. Primeiro, precisam de encontrar uma consulta com um especialista. Depois, encontrar um especialista que esteja disposto a trabalhar com este tipo de substâncias. Para isso, têm de ser formados, o estigma tem de ser reduzido, etc. E depois, nesta área hospitalar, têm de ter a possibilidade de receber prescrição de canabinóides. Portanto, isto vai ser um enorme obstáculo, porque como tratamento coadjuvante, não é apenas uma coisa específica que se começa; tem de continuar, é preciso uma avaliação contínua, é preciso voltar a ver os doentes, etc. E isto, penso eu, não vai ser tão fácil como as pessoas estão a pensar. Se virmos os cálculos e quantos doentes são esperados, penso que serão muitos mais. E se não o fizermos da forma correcta, vamos acabar por empurrá-los para o mercado ilícito, que em Espanha é muito grande. E esse é um pouco o problema, porque existem associações de canábis, mas não há controlo de qualidade. Quero dizer, presumo que não tem de ser necessariamente de má qualidade, mas para as pessoas em cuidados paliativos, imunodeprimidas, etc., precisamos de canabinóides de muito boa qualidade para que possamos garantir que saem de um sistema médico e não de um dispensário qualquer.  

Guillermo e Janosch durante a entrevista na Universidade de Berna. Foto: Laura Ramos | CannaReporter®

Estou a pensar também, talvez, nas fórmulas disponíveis para os doentes. Se retirarmos a flor, o que é que resta? Existem formulações, como óleos, já registadas e disponíveis em Espanha? 

Guillermo: Ainda não, porque a legislação não foi aplicada. Assim, uma vez publicada a regulamentação, a AEMPS concedeu três meses para a publicação das monografias, que serão basicamente as instruções que definirão as especificações destes produtos. Assim, esperamos que haja extractos orais semelhantes aos que temos noutros mercados, muito provavelmente em três quimiotipos. Veremos. Esperamos que haja THC elevado, THC e CBD equilibrados e CDB elevado. Haverá um número restrito de indicações, pelo que esperamos também doenças neurodegenerativas, dor crónica e síndromes epilépticas não tratáveis, embora saibamos com certeza que a Jazz Pharmaceuticals já levantou preocupações sobre a utilização de canábis medicinal em vez do Epidyolex, o que é uma avaliação justa, mas penso que o programa vai ser muito limitado e muitas pessoas, especialmente os doentes antigos, vão ficar frustradas. Mas, ao mesmo tempo, tem alguns aspectos positivos. O primeiro é o que o Janosch estava a dizer. Vamos poder ir ter com os médicos e conversar sobre o assunto, porque até agora ninguém quer falar sobre isso, uma vez que a legislação não está em vigor. Quando a legislação estiver em vigor, então começaremos a falar sobre o assunto. A segunda é que vai ser bastante simples, porque se temos tão poucas opções, não nos podemos distrair, o que significa que já sabemos, a partir de outros mercados, qual é o perfil do doente. Se tem um mercado de flores, o seu paciente é um homem entre os 35 e os 45 anos, se tem um mercado só de extractos, o seu paciente é uma mulher entre os 55 e os 65 anos. Portanto, há muitos doentes em Espanha que não têm um controlo adequado da dor, que têm comorbilidades graves, como insónias, depressão relacionada com a ansiedade e dor crónica, que, a partir do momento em que podem ser prescritos, podem beneficiar desta opção que não está disponível até agora. E o facto de não existirem flores vai reduzir algum do ruído e do estigma que, de outra forma, tornariam o processo mais complicado. Os médicos vão pensar: ‘não quero ter nada a ver com estas flores’. Mas se vier com uma seringa, como um xarope, e for algo para todas as senhoras que têm fibromialgia, então, porque não? Certo? 

Do ponto de vista farmacológico, não há diferença [entre o uso recreativo e o uso medicinal]”

Mas as flores vão continuar a existir. 

Guillermo: As flores continuarão a existir e o que se passa é que em Espanha podemos cultivá-las por nós mesmos. Pode juntar-se a uma associação com outras pessoas e ceder os seus direitos de cultivo. Todas estas iniciativas não são isentas de riscos. Mas muitos doentes vão continuar a beneficiar delas. 

E, como neurocientista, qual é a diferença entre o uso recreativo e o uso medicinal?

Guillermo: Do ponto de vista farmacológico, não há diferença. Se quisermos entrar nas nuances da questão, normalmente, o uso recreativo utiliza sempre o THC num formato de inalação: regra geral fuma-se um charro ou, agora, pode-se vaporizar a canábis ou utilizar uma caneta de vaporização, mas é sempre uma via de acção rápida, com THC. Agora, a maior parte do uso médico também requer THC, e alguns deles requerem uma via de administração de acção rápida. Assim, por exemplo, se tiver enxaquecas ou náuseas e vómitos na sequência de quimioterapia, é provável que queira o mesmo produto. É algo que provavelmente o deixará “pedrado”, e isso fará parte da experiência médica, mas não é o objectivo final. Quando se consome canábis para fins recreativos, pode-se fumar e fazer o que se quiser. Quando se consome canábis para fins medicinais, não se deve fumar. Por exemplo, a legislação no Reino Unido proíbe fumar. É preciso usar um vaporizador. É a mesma coisa? Não, não é a mesma coisa. Com um vaporizador, tem-se controlo: controla-se a temperatura, controla-se a experiência e a dosagem. A canábis para fins recreativos não implica um controlo da dosagem, por si só. Mas o uso medicinal da canábis exige um controlo preciso da dosagem, pelo que é necessário um vaporizador. E não há combustão. É uma forma de administração mais saudável, mas o mais importante é que se pode controlar melhor a dose. Depois, temos experiências de vias orais de administração para fins recreativos. As pessoas fazem os seus brownies, há os comestíveis, que também são utilizados para fins recreativos. Duram mais tempo, só é preciso tomá-los uma vez. É preferível ter experiência acerca do que esperar, porque o efeito é diferente, mas, do ponto de vista médico, é mais fácil usar um produto oral e não ter muito menos psicoactividade. É muito difícil eliminar a psicoactividade se utilizarmos uma via inalada, se vaporizarmos é muito difícil eliminá-la, mas é por isso que é importante controlar a dose. Mas, por via oral, é possível acumular os canabinóides no corpo, pouco a pouco, sem ter uma psicoactividade evidente e, portanto… 

Está a falar de titulação? ‘Start low, go slow!’?
Guillermo: Não só a titulação, mas o facto de se consumir repetidamente, todos os dias.

Portanto, ganhar algum tipo de tolerância.

Guillermo: Os canabinóides vão acumular-se no corpo, nos tecidos adiposos, no cérebro, e atingem um estado equilibrado, o que significa que não se trata de tomar uma vez, mas sim de tomar várias vezes até atingir um nível estável. 

Se pudessem, cada um de vós, aconselhar o governo espanhol sobre a forma de regulamentar a canábis em Espanha, quer para fins medicinais, quer para fins recreativos, quais seriam as vossas propostas? 

Guillermo: Para mim, sinceramente, depois desta palestra que acabei de fazer, que é uma coisa que eu recuperei de há três anos, vejam a perspectiva de há três anos e vejam o que temos agora. Não estou a recomendar ao governo espanhol o que fazer. Penso que já fizeram o que queriam fazer. Nós demos a nossa opinião e ela foi ignorada. Por isso, nesta altura, para que isto seja feito, para que acabe, quero o regulamento. Quero as regras do jogo! E quando as regras do jogo estiverem definidas, podemos começar a jogar e veremos como podemos alinhar o nosso objectivo, que é aumentar o acesso. Honestamente, é para isso que estamos a trabalhar, para que o maior número possível de doentes tenha acesso a um medicamento que pode, efectivamente, mudar a sua qualidade de vida.

“É mais importante agora que estabeleçamos as bases para um acesso medicinal adequado, que é o que muitos pacientes não têm. Penso que fazer com que os doentes passem por escapes recreativos é cruel”

E quanto à vertente recreativa? Espanha é o país que acolhe a Spannabis, numa semana inteira dedicada à parte recreativa da planta.

Guillermo: Penso que a cena recreativa em Espanha é bastante saudável. Os regulamentos estão em vigor para que o mercado se desenvolva e as experiências que temos com a canábis recreativa não são necessariamente positivas. Não trazem, nem sustentam, valor para a maior parte da cadeia de valor. Mesmo as pessoas que começaram a trabalhar na Califórnia, há muitos anos, têm problemas fiscais, problemas bancários, problemas de segurança. Por isso, penso que, tendo em conta que as opções para uso recreativo em Espanha são muitas e que é bastante tolerado, é mais importante agora que estabeleçamos as bases para um acesso medicinal adequado, que é o que muitos pacientes não têm. Penso que fazer com que os doentes passem por escapes recreativos é cruel e não se deve sequer considerar que é preciso cultivar ou ir a um clube quando se pode obter aconselhamento médico, aconselhamento farmacêutico e um tratamento adequado quando se é um doente. Se quisermos um produto recreativo, ainda há muito misticismo e muito mistério em volta disso, que podem ser satisfeitos. 

E qual é a sua opinião, Janosch?

Janosch: Penso que, no que respeita à medicina, o importante agora é começar. Era disso que estávamos a falar antes. Estamos agora na mesma posição de há três ou, talvez até, cinco anos, quando toda a discussão começou. De qualquer modo, o mais difícil, no início, é mostrar aos médicos que aquilo que nos foi dito nos últimos trinta, quarenta anos – que a canábis é uma droga perigosa – pode ser utilizado de forma clinicamente correcta e benéfica. Se começarmos agora com três ou cinco preparações diferentes, não importa, é o primeiro passo. É educar os médicos, é educar também os pacientes, para que saibam que esta não é uma substância mágica que cura todo o tipo de coisas, desde dores a queda de cabelo, porque também há muitas ideias erradas e é preciso começar a fazê-lo. Mais cedo ou mais tarde, eu desejaria que a Espanha utilizasse a experiência de outros países vizinhos da Europa no processo legislativo. É preciso começar e depois, no primeiro processo, descobrem-se os problemas, que são um pouco diferentes em todos os países. Na Alemanha, tivemos, nos primeiros cinco anos, um período em que estavam a observar, a recolher dados e agora estão a mudar as coisas. E penso que em cada país isto vai ser, de qualquer forma, o mesmo. Agora, em Espanha, com as farmácias hospitalares, vão ter de descobrir como armazenar e distribuir, as cadeias de abastecimento e tudo o que é importante. Não se trata de o tornar perfeito agora, mas o importante é começar a normalizá-lo. Porque, quero dizer, é um novo tipo de droga. É uma modulação de um… não quero dizer novo sistema endógeno, porque não é nada de novo, só o descobrimos muito tarde, mas esta modulação deve ser normalizada dentro da medicina. E isto é o mais importante, mas leva tempo. Quer dizer, na Alemanha começámos em 2017, e devo dizer que agora, mais ou menos, chegou à maior parte dos médicos. Por isso, eles sabem que não se trata de uma fórmula mágica; é um medicamento simples, como fazemos também com outros medicamentos. E isto é importante para a Espanha ver. E mais tarde, para mim, é simplesmente lógico incluir também um produto de acção rápida. Estou a dizer, propositadamente, de acção rápida porque, para mim, não precisa de ser necessariamente uma flor. O problema com a flor é que é o mesmo produto que temos para uso recreativo e para uso médico. Pode ser outra coisa, mas se olharmos, por exemplo, para o Tramal, Palladone ou outros medicamentos analgésicos, temos sempre os de acção prolongada e os de acção rápida. E é completamente normal que os combinemos. Tomamos cem miligramas de manhã e à noite e, se tivermos dores a meio do dia, tomamos os de acção rápida. É um cenário completamente normal em todos os hospitais ou em todos os meios médicos em todo o lado. Por isso, só o facto de haver uma acção prolongada, neste caso, dos óleos, que duram mais tempo, é um grande passo, mas penso que, para um bom e completo tratamento, precisamos também dos de acção rápida. Esta é a minha opinião, relativamente a isto. Mas nesta altura, como estávamos a dizer no início, é importante começar, porque depois, para acrescentar uma nova indicação ou para acrescentar algo, se a configuração do sistema estiver bem e os médicos estiverem abertos a isso, não é muito complicado dizer ‘Ok, agora acrescentamos as enxaquecas’ ou o que quer que seja, ou não; não é isso que está em causa. O primeiro passo é educar e convencer os médicos, mostrando-lhes como é que a substância funciona e o que podemos fazer com ela, o que é que podemos esperar e tudo o mais. E, a partir daí, continuar a desenvolver todo o sistema. Mas o que é importante é começar, porque o que se passa, e a razão pela qual há tantas histórias engraçadas sobre isto, é que é como um plano na caixa, que está na caixa e continua a modificar-se, mas fica lá durante anos e anos. E isto, penso eu, num dos países mais abertos, no que diz respeito à utilização desta flor, é realmente uma forma peculiar de fazer as coisas. E é o tempo. E depois é necessário, especialmente tendo lá o recreativo. 

E todos sabemos que é preciso muito tempo nesta indústria, para avançar. Em Portugal, a situação é semelhante. Já foi regulamentado em 2018 e os pacientes ainda lutam para ter acesso à canábis medicinal. Assim, tendo em conta que leva tempo, em que é que se vão concentrar no futuro? Começando por si, Janosch, qual será o principal foco do seu trabalho, nos próximos anos? 

Janosch: Para mim, o foco é a investigação da terapia da dor, neste momento da dor crónica, através da modulação do sistema endocanabinóide no campo da dor da endometriose. Neste momento, na Universidade Charité de Berlim, temos a decorrer o nosso primeiro ensaio. O ensaio observacional está agora a terminar. Estamos a começar o próximo, que vai ser com muito mais doentes, com cem doentes. O primeiro foi com trinta, por isso estou ansioso por obter novos dados e, espero conseguir, em conjunto com o nosso grupo de trabalho com a Sociedade Espanhola da Dor, criar um ambiente saudável e um bom programa educativo para os médicos espanhóis, no domínio da canábis medicinal. Penso que estes são dois temas que gostaria de ver abordados nos próximos anos.

“Esperamos conseguir mostrar aos médicos como utilizar esta planta. Não é uma ciência espacial, é bastante simples”

E o Guillermo?

Guillermo: Estou muito entusiasmado por começar a trabalhar em Espanha. Nos últimos cinco anos, trabalhei na Colômbia, na Alemanha e no Reino Unido, a partir de Espanha. Por isso, temos sempre a impressão de que nunca vemos o fruto do nosso trabalho. Estou muito entusiasmado por começar a trabalhar com médicos espanhóis para trazer a educação, o conhecimento e as provas que gerámos. Esperamos conseguir mostrar aos médicos como utilizar esta planta. Não é uma ciência espacial; é bastante simples. Esta é uma planta medicinal que existe há muito tempo e, na minha posição, obviamente, estamos sempre a pensar em como inovar, como fazer novos produtos à base de canabinóides. Por um lado, penso que os canabinóides são produtos naturais e que a canábis pode ser considerada uma planta medicinal. E uma das características das plantas medicinais é o facto de serem utilizadas pelo doente sem a supervisão de um médico, o que é a realidade de muitos pacientes. Não há médico envolvido e conseguem na mesma tratar os seus sintomas com a planta. E nós vimos isso nesta conferência, que realmente tem uma oposição frontal ao modelo farmacêutico tradicional, em que eu preciso de criar propriedade intelectual, estrangulando a natureza para a possuir. Certo? Ou fazer combinações de medicamentos ou qualquer outra estratégia que crie propriedade intelectual, para que uma empresa farmacêutica possa retomar o enorme investimento em tempo e recursos que precisa de fazer, para obter uma autorização de comercialização. Por isso, estamos um pouco à nora, entre o que eu realmente quero e o que uma empresa farmacêutica gostaria de fazer. Uma coisa que me entusiasma é que estamos a ver o tipo de analgésico que a canábis é, ou que os canabinóides são, ou o tipo de analgesia que advém da activação do sistema endocanabinóide. Não dispomos de um número ilimitado de analgésicos. Temos, provavelmente, três ou quatro grandes famílias de analgésicos, e são todas diferentes. Os canabinóides ainda não foram completamente caracterizados porque, até agora, os medicamentos que têm autorização de comercialização não são para a dor. E as provas que temos sobre a dor provêm do mundo real. Mas, cada vez mais, vemos que os canabinóides, ou o sistema endocanabinóide, controlam os aspectos emocionais da dor crónica, e isto é algo para o qual não temos ferramentas selectivas para lidar. E é só recolher estas provas e ser capaz de mostrar aos médicos as nuances da canábis e como não se pode, simplesmente, substituir os canabinóides por qualquer outro medicamento, que é uma das coisas que eu realmente gostaria de poder fazer no futuro. 

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação do XXI Governo Português. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “O que diz Lisboa?” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e coordenadora da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” em 2018 e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

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