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Opinião

O persistente desacato português às decisões europeias sobre o cânhamo industrial

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Leonardo Sousa na sua plantação de cânhamo em Penamacor, Portugal. Foto: Laura Ramos | CannaReporter®
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Num momento em que a União Europeia reforça o investimento na bioeconomia, nas cadeias de valor sustentáveis e na competitividade agrícola, Portugal insiste em recuar para um labirinto burocrático que a Europa já ultrapassou. O setor do cânhamo industrial, que no mercado interno europeu é reconhecido como cultura agrícola legítima, continua por cá a ser tratado como um artefacto suspeito. O problema já não é só atraso regulatório; é uma ruptura com o Direito da União Europeia e um atentado à segurança jurídica nacional.

A prova mais recente é o Ofício Circulado n.º 25091/2025, emitido pela Autoridade Tributária em 26 de novembro. O documento, baseado num parecer do INFARMED, declara que a comercialização de produtos contendo extratos da planta da cannabis, incluindo CBD, está proibida fora do âmbito medicinal. A AT chega mesmo a enquadrar óleos, extratos, líquidos para cigarros eletrónicos e produtos equiparados a tabaco como substâncias controladas, independentemente da origem, finalidade ou teor de THC. Este posicionamento, além de desfasado da ciência e da legislação europeia, representa uma inversão da lógica do mercado interno e ignora as obrigações de Portugal enquanto Estado-Membro.

Esta interpretação não é apenas conservadora: é tecnicamente insustentável e juridicamente nula perante o Direito europeu.

A Europa já decidiu — e Portugal recusa-se a aceitar

O Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão C-663/18 (Kanavape), estabeleceu dois princípios fundamentais:

1. Os Estados-Membros não podem proibir a comercialização de CBD legalmente produzido noutro Estado da União, mesmo quando extraído da planta inteira, incluindo flores e folhas.

2. O CBD não é considerado um narcótico segundo o estado atual da ciência, não produz efeitos psicotrópicos e não apresenta risco que justifique restrições deste tipo.

O TJUE acrescentou ainda que a livre circulação de bens — pedra angular da UE — impede que cada país crie barreiras comerciais baseadas em preconceitos ou interpretações nacionais arbitrárias.

Para agravar, o cânhamo industrial é reconhecido pela União como cultura agrícola legítima desde os anos 90. O Regulamento (UE) n.º 1307/2013 estabelece a sua elegibilidade para apoios da PAC, desde que o teor de THC seja igual ou inferior a 0,2% (ou 0,3% conforme a norma mais recente). As variedades certificadas são listadas no Catálogo Comum de Variedades Agrícolas da UE.

Portanto, enquanto a UE clarifica, Portugal obscurece. Enquanto a Europa define critérios técnicos, Portugal responde com pareceres vagos. E enquanto o Tribunal de Justiça reforça a livre circulação, Portugal inventa obstáculos administrativos que não existiam.

As lojas de cânhamo industrial: o retrato vivo da insegurança jurídica

Por todo o país, estabelecimentos que vendem produtos derivados de cânhamo industrial vivem num clima que oscilaria entre tragicômico e kafkiano, se as consequências não fossem tão sérias. Vêm-se confrontados com:

● fiscalizações sem critérios uniformes;
● apreensões de mercadoria legal no resto da UE;
● processos que ficam anos sem decisão;
● interpretações divergentes entre AT, PSP, GNR, ASAE e DGAV;
● notificações em que diferentes departamentos do Estado se contradizem entre si.

O contraste chega ao ridículo. Um frasco de óleo de cânhamo que é legal na Bélgica, certificado na Alemanha e vendido em supermercados em França, pode ser apreendido num balcão português como se fosse um carregamento de contrabando.

Esta distorção não protege ninguém — apenas destrói investimento, trava inovação e empurra pequenas empresas para a incerteza.

Portugal é europeu… mas só quando não incomoda

O mercado interno não é um buffet onde cada país escolhe o que aplica e o que ignora. O Direito da União prevalece sobre o direito nacional sempre que haja conflito. E o acórdão C-663/18 é claro. Portugal não tem margem interpretativa para proibir, restringir ou penalizar o comércio de CBD produzido segundo as normas europeias.

Persistir neste desfasamento é rejeitar o próprio espírito da União e criar um precedente perigoso: se Portugal pode ignorar o TJUE quando lhe convém, o que impede outros Estados-Membros de fazer o mesmo?

Conclusão: alinhar com a ciência, com o direito e com o futuro

O Governo português precisa de agir rapidamente:

• harmonizar procedimentos administrativos com o Direito da União e com o acórdão C-663/18; • rever a posição do INFARMED e da AT, eliminando interpretações que já não têm suporte jurídico;
• formar polícias, fiscais e reguladores para que não confundam cânhamo industrial com substância ilícita;
• restaurar a segurança jurídica que permita ao setor crescer sem medo.

O cânhamo industrial é legal. O CBD não é narcótico. A Europa já clarificou. Portugal pode continuar a ignorar isto — mas não sem custos económicos, jurídicos e reputacionais.

É tempo de abandonar o reflexo proibicionista e devolver racionalidade a um tema que, na verdade, nunca deveria ter saído do domínio técnico. O futuro europeu do setor já existe. Falta decidir se Portugal quer fazer parte dele.

Leonardo R. Sousa
Covilhã, 27 de Novembro de 2025

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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