A Conferência sobre Canábis Medicinal CannX Lisboa, que decorreu na FIL ontem e hoje, conseguiu a proeza de reunir na mesma sessão de abertura o presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, e o director do SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências), João Goulão.
O evento foi organizado pela empresa israelita Cann10 e teve como Presidente do Conselho Científico Raquel Peyraube, médica do Uruguai especializada em canábis medicinal, e como conselheiro local Eurico Castro Alves, médico e ex-presidente do Infarmed.
Da esquerda para a direita: Raquel Peyraube, Eurico Castro Alves, Miguel Guimarães, Ana Paula Martins, Rui Santos Ivo e João Goulão
Na sessão de abertura, o actual presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, enalteceu a presença dos bastonários das Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos no evento, pois a lei e a regulamentação só funcionam com os médicos a prescrever e os farmacêuticos a assegurar que os medicamentos são dispensados nas condições adequadas aos pacientes. “Isto é essencial para a protecção do paciente, que é a nossa responsabilidade enquanto regulador. A regulamentação pretende desenvolver a melhor perspectiva para proteger o interesse público e o paciente”, afirmou. Rui Ivo disse ainda que o Infarmed está a trabalhar com todas as instituições da área para clarificar as utilizações de canábis para outros fins que não os medicinais: “Desde que saiu a legislação, há alguns produtos que deixaram de poder ser usados. Estamos muito focados na segurança dos pacientes, mas há outras utilizações fora do âmbito da utilização médica que precisam de ser clarificadas. Criámos um grupo multidisciplinar com o João Goulão, os ministros da agricultura, da economia, a ASAE e a polícia, que virá clarificar os outros usos que não são médicos”, disse, referindo-se à utilização para fins industriais.
Ana Paula Martins, bastonária da Ordem dos Farmacêuticos
Por seu lado, Ana Paula Martins, bastonária da Ordem dos Farmacêuticos (OF), começou por dizer que quando o Parlamento questionou a utilização de canábis medicinal, os farmacêuticos foram muito conservadores, porque tudo precisa de evidência científica, mas confessou que a Ordem mudou a sua visão das coisas. “Depois de muitas pesquisas, documentos, depois de ouvir os pacientes e a necessidade dos médicos, a OF está realmente interessada em saber como esse campo se está a desenvolver em Portugal”, afirmou. “É preciso garantir o acesso à canábis, mas ao mesmo tempo ser cauteloso com a segurança e a eficácia. É o que fazemos com todos os produtos e formulações, mas precisamos de mais evidências”. Ana Paula Martins disse ainda que tem havido uma grande procura de profissionais da indústria farmacêutica, especializados em produção e controlo de qualidade, por parte das empresas de canábis medicinal.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (OM), começou por referir que a canábis medicinal não é um assunto novo e que até existe muita literatura sobre o tema, mas agora que muitos países fizeram mudanças legislativas relacionadas com a canábis medicinal, existe um motivo para encorajar que mais informação seja recolhida e analisada.
“Assistimos ao ressurgimento do interesse dos pacientes em usarem canábis e canabinóides para tratar uma variedade de condições e sintomas. Esta tendência veio acompanhada de um interesse científico renovado na utilização médica das substâncias presentes na planta da canábis”, referiu.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos
“A nossa posição é muito clara: perguntámos aos nossos especialistas, baseámo-nos na melhor evidência disponível sobre este assunto, incluindo as doenças que podem beneficiar deste tratamento, mas também sobre os possíveis efeitos adversos. Sabemos muito sobre os riscos associados à utilização da canábis medicinal a curto-prazo e que os efeitos adversos são raros, mas existe menos evidência sobre os riscos da utilização de canabinóides a longo prazo. Precisamos de mais investigação, para tirarmos conclusões baseadas na evidência”, continuou. Saudando a organização da conferência, o bastonário terminou a sua intervenção dizendo que “todos temos de contribuir para uma melhor saúde pública. A medicina nunca fechou os olhos à evolução, mas nunca virará as costas à evidência científica. Essa é a única maneira que temos de proteger os nossos pacientes”.