Análise
A Península Ibérica enfrenta desafios estratégicos como principal polo industrial de canábis da Europa
Durante cinco anos, a indústria europeia da canábis tem olhado para a Península Ibérica em busca de um fornecimento fiável, em conformidade com as normas e acessível para o cultivo medicinal. Hoje, Espanha e Portugal exportam conjuntamente cerca de 50 toneladas de flores de canábis medicinal por ano — aproximadamente 15% do volume global comercializado, ficando apenas atrás do Canadá em termos de volume de comércio. Ambos os países atingiram a maturidade industrial e a integração internacional, mas enfrentam limitações internas devido a algumas das estruturas de acesso a doentes mais restritivas da Europa.
O que emergiu foi um ecossistema que impulsiona o mercado europeu da canábis medicinal, excluindo em grande parte os próprios pacientes ibéricos. Este artigo examina como a península se tornou um nó essencial nas cadeias de abastecimento globais, por que é que a sua força industrial ainda não é acompanhada por legitimidade interna e o que seria necessário para transformar a Península Ibérica de um corredor de exportação num verdadeiro líder europeu.
A ascensão da Península Ibérica como Pólo de Processamento e Exportação da Europa
Nenhuma região na Europa combina escala, diversificação e conformidade farmacêutica como a Península Ibérica. Apesar de vários países europeus, desde a Holanda à Dinamarca e Macedónia, estarem a desenvolver a produção de canábis medicinal, a Península Ibérica constitui a única cadeia de valor totalmente integrada da Europa: desenvolvimento genético; cultivo de baixo custo em conformidade com as Boas Práticas de Cultivo (GACP); fabrico em conformidade com as Boas Práticas de Fabrico da UE (EU-GMP); irradiação; análises; formulação; embalagem; ensaios clínicos e distribuição transfronteiriça.
Esta forte interdependência transformou a Península Ibérica na espinha dorsal do fornecimento de canábis medicinal da Europa, posição reforçada pelo crescimento explosivo das importações alemãs — de 32,5 toneladas em 2023 para mais de 160 toneladas previstas para 2025. Uma fracção significativa destes volumes, tanto directos como indirectos, passa por instalações portuguesas ou espanholas antes de chegar às farmácias alemãs.

A rápida ascensão de Portugal, de 709 kg de exportações em 2019 para mais de 33 toneladas nos primeiros oito meses de 2025, reflecte uma estratégia deliberada, construída sobre vantagens naturais, mão-de-obra qualificada e um quadro regulamentar flexível, mas rigoroso. O modelo de licenciamento do Infarmed permite ao cultivo GACP alimentar as cadeias de produção EU-GMP, permitindo a Portugal operar tanto como produtor primário como centro de conversão para o fornecimento internacional. Dezenas de locais licenciados — 37 cultivadores, 24 fabricantes e quase 50 exportadores — transformaram o país na maior zona de processamento de canábis da Europa, fora da Alemanha.
O mapa das empresas licenciadas em Portugal pelo Infarmed à data de 20 de Março de 2025, que entretanto já sofreu alterações.
O percurso de Espanha tem sido diferente, mas igualmente estratégico: enquanto Portugal beneficiou da agilidade no licenciamento, a presença industrial de Espanha tem-se concentrado — até agora — em alguns grandes projectos farmacêuticos de alta especificação. Com a obrigatoriedade do EU-GMP em toda a cadeia, os operadores espanhóis construíram algumas das infraestruturas de fabrico, esterilização e controlo de qualidade mais sofisticadas da Europa. Instalações como a Medalchemy (Curaleaf) ou a Ionisos tornaram-se indispensáveis para as cadeias de abastecimento continentais, processando não só flores cultivadas em Espanha, mas também importações de Portugal e de outros locais. De acordo com o último Relatório do Mercado Espanhol de Canábis, das 22 toneladas autorizadas para exportação de Espanha este ano, apenas cerca de 8 toneladas foram cultivadas internamente; o restante foi submetido a extracção, esterilização ou libertação analítica em instalações espanholas antes de regressar a Portugal ou seguir para a Alemanha, o Reino Unido ou a Suíça.

Mas o modelo não está isento de fragilidades. A recente alteração dos procedimentos de reporte em Portugal criou um inesperado estrangulamento: vários operadores mantêm agora em stock toneladas de flores importadas, aguardando licenças de exportação. A afirmação pública do Infarmed de que “a maioria” das exportações portuguesas tem origem na produção nacional contrasta com o volume visível de material canadiano e de outros países em armazéns. Entretanto, os rigorosos requisitos das Boas Práticas de Fabrico (GMP) da UE limitam a flexibilidade de Espanha para o reprocessamento à escala em que Portugal opera, colocando as duas metades da península em posições estruturalmente diferentes — embora complementares. Cinco dos nove titulares de licenças comerciais activas em Espanha são especializados em genética, tendo como clientes principais os cultivadores portugueses. Entretanto, o grande volume de produção de Portugal, em conformidade com as normas GACP e EU-GMP, fornece inputs para processadores de elevado valor acrescentado em ambos os países.
A Península Ibérica tornou-se o centro de processamento da Europa, um corredor farmacêutico por onde flui a canábis global antes de chegar aos principais mercados consumidores do continente.
Em Portugal e Espanha, o resultado é claro: a Península Ibérica tornou-se o centro de processamento da Europa, um corredor farmacêutico por onde flui a canábis global antes de chegar aos principais mercados consumidores do continente: Alemanha, Reino Unido e Polónia.
O Paradoxo Doméstico: Força Industrial, Acesso Mínimo para Doentes
A maior contradição do modelo ibérico é interna. Embora Espanha e Portugal tenham construído um dos ecossistemas de fabrico de canábis mais sofisticados do mundo, o acesso médico doméstico continua a ser dos mais fracos da Europa. Portugal, apesar do seu boom de exportações, dispensou apenas 757 embalagens de medicamentos sujeitos a receita médica nos primeiros nove meses de 2024 — uma quebra intersemestral de 33%.
Pesquisas profissionais mostram um forte suporte teórico entre os clínicos, com quase 80% dos profissionais de saúde a reconhecerem a utilidade terapêutica, mas a prescrição continua a ser dificultada por encargos administrativos, falta de formação e ausência de reembolso. Os doentes enfrentam um sistema fragmentado, sem redes integradas que liguem produtores, prescritores e farmácias. Esta desconexão entre o sucesso industrial e a limitada adesão dos doentes torna Portugal dependente dos ciclos de procura externa e exposto a choques regulamentares ou logísticos.
A situação em Espanha é ainda mais restritiva. O Decreto Real 903/2025 legalizou finalmente a canábis medicinal, mas restringiu-a à dispensa apenas em hospitais e a formulações à base de extractos. As farmácias comunitárias ainda não podem dispensar, os cuidados primários não podem prescrever e os formatos inaláveis — incluindo a flor medicinal — continuam excluídos. Apesar de até 8 milhões de espanhóis poderem potencialmente beneficiar de terapêuticas com canabinóides e de mais de 250.000 já estarem em tratamento com canabinóides, apenas uma pequena fracção deverá obter acesso legal nos primeiros anos de implementação. Entretanto, Espanha vai exportar este ano cerca de 10 toneladas de flores e formulações com certificação EU-GMP para o tratamento de doentes no Reino Unido e na Alemanha.

Ambos os sistemas partilham, portanto, uma vulnerabilidade fundamental: são mercados de exportação em primeiro lugar e mercados de acesso a medicamentos em segundo. Esta assimetria prejudica a competitividade a longo prazo, porque os países sem linhas de investigação clínica internas não conseguem gerar provas do mundo real, familiaridade entre os médicos ou ciclos de feedback para a inovação — os ingredientes que, em última análise, determinam a liderança farmacêutica global.
Os recentes estrangulamentos nas exportações de Portugal, a incerteza regulamentar da Alemanha e a entrada de novos concorrentes revelam os perigos de um modelo industrial excessivamente externalizado.
A volatilidade do comércio internacional amplifica este risco. Os recentes estrangulamentos nas exportações de Portugal, a incerteza regulamentar da Alemanha em relação à telemedicina e aos modelos de venda por correspondência, e a entrada de novos concorrentes, como a Tailândia e a República Checa, revelam os perigos de um modelo industrial excessivamente externalizado. Uma alteração na dinâmica das importações alemãs ou um escândalo de conformidade numa instalação ibérica podem perturbar parcelas significativas das receitas da península.
A capacidade industrial existe. O quadro regulatório está em vigor. O que falta à Península Ibérica é uma âncora nacional que ligue o poder industrial à legitimidade clínica.
De Plataforma de Exportação a Líder Europeu
Se Espanha e Portugal desejarem consolidar a sua posição como bloco dominante de canábis na Europa, a próxima fase deverá ir além do reprocessamento e do volume de exportação. Um modelo baseado exclusivamente no fornecimento a mercados externos é inerentemente vulnerável; um modelo que combine as exportações com a liderança clínica no mercado interno torna-se estrategicamente inabalável.
Para Portugal, isto significa simplificar os processos de prescrição, integrar módulos de formação nos currículos médicos, estabelecer a comparticipação para indicações-chave e ligar os produtores mais directamente às farmácias e aos prescritores. Um mercado interno fiável — mesmo que modesto — reduziria a dependência dos ciclos de compras alemães e permitiria às empresas portuguesas inovar nas formulações, na genética e nas aplicações clínicas.
Para Espanha, o progresso exige a implementação completa e a superação dos limites restritos do RD 903/2025. Permitir a dispensa em farmácias comunitárias, expandir as indicações e formas de dosagem através de monografias farmacopeicas, autorizar programas de acesso experimental para flores e formatos inaláveis e implementar serviços de telefarmácia começariam a preencher a lacuna entre as esferas industrial e clínica. Espanha tem capacidade para se tornar um país de referência na investigação clínica, mas apenas se as estruturas políticas permitirem aos investigadores realizar experiências e estudos observacionais em grande escala.
A oportunidade é clara. Portugal e Espanha já exportam mais canábis do que qualquer outra região do mundo, excepto o Canadá. Possuem vantagens climáticas incomparáveis, um vasto conjunto de talentos agrícolas e farmacêuticos e uma base industrial integrada que abrange desde a genética até ao fabrico de acordo com as Boas Práticas de Fabrico da UE (EU-GMP). O que lhes falta é alinhamento institucional para converter esta força industrial em adopção clínica, liderança em inovação e influência regulatória.
Se Espanha e Portugal não colmatarem esta lacuna, correm o risco de permanecer um corredor comercial em declínio, impulsionando o ecossistema da canábis da Europa sem o moldar. Se a Península Ibérica conseguir colmatar esta lacuna, a península não só continuará a ser a fábrica da Europa, como se tornará o seu centro de gravidade.
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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]____________________________________________________________________________________________________
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Arnau Valdovinos
Como fundador e consultor principal da Cannamonitor, Arnau liga os pontos da cadeia global de fornecimento de canábis através de uma visão independente do mercado internacional. Defensor da reforma das políticas de drogas com base em evidências, Arnau fornece, desde 2018, inteligência e aconselhamento prático a empresas medicinais, recreativas e de CBD em 5 continentes e 19 países.



