Entrevistas
Sita Schubert: “A fórmula magistral está nas directrizes europeias, por isso deve ser aplicável, também em Portugal”

Apesar dos avanços registados nos últimos anos, a canábis medicinal na Europa continua a enfrentar uma barreira determinante: a falta de harmonização regulamentar entre os diferentes Estados-Membros. Esta fragmentação não só compromete a qualidade dos produtos como também dificulta o acesso dos pacientes aos tratamentos, alerta Sita Schubert, Secretária-Geral da European Medicinal Cannabis Association (EUMCA).
Licenciada em Direito, Sita Schubert tem dedicado o seu trabalho a promover o diálogo entre decisores políticos, indústria e comunidade médica, com o objectivo de consolidar um quadro regulamentar mais claro e eficaz na União Europeia.
Sita é actualmente uma das principais vozes em conferências europeias, debatendo os temas mais prementes da indústria da canábis medicinal a nível internacional. As próximas em que vai participar como oradora são a Science in the City International, em Bordéus, França, a 11 e 12 de Setembro, a CB Expo, de 18 a 20 de Setembro, em Dortmund, na Alemanha, e a PTMC – Portugal Medical Cannabis, nos dias 25 e 26 de Setembro, em Lisboa.
Nesta entrevista ao CannaReporter®, realizada durante a ICBC — International Cannabis Business Conference em Berlim, descobrimos um pouco mais sobre Sita Schubert, o papel da EUMCA, os principais entraves ao desenvolvimento do sector e as oportunidades que a canábis medicinal pode trazer para o futuro da saúde na Europa.
Sita, muito obrigada por conceder esta entrevista ao CannaReporter®. É um prazer finalmente entrevistá-la e saber mais sobre si e sobre o que faz nesta associação europeia. É advogada, de formação, com muita experiência na indústria farmacêutica, e agora está na área da canábis. Conte-nos um pouco mais sobre si e como acabou por trabalhar nesta área.
Em primeiro lugar, obrigada pela oportunidade de estar aqui, é realmente uma honra dar esta entrevista. Da minha perspectiva, sou uma advogada totalmente qualificada e trabalhei na indústria farmacêutica; depois, criei a minha própria empresa, com a qual estou a introduzir empresas farmacêuticas no mercado alemão. Um dia, pediram-me para apoiar uma empresa que estava com dificuldades para se registar na Alemanha e eu disse: “Ok, isso é simplesmente impossível no sector da saúde”. Então, aceitei o desafio; era uma das principais empresas fabricantes de canábis, com a qual começámos, e estabelecemo-la aqui como entidade alemã, com licença de venda grossista, de fabricante, etc., e assim, mais e mais empresas vieram. Em 2019, decidimos que, para estarmos preparados para o futuro, precisávamos de uma associação em Bruxelas para discutir a canábis medicinal numa perspectiva mais ampla, e não apenas numa perspectiva nacional, porque ainda víamos regulamentações fragmentadas, o que tornava as coisas muito difíceis. E achámos que não era realmente justo que fosse apenas o local onde se nasce a determinar que tipo de tratamento se recebe. Foi por isso que criámos a Associação Europeia de Canábis Medicinal e quero realmente frisar que não se trata de uma associação industrial, mas sim de uma associação com uma voz única, o que significa que parte das nossas associações são associações farmacêuticas, associações de doentes, associações de médicos, bem como empresas de canábis. Portanto, temos aqui uma perspectiva ampla, onde trocamos informações a todos os níveis, a fim de compreender as necessidades dos doentes e de permitir o acesso ao mercado a doentes com as chamadas necessidades médicas não satisfeitas, para que possam receber um tratamento com canábis, se o médico responsável pelo tratamento assim o decidir.
“As empresas na Alemanha estão bem estabelecidas, seguem as regulamentações, o que significa produtos de alta qualidade, acesso muito coordenado ao mercado, responsabilidade do paciente e ter a farmácia envolvida, bem como o médico responsável”
Mora na Alemanha, que é um caso bastante especial na Europa, actualmente, porque está a ser o país pioneiro naquilo que pode vir a ser o futuro da indústria da canábis medicinal na Europa. Qual é a sua visão sobre a indústria da canábis na Alemanha?
Acho que o modelo alemão resolveu muitos problemas, o que talvez outros países ainda não tenham conseguido. A introdução da canábis medicinal na Alemanha vem de uma decisão do Supremo Tribunal, porque um paciente pediu este tratamento e não foi reembolsado pelos seguros de saúde. Então, o juiz decidiu permitir o cultivo doméstico, o que, claro, para um país não é possível devido à Convenção Única e, então, da noite para o dia, recebemos não só uma regulamentação que deu acesso ao mercado com condições claras para tratamentos com canábis medicinal, mas também regulamentou o reembolso. E acho que essa foi exactamente a posição certa a tomar, porque, caso contrário, estaríamos a dar ao paciente acesso a um tratamento e, em seguida, a vedarmos-lhe a oportunidade de lhe aceder, deixando-o à mercê do mercado ilícito para procurar tratamento — o que, obviamente, não é uma opção, tendo em conta a população frágil de pacientes com que nos deparamos — pacientes em cuidados paliativos, crianças com epilepsia, etc. Como estamos no sector medicinal, acho que se trata de um produto farmacêutico que deve cumprir os regulamentos farmacêuticos, cujo principal objectivo é a eficácia e a segurança do paciente.
E quais são, na sua opinião, os maiores desafios neste momento, tanto para os pacientes, como para as empresas, aqui na Alemanha?
Acho que as empresas na Alemanha estão bem estabelecidas, seguem as regulamentações, o que significa produtos de alta qualidade, acesso muito coordenado ao mercado, responsabilidade do paciente, ter a farmácia envolvida, bem como o médico responsável pelo tratamento e que cuida do paciente. Quando vemos o estudo da grande indústria farmacêutica sobre os últimos cinco anos e analisamos os dados, é muito encorajador ver quantos pacientes – cerca de 16.000 conjuntos de dados – tiveram um benefício. E temos, aqui, taxas de 70, 80% de tratamento eficaz e com um nível muito baixo de efeitos adversos, especialmente de efeitos graves. Acho que isso é algo em que a Alemanha está bem; outros países ainda estão atrasados, a este nível.
E o que acha que ainda se pode melhorar?
Primeiro observo o acesso, que está sempre em discussão, especialmente o tratamento com flor de canábis. Há pacientes com dores muito intensas, que dependem muito de um mecanismo rápido de alívio da dor. E eles continuam dependentes das flores. Mas, claro, vinda do mundo farmacêutico, acolho qualquer tipo de forma de dosagem e modo de administração que facilite a vida ao paciente. Tratar uma criança é uma coisa, tratar um adulto ou um paciente idoso, que talvez não consiga engolir muito bem, é outra coisa, e acho que precisamos de ter muito mais modos de administração, seguindo, em última análise, a recomendação do médico. Que tipo de forma de administração é menos orientada por reguladores que têm uma ideia do aspecto de um produto acabado? Toda a gente que vai à farmácia comprar uma preparação magistral sabe que se trata de uma preparação magistral; não é um medicamento que tenha sido totalmente aprovado pela Agência Europeia de Medicamentos. E aqui chegamos à segunda etapa de uma abordagem europeia, que é a necessidade de uma espécie de processo de autorização especial para este produto. Portanto, temos muitos membros [da EUMCA] que pretendem preparar um medicamento à base de canábis, mas ainda não está claro que tipo de caminho regulamentar podemos seguir em relação a muitos outros medicamentos.

Sita Schubert regressa esta semana como oradora à Science in the City International, em Bordéus, França.
Por que é que acha que isso acontece?
Quando se vem da grande indústria farmacêutica e se cria um medicamento, tem-se a protecção da lei de patentes durante 20 anos, para recuperar os investimentos. Isso não é possível com uma planta como a canábis medicinal. E temos, é claro, a via dos estudos comparados. Assim, como vemos que este tipo de planta tão abençoada tem tantas variedades, tantas características, precisamos de encontrar uma forma de regulamentação, como registar este produto e como preparar ensaios clínicos para gerar dados que possam ser convincentes para os reguladores. E aqui talvez precisemos também de pensar nalgum tipo de sistema de recompensa. Como podemos recompensar as empresas que estão a envidar esforços, dedicação e, seguramente, recursos financeiros para registar um medicamento? Sabemos como é dispendioso, hoje em dia, registar um produto farmacêutico. E se não há nada do outro lado a fornecer protecção de mercado… aqui estou a pensar, por exemplo, num modelo de medicamentos órfãos. Portanto, se se estiver a investir no desenvolvimento de um medicamento órfão, obtém-se uma exclusividade de mercado para esta indicação, para este doente, durante cerca de 10 anos. E penso que, como a indústria é tão jovem e não conseguiu acumular reservas financeiras próprias, tem de recorrer a investidores, a qualquer tipo de esquemas de financiamento, para obter o dinheiro necessário para poder registar um produto. Mas, claro, neste mundo é preciso mostrar aos investidores que há alguma forma de eles recuperarem o dinheiro que investiram. E acho que considerar um tipo de modelo de recompensa, como para os medicamentos órfãos, seria a forma certa de apoiar as empresas sérias que estão realmente a trabalhar com uma responsabilidade muito grande em mãos, em relação aos pacientes, procurando formas de melhorar as suas vidas, a sua qualidade de vida. Acho que essa seria uma boa abordagem inicial.
Então, como associação, imagino que aceitem membros de empresas e organizações sem fins lucrativos. Quantas entidades têm na associação e qual é o foco da associação?
A associação procura encontrar, digamos, entendimentos comuns. Como também ouvimos em tantos tipos de eventos, a situação fulcral é a informação e a educação. É claro que aqui estamos a contar com pessoas que o podem fazer, mas trata-se, obviamente, de algo com custos elevados, porque primeiro é preciso identificar quem se quer informar e educar e isto é, evidentemente, algo que pode ser feito se se tiver um orçamento, uma vez que hoje em dia todas as empresas são demasiado pequenas para terem uma situação global e abrangente de educação. Talvez tenhamos de nos unir com este objectivo, com o nosso interesse, que é muito comum em todos os tipos de associações, de informar e educar as partes interessadas. Serão os médicos? São os doentes? As seguradoras de saúde? As entidades reguladoras? Decisores políticos? Penso que este é um aspecto crucial, e é aqui que estamos unidos para fazer avançar as coisas e talvez também para estabelecer uma espécie de conhecimento comum com base numa terminologia comum. Comecemos por aí. Porque a canábis não é canábis – há haxixe, há cânhamo, há canábis… Portanto, penso que aqui já estamos a cometer um erro, se considerarmos que a outra parte sabe do que estamos a falar; aqui já podem começar os primeiros mal-entendidos. E quanto à educação, depende das pessoas em que estamos a pensar, por exemplo, outros médicos. A educação só pode provir dos médicos, porque assim podem partilhar a sua experiência comum, os seus conhecimentos, etc., e sabem como falar uns com os outros. Trata-se, sem dúvida, de um tipo de intercâmbio muito orientado pelos dados e pela experiência, enquanto, por exemplo, a nível político, é necessário ser mais genérico para que as pessoas compreendam uma mensagem sobre o produto, que é, obviamente, muito difícil de preparar. Portanto, penso que isto está a unir-nos como associações para fazer avançar as coisas. E, como disse também hoje no meu discurso, não se trata de fazer lobbying, porque a planta é tão abençoada e todos concordamos que tem tantas características e tantas potencialidades, que o que importa é informar. E vamos começar por aí. E aqui penso que existem excelentes exemplos, nesta indústria de médicos, associações, etc., que estão a fazer um trabalho fantástico nesse sentido, mas ainda estão sozinhos e não são financiados, por isso, temos de mudar essa situação. E penso que isto é algo que podemos fazer em comunidade para os apoiar, não para promover um produto específico ou uma variedade específica, mas para reunir algo que é reconhecido também no campo educativo como educação, não como promoção.
“Temos taxas de 70, 80% de tratamento eficaz e com um nível muito baixo de efeitos adversos”
Esta manhã, nas conferências do ICBC, falou sobre a evolução da indústria da canábis na Alemanha. O que é que gostaria de ver acontecer na Alemanha no futuro?
Gostaria que a indústria adoptasse as normas, porque penso que, por vezes, ela não está consciente de que entra no mundo farmacêutico quando entra na Europa. Penso que este é ainda um grande mal-entendido, porque muitas empresas que vêm de mercados mistos, recreativos e medicinais, podem ter as ferramentas correctas, mas não estão familiarizadas com os hábitos farmacêuticos, como costumo dizer. Não se trata tanto de promover algo. Trata-se mais de dados convincentes e partilha de experiências. Penso que é aqui que a Alemanha deve dar o próximo passo e tem manifestamente de clarificar e seguir o caminho medicinal, para garantir que os pacientes recebam o melhor apoio possível. E se um médico responsável pelo tratamento não for a favor desse tratamento para o seu paciente, então acho que essa é a abordagem correcta, porque ele é responsável pela saúde e segurança dos seus pacientes, é claro.
Mas na Alemanha, o que aconteceu foi que, quando o governo regulamentou o uso recreativo da canábis, muitas pessoas pediram receitas médicas, por isso, o número de prescrições aumentou. Como vê a diferença entre o uso recreativo e o medicinal? Não estarão já muitas das pessoas que usam canábis recreativa a utilizá-la de modo terapêutico?
Bem, disseram-me uma vez, e tive de o aceitar, que também há, naturalmente, na área recreativa, muitos, muitos doentes que se tratam a si próprios – uma espécie de auto-cura. Portanto, há muitas pessoas com doenças, que talvez não se atrevam a ir ao médico ou não queiram ser vistas como uma pessoa com depressão, com ansiedade, como também há todo um tipo de doenças mentais, em relação às quais as pessoas enfrentam uma grande barreira para falar, logo tentam gerir a situação por si mesmas. Algumas fazem-no com álcool, outras com o que quer que seja. Por isso, penso que, em primeiro lugar, é preciso banir o estigma de ter problemas mentais e psicológicos e encará-los como doenças normais. A segunda é, obviamente, que quando temos doenças e as estamos a tratar, temos de ter uma abordagem muito séria, uma abordagem de valor ético, para estarmos ao serviço do doente, porque, para mim, a única justificação para estar presente como empresa na indústria da canábis é o doente; não há outra justificação para isso. E, a meu ver, precisamos efectivamente de trazer de volta várias empresas que estão a tentar rentabilizar o sistema e já temos decisões judiciais claras sobre várias questões, em que o sistema vê que se está a seguir o caminho errado. E considero que isto é correcto, julgo que as pessoas devem ser avisadas para não continuarem assim, porque também estão a prejudicar outros mercados. Penso que, na Alemanha, conseguimos mostrar muito bem aos outros países europeus que não é verdade que todos os jovens de 20 anos recebam imediatamente medicamentos e canábis no seguro de saúde obrigatório, por terem dores nas costas pela primeira vez. Todos os dados mostram que não é esse o caso. Os principais consumidores são os que têm entre 55 e 75 anos, e que enfrentam doenças graves. Portanto, penso que este foi um resultado muito bom e que prova a seriedade dos nossos médicos e o seu comportamento ético. Mas é evidente que também há empresas externas que tentaram contornar vários tipos de situações e isso é algo com que temos de ter cuidado, porque pode prejudicar-nos, não só na Alemanha, mas também em todos os outros mercados, uma vez que as entidades reguladoras “não andam a dormir”; eles estão alerta, claro, e decididamente tal não lhes agrada e não querem que isso seja introduzido nos seus países. Portanto, a indústria pode ser prejudicada em vários países, simplesmente por causa de algumas “ovelhas negras”.

Sita Schubert, Laura Ramos, Cristina Sanchéz and Mara Gordon na edição deste ano da ICBC, em Berlim
Acha que a Europa, apesar de ter muitos países com regulamentações diferentes, beneficiaria de uma legislação ou regulamentação europeia comum, no que diz respeito à canábis medicinal?
Creio que aquilo que a Europa pode fazer é apenas preparar um enquadramento, porque os cuidados de saúde continuam a ser da responsabilidade de cada país, o que penso ser a abordagem correcta, com base no seu potencial, no que podem fazer, etc. Mas julgo que o que deve ser evitado é que cada país possa simplesmente decidir não ajudar os seus doentes, apesar de estarmos num sistema de saúde social aqui na Europa e os doentes estarem a contribuir para este sistema. Portanto, acho que é uma abordagem muito estranha não dar a um paciente o tratamento que deseja, especialmente quando acabamos por ter uma necessidade médica não satisfeita, em que não há outra possibilidade. Mas penso que um enquadramento, primeiro sobre medidas de qualidade, como já começámos a ter, no caso da farmacopeia europeia, uma monografia comum sobre flores e tenho a certeza de que seguirão alguém igualmente para os extractos, já é também, para as empresas, uma espécie de medida de segurança. Se eu cumprir este tipo de condições, então posso aceder a um mercado e estar lá para os pacientes. E, se tivermos algo assim, acho que é muito útil haver um entendimento comum sobre o que significa qualidade. Por outro lado, considero que existir a obrigação de dar acesso e reembolso – sendo o valor do reembolso, novamente, uma questão de cada país – seria um passo em frente muito significativo para os pacientes.
E quanto ao mercado de CBD? Qual é a sua opinião sobre a confusão em torno do CBD na Europa?
Bem, no final, foi tomada a posição de que se trata de um novo alimento [novel food], o que basicamente pode ser uma abordagem. Acho que o que é muito frustrante é a lentidão da Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (EFSA), que já provou em tantos casos que é uma espécie de barreira biológica. Levamos isso tão longe que deixa de ter interesse. Como, por exemplo, a discussão sobre probióticos: é do conhecimento geral que os probióticos são muito úteis para a digestão, etc. e, ainda assim, não podemos obter probióticos pela via comum. E aqui temos a situação com o CBD, que é a mesma, ou seja, é tão somente uma proibição e, no final, pedir cada vez mais dados é um campo de batalha, porque cada empresa do sector é muito jovem para ter os recursos financeiros que permitam criar toda essa enorme quantidade de dados solicitados. Acho que aqui talvez precisemos de seguir outro caminho, que pode ser uma matriz, em que o limite de quantidade X, Y, Z seja possível em alimentos ou cosméticos. E aquilo que esteja para além desse limite deve ser também registado como um produto farmacêutico, como temos no caso das vitaminas e de outros produtos semelhantes; acho que essa poderia ser uma solução aceitável para todos.

Sita integra este mês também um painel na CB Expo, em Dortmund, Alemanha, que decorre de 18 a 20 de Setembro
E como vê os novos clubes sociais aqui na Alemanha, a forma como estão a funcionar?
Bem, da minha parte, não estou envolvida em nenhum tipo de clube de canábis e não posso ter uma opinião sobre algo que não conheço. Acho que as dificuldades em tantas áreas relacionadas com os clubes de canábis, como dissemos, começam com a parte financeira, etc, portanto, vamos ver até onde isso nos vai levar, porque é claro que todos reclamam que as regulamentações são muito rígidas, mas também vemos que, noutros países, se não há regulamentação, então o “polvo” está a ampliar o seu campo, se calhar noutras áreas até. Aquilo com que claramente concordo é com este tipo de legalização que abandona o mercado ilícito. Em primeiro lugar, é claro que muitos consumidores são menores de 20, 21 anos, portanto, para eles haverá sempre o caminho para o mercado ilícito e, sendo advogada, a minha experiência com o crime organizado é que eles nunca deixaram de começar outro negócio só por não ser permitido. Pode ver-se em muitos países que a prostituição é permitida e o tráfico de seres humanos por trás disso é um desastre, ou seja, no final de contas, isso não ajudou ninguém. Vejo isso aqui e estávamos a falar de estatísticas e de que elas estavam a mudar. Há um velho ditado que diz: «Nunca confie nas estatísticas que não foram falsificadas por si», e acho que aqui podemos ver que também há uma frustração do lado da polícia, que está a controlar pessoas que tem de libertar porque têm um miligrama a mais ou a menos do que é permitido pela legislação e, por outro lado, vemos, claro, que há muito crime organizado, que ainda existe, e o mercado continua a manter o valor elevado, o que mostra que não há qualquer tipo de infracção neste mercado ou qualquer tipo de mudança disruptiva, porque eles ainda estão aí. Eles continuam com a oferta e está tudo bem.
“Creio que aquilo que a Europa pode fazer é apenas preparar um enquadramento, porque os cuidados de saúde continuam a ser da responsabilidade de cada país, o que penso ser a abordagem correcta”
Mas acha que, no futuro, o mercado negro será reduzido através da crescente legalização nos países?
Acho que talvez as coisas possam mudar nessa área. Se houver lojas específicas, como acontece com os cigarros, então o mercado negro não fará sentido. Mas, mesmo assim, há pessoas que compram cigarros no mercado negro, porque não são tributados e são importados. E, para ser sincera, a situação também não foi resolvida nos EUA e em países onde tudo é legalizado. Portanto, ainda existe um mercado ilícito. E acho que aqui vemos abordagens mais preocupantes, como a adição de substâncias mais viciantes ao produto, para o tornar popular novamente. Já vimos isso com a heroína ou o que seja, em que tentam colocar metadona. Criam produtos como a metanfetamina cristal, muito, muito mais viciantes e muito, muito mais perigosos.
E os canabinóides sintéticos, por exemplo? Qual é a sua opinião sobre esse assunto?
Acho que a questão dos canabinóides sintéticos é que, se estiverem a seguir uma espécie de, digamos, passado farmacológico, essa é uma abordagem muito boa para ter uma abordagem padronizada e garantir a mesma qualidade, se se encontrar essa forma de o fazer. Mas acho que se começarmos a misturar algo, então, como eu disse, para o mercado ilícito pode não correr nada bem. O mesmo aconteceu quando surgiram os primeiros cigarros electrónicos de tabaco, que continham vitaminas. Tivemos casos de morte devido à queima de vitaminas E ou D, não me lembro bem, mas foram os primeiros casos de morte e ninguém esperava isso. Portanto, não temos ideia do que acontecerá se isso for misturado e consumido de uma forma que não seja prevista, nem mesmo pelas empresas que colocam esses produtos no mercado. Acho que aqui temos de ser mais cuidadosos e, sim, talvez primeiro analisar os dados antes de começarmos a trabalhar nisso.
Já esteve em Portugal? Conhece a indústria da canábis em Portugal?
Nunca estive em Portugal, mas é claro que sei que há, também devido ao clima, grandes oportunidades para o cultivo no vosso país. A vossa autoridade deu um passo muito significativo no nosso processo de registo, o que muito nos agradou, porque isso também proporcionou segurança adicional aos pacientes, mas também às empresas, para que elas tivessem um tipo de processo de registo formal. E acho que essa foi uma abordagem muito boa por parte de Portugal, sim.

Sita será ainda oradora na 7ª edição da PTMC, em Lisboa, no dia 25 de Setembro de 2025
Os pacientes portugueses ainda se queixam de que, apesar de sermos o segundo maior exportador do mundo – e exportamos muito para a Alemanha – ainda não têm acesso a canábis com qualidade farmacêutica. O que lhes aconselharia a fazer?
Bem, acho que não há muito que os pacientes possam fazer. Julgo que o governo tem de agir e, se já têm a bênção de ter um cultivo farmacêutico no vosso próprio país a um preço muito razoável, para dar aos vossos pacientes necessitados, pergunto-me por que razão isso não é feito.
Porque demora algum tempo para registar os produtos a nível farmacêutico e não temos as fórmulas magistrais nas farmácias, como têm na Alemanha.
Sim, mas a fórmula magistral está nas directrizes europeias, por isso deve ser aplicável também em Portugal. Na directriz estão regulamentados os produtos farmacêuticos, mas também a preparação magistral. É algo que é aplicável a todos os países europeus.
Então, acha que é possível fazer fórmulas magistrais com flores de canábis e extractos de canábis em Portugal, nas farmácias portuguesas?
Não conheço nenhum tipo de regulamentação interna que não o permita, ou talvez digam que tem de haver uma autorização específica para tratar canábis narcótica, mas, basicamente, a partir do conceito europeu de permitir o acesso dos pacientes a medicamentos, também há fórmulas magistrais, tenho a certeza, para citostáticos, por exemplo. Portanto, a fórmula magistral, tal como está, está prevista nos regulamentos, por isso não sei por que razão isso não seria aprovado.
Talvez por ser uma substância controlada?
Mas isso também se aplica a todos os citostáticos, porque são altamente tóxicos.
Ou morfina ou qualquer outra coisa.
Exactamente. É o mesmo com os opiáceos, porque também se pode fazer uma tintura de opiáceos. Às vezes, o produto final é demasiado forte ou demasiado fraco para casos específicos, então o laboratório farmacêutico e o hospital também fazem fórmulas magistrais com soluções de opiáceos para administrar aos pacientes, por isso acho que é algo que talvez deva ser analisado mais a fundo e identificado, para saber por que razão não é possível.
Vou investigar melhor isso, obrigada pela dica. O que tem achado da ICBC até agora?
É um evento muito animado, sem dúvida. É claro que também há muitas empresas recreativas, mas, por outro lado, não sou o tipo de pessoa que cria barreiras. Acho que precisamos de conversar e de convencer todos a chegar a um consenso, tendo em mente a segurança dos pacientes e dos consumidores, à procura de boa qualidade. Na semana passada, passou um programa na televisão, chamado “The Cannabis Experiment”, onde houve uma avaliação sobre a canábis medicinal e a canábis do mercado ilícito. E fiquei realmente chocada ao saber que uma das maiores impurezas do produto ilícito eram fezes humanas. Só de pensar que alguém está a colocar um produto com fezes humanas na boca, já é tão nojento…
Ou nos pulmões! (risos)
(risos) Portanto, acho que só isso já me impediria de experimentar algo assim e acho que é um assunto que deve ser considerado seriamente e transmitido também aos consumidores, de que essa não é a maneira certa; definitivamente, não.
É também por isso que a legalização é melhor; é um ambiente mais controlado, o que significa mais segurança para todos os utilizadores.
Exactamente. E acho que será interessante este modelo de dois pilares. Esses dados serão muito interessantes de analisar, e espero que tenham um resultado bom, muito semelhante ao inquérito da BfArM, para unir as empresas com o apoio da ciência na geração de dados e então talvez possamos olhar com muito mais abertura para o resultado, seja ele bom ou mau. Acho que temos algo que pode levar-nos ao próximo nível de decisão.
Tem alguma ideia de quantos utilizadores recreativos e quantos pacientes medicinais existem na Alemanha?
Sei que temos cerca de 300,000 pacientes medicinais. Quanto ao uso recreativo, é uma incógnita; é algo que não conseguimos aferir, realmente. Nunca sabemos, porque não temos uma visão geral do mercado ilícito, como é óbvio.
E muitas pessoas também não assumem que usam canábis. Ainda existe algum estigma em todo o mundo.
Sim, mas acho que é como com o álcool, sabe? Quantas pessoas bebem álcool e quantas são alcoólicas? É muito difícil dizer, não é?
É, sim, claramente. Mais uma vez, obrigada, Sita, pelas suas considerações.
De nada. Muito obrigada.
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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]____________________________________________________________________________________________________
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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação do 21º Governo Português. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “Say What? Lisbon” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e coordenadora da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
