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Cannabis Europa: “Os médicos continuam a sair das Faculdades de Medicina sem terem aprendido sobre o Sistema Endocanabinóide”

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Cannabis Europa 2025, em Londres. Foto: Laura Ramos | CannaReporter®
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A frase é de Niall Ivers, co-fundador da Cantourage, e revela um problema sistémico no sector da canábis medicinal na Europa: há uma indústria que prolifera, mas a ciência e a actualização dos currículos académicos são deixadas para trás, penalizando milhões de pacientes em todo o mundo. Ivers fez este comentário durante a sua participação no painel de discussão “As infraestruturas de acesso: poderá a Europa escalar para 5,000,000 pacientes de canábis medicinal?”, que teve lugar na semana passada, na Cannabis Europa, em Londres.

Nos dois dias de conferências no Barbican, na capital do Reino Unido, foram abordadas várias outras questões relativas ao mercado global da canábis, que podem vir a redefinir as políticas e a regulamentação da planta na Europa nos próximos anos. Mas ficou claro que existem vários problemas comuns a todos os países que, de uma forma ou outra, já regulamentaram a canábis medicinal: a dificuldade de acesso dos pacientes, a necessidade de formação dos médicos, a actualização dos currículos académicos, a inclusão de farmacovigilância na área, ou a uniformização das regulamentações a nível europeu.

Parece haver uma concordância geral no sector de que todos os países e empresas de canábis medicinal beneficiariam de leis e regulamentações comuns a todos os Estados-Membros, uma vez que regulamentações díspares aumentam a confusão e a burocracia numa área que, por ser inovadora, já se reveste de inúmeros desafios.

A Cannabis Europa decorreu a 24 e 25 de Junho de 2025 no Barbican, em Londres. Foto: Laura Ramos | CannaReporter®

Vários oradores, entre os quais Liam McGreevy, CEO do Grupo VOR, frisaram que “é importante aprender com a experiência de outros países, como a Alemanha”, porque “o mercado está a mudar, com a Alemanha a liderar”.  McGreevy constatou ainda que “há uma procura cada vez maior, a rede de abastecimento está cada vez mais consistente e há cada vez mais médicos e mais pacientes.”

Recordando que, em Israel, qualquer doente que sofra de cancro, por exemplo, pode ter acesso a canábis como medicamento de primeira linha, Niall Ivers, da Cantourage, referiu que “educar a comunidade médica é essencial para perceber o potencial da planta”, porque ela “não vai continuar a ser uma medicina diferente das outras e a farmacovigilância tem que ser feita como com os outros medicamentos. Mas será que os pacientes têm mais conhecimento do que os médicos?”, questionou.

Enquanto os manuais e as faculdades de medicina e de farmácia continuarem a ignorar a canábis e o sistema endocanabinóide, é provável que o nível de conhecimento dos pacientes seja superior ao dos profissionais de saúde, uma vez que os utilizadores aprendem com a própria experiência, quando vão procurar soluções além dos consultórios na esperança de encontrar alguma coisa que possa aliviar as suas maleitas.

E o Sistema Endocanabinóide (SE) já não é nenhuma novidade. Os recetores CB1 foram identificados pela primeira vez há 27 anos (em 1988) pelo professor Raphael Mechoulam, químico israelita considerado o “pai” da ciência canábinoide, levando rapidamente à descoberta deste complexo sistema que tem um papel fulcral na homeostase do nosso organismo. De acordo com o artigo “O Sistema Endocanabinóide: Essencial e Misterioso”, publicado pelo médico Peter Grinspoon na Harvard Health Publishing, “o SE regula e controla muitas das nossas funções corporais mais críticas, como a aprendizagem e a memória, o processamento emocional, o sono, o controlo da temperatura, o controlo da dor, as respostas inflamatórias e imunológicas, e a alimentação.” Este sistema, explica ainda, “está actualmente no centro da investigação internacional e do desenvolvimento de medicamentos”.

Dar mais apoio aos médicos para prescrever é fulcral na indústria da canábis medicinal

Eidan Havas, fundador da distribuidora australiana Entourage Effect, disse que é necessário dar mais apoio aos médicos, para que possam ter mais segurança na prescrição: “2,000 produtos [de canábis] na Austrália torna a vida dos médicos difícil — e não podemos ter um sistema em que o paciente é que diz ao médico o que tem que prescrever.” Se esse for o caminho, questionou “como é que as pessoas poderão confiar nos médicos?”. Havas deixou um alerta: “Temos que ser politicamente correctos sobre isto, há muitas formas, muitas variedades, mas temos que ter cuidado, senão pode haver uma perda de confiança no sistema de saúde”.

Berta Kaguako, consultora de saúde e assistência social da plataforma de saúde holística EthVida, chamou a atenção para “um problema sério que precisa de ser resolvido”. Segundo explicou, “neste momento estamos a perder pacientes para o mercado ilícito e as consequências associadas a ser um paciente são o cerne da questão. Ainda há tanto trabalho a fazer com os pacientes actuais… se escalarmos rapidamente para muitos mais, vai ser um desastre”, vaticinou.

“O tamanho do mercado será sempre determinado pelo desejo dos consumidores”
William Muecke, co-fundador do Artemis Growth Partners

Na conferência “Do acordo ao alinhamento: pode a Europa definir como deve ser a regulamentação da canábis?”, William Muecke também referiu a educação dos médicos e farmacêuticos como um passo fundamental. Mas para este consultor especialista em finanças e co-fundador do Artemis Growth Partners, a recolha de dados para poder identificar os problemas e avaliar os melhores caminhos possíveis é fundamental.

“O activismo quer avançar muito depressa, a farmacêutica muito devagar, e isto é um problema.” De acordo com Muecke, há passos a seguir que devem ser tidos em conta, para não cair nos erros que se estão a verificar noutros mercados: “pensamos que se deve começar pelo mercado medicinal, depois health & wellness [saúde e bem-estar] e depois o uso recreativo, porque o medicinal dá-nos dados, segurança e responsabilidade e, portanto, deverá ser o passo A antes do passo B. Caso contrário, a Europa arrisca-se a deixar de aprender com os erros dos outros para fazer bem as coisas. Os EUA perderam o seu caminho… o recreativo veio tomar conta de tudo e os pacientes ficaram esquecidos e abandonados. E não foi o mercado que falhou, mas sim os reguladores. É importante olhar para as oportunidades da canábis a longo prazo”, referiu.

O facto de não termos um marco legal para o mercado recreativo na Europa torna as coisas mais difíceis. “O que é óptimo na Holanda é que estes 50 anos de experiência já mostraram que não há consequências tão graves [após a legalização do uso adulto de canábis]. Mas agora estão a dizer: ‘vamos recolher dados que possam comprovar o que já sabemos’. Nos Estados Unidos, assim como na Alemanha, começaram a reunir-se dados há pouco tempo e do que já se pode observar, sabemos que ter preços que permitam aos consumidores passar para o mercado regulado, como na Alemanha, é o melhor que pode acontecer” porque, no fim de contas, “o tamanho do mercado será sempre determinado pelo desejo dos consumidores”, afirmou Muecke. E piscando um olho à indústria farmacêutica e aos reguladores, fez a sua previsão: “uma vez que eles tenham acesso a um comprimido que possam tomar para a sua doença, não me parece que voltem para o mercado ilegal”.

Uma planta, três mercados

Quando falamos do “mercado da canábis”, de que estamos a falar realmente? Para Will Muecke, há “uma planta e três mercados: medicinal, uso adulto e industrial” — o que só vem complicar mais as coisas. “Teremos de criar definições específicas para estes tipos de mercados?”, questionou.

Muecke, junto com os membros da plataforma B2B Prohibition Partners, é um dos promotores  do White Paper saído do Global Cannabis Regulatory Summit, organizado pela Artemis e pelo Tenacious Labs, que decorreu em Março, no Capitol Hill, em Washington D.C., à porta fechada, apenas para convidados e sem jornalistas autorizados a participar.

Lawrence Purkiss e Alex Khourdaji, da Prohibition Partners. Foto: D.R.

O objectivo do evento foi, de acordo com o site oficial, “promover as relações e as parcerias entre especialistas, líderes da indústria da canábis e reguladores internacionais, de modo a fomentar a partilha de ideias num esforço para criar momentum e reforçar os caminhos de modo a estabelecer uma economia global da canábis”.

Nesse White Paper que resultou da reunião e divulgado noutra das conferências da Cannabis Europa, é feita uma revisão do estado dos mercados, assim como dos desafios, as causas e as consequências da situação actual nos diversos países, propondo-se algumas soluções para reformar a legislação relacionada com canábis medicinal a nível mundial tendo como base o lema “Putting Patients First” (Pondo os pacientes em primeiro lugar).

No documento, Stephen Murphy, Alex Khourdaji e Lawrence Purkiss, da Prohibition Partners, expõem os problemas associados ao mercado actual da canábis, explicando que “o número de países participantes no comércio internacional de canábis medicinal está a aumentar e, no entanto, o acesso dos doentes permanece restrito a nível global”. Segundo enumeram, esse crescimento é geralmente limitado por factores como “a formação ou a educação insuficiente para os profissionais de saúde, obstáculos burocráticos para obter e/ou prescrever canábis, estigma institucional em relação ao tratamento com canábis e os custos associados a estas barreiras”.

Estima-se que a dimensão da indústria global de canábis (vendas para uso medicinal e adulto) em 2024 tenha atingido mais de 38 mil milhões de dólares. A maior parte das vendas é atribuída à canábis para uso adulto (70%), predominantemente proveniente dos mercados norte-americanos. As vendas de canábis medicinal representam aproximadamente 30% do total das vendas globais de canábis, sendo a América do Norte a região-chave, seguida pela Europa e Oceânia.

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Margarita é colaboradora permanente do CannaReporter desde a sua criação, em 2017, tendo antes colaborado com outros meios de comunicação especializados em canábis, como a revista Cáñamo (Espanha), a CannaDouro Magazine (Portugal) ou a Cannapress. Fez parte da equipa original da edição da Cânhamo portuguesa, no início dos anos 2000, e da organização da Marcha Global da Marijuana em Portugal entre 2007 e 2009.

Recentemente, publicou o livro “Canábis | Maldita e Maravilhosa” (Ed. Oficina do Livro / LeYA, 2024), dedicado a difundir a história da planta, a sua relação ancestral com o Ser Humano como matéria prima, enteógeno e droga recreativa, assim como o potencial infinito que ela guarda em termos medicinais, industriais e ambientais.

Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Laura Ramos tem uma pós-graduação em Fotografia e é Jornalista desde 1998. Vencedora dos Prémios Business of Cannabis na categoria "Jornalista do Ano 2024", Laura foi correspondente do Jornal de Notícias em Roma, Itália, e Assessora de Imprensa no Gabinete da Ministra da Educação do 21º Governo Português. Tem uma certificação internacional em Permacultura (PDC) e criou o arquivo fotográfico de street-art “Say What? Lisbon” @saywhatlisbon. Co-fundadora e Editora do CannaReporter® e coordenadora da PTMC - Portugal Medical Cannabis, Laura realizou o documentário “Pacientes” e integrou o steering group da primeira Pós-Graduação em GxP’s para Canábis Medicinal em Portugal, em parceria com o Laboratório Militar e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

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