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Reclassificação da canábis nos EUA: o sonho de uns pode ser o pesadelo de outros 

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artigo re-editado em 20/08/2025 às 19h10

“Estamos a analisar a reclassificação; tomaremos uma decisão… nas próximas semanas”. Esta frase de Donald Trump, proferida na passada segunda-feira, está a criar uma enorme expectativa e muita comoção na comunidade global da canábis. O CannaReporter® tentou perceber quais as implicações deste possível “REscheduling” e porque razão grupos ativistas e organizações pró-pacientes pedem um “DEscheduling” definitivo da planta.

No início desta semana, Donald Trump admitiu a possibilidade de reclassificar (reschedule) a “marijuana” nos EUA, passando-a da Lista I para a Lista III do Controlled Substances Act (CSA),  durante a conferência de imprensa na qual anunciou o destacamento de militares da Guarda Nacional em Washington DC.

Dois dias depois, o Congessista republicano Greg Steube (Flórida) apresentou, pela quarta vez, o seu projeto de lei para avançar com esta medida. Se a alteração proposta passar, anulará o “280E” (Internal Revenue Code Section 280E), artigo da lei que define o marco fiscal para o comércio de canábis, aliviando produtores e comerciantes de uma carga muito pesada. Esta mudança permitirá ainda simplificar a investigação científica com canábis e, eventualmente, poderá ajudar a atenuar ou anular as penas a muitos dos condenados por crimes relacionados, que continuam presos por causa do labitinto legal que prevalece no país devido à falta de uma lei federal. Mas se passar tal como foi apresentada e não for acompanhada de legislação clara que defina regras justas para todos, a medida também pode ter um impacto devastador para uma grande parte dos dispensários, “legacy growers” e mesmo para os pacientes e consumidores.

A hipótese de uma reclassificação – e mesmo da legalização a nível nacional – já paira no ar desde muito antes de Trump ter chegado ao poder. Grupos ativistas, como a NORML – a primeira organização a submeter uma petição defendendo a reclassificação da canábis, em 1972 – têm sido insitentes nos seus apelos e outros presidentes já se viram forçados a abordar o assunto.

Barak Obama manifestou-se oficialmente contra a legalização da canábis e as tentativas de reclassificá-la durante a sua legislatura foram chumbadas. Contudo, tomou medidas para facilitar a investigação científica e reforçar o poder de cada estado para regulamentar o uso dentro das suas fronteiras – o que permitiu a descriminalização em muitos deles. Curiosamente, no seu primeiro mandato, Trump acabou por revogar essas medidas.

Alguns passos dados por Joe Biden enquanto presidente foram depois apontando no sentido de uma possível reclassificação e a questão foi publicamente discutida em diversas ocasiões. A expetativa era grande, mas a alteração acabou por não avançar devido ao adiamento da audiência da DEA por parte do Juiz Chefe de Direito Administrativo, John Mulrooney. A legalização da canábis foi ainda uma das bandeiras da campanha da candidata demócrata Kamala Harris e dada a pressão, Trump também foi pegando vagamente no assunto, deixando sempre a porta meio-aberta à possibilidade da reclassificação.

“Money matters”

A canábis é, portanto, uma sombra persistente que paira sobre Trump. Até agora, o presidente foi tentando contorná-la, sem assumir nenhum tipo de compromisso. O que mudou esta semana foi precisamente isso.

De acordo com uma notícia publicada pelo Wall Street Journal (WSJ), alguns participantes que se encontravam num almoço de angariação de fundos que teve lugar no seu clube de golfe da Nova Jersia, antes da conferência de imprensa, referiram que o atual presidente dos EUA disse sobre a reclassificação da canábis “estar interessado nesta alteração”. O mesmo jornal contava ainda que o anúncio de Trump terá vindo no seguimento de diversos donativos milionários que alguns agentes da indústria da canábis norte-americanos têm vindo a fazer a grupos políticos ligados a Trump. Só naquele almoço, cada participante deveria pagar 1 milhão de dólares para poder sentar-se à mesa. E entre os mesmos encontrava-se, por exemplo, Kim Rivers, CEO da Trulieve, “uma das maiores empresas de marijuana”, de acordo com o WSJ, que apelou ao presidente para a urgência da reclassificação, de modo “a se poder expandir a investigação científica” na área.

Na verdade, tudo isto não é nada de novo. Já no passado mês de Fevereiro contámos aqui, no CannaReporter®, que a Curaleaf tinha doado 250,000 dólares a Trump “para incentivar a reforma da canábis” e outros donativos foram sendo revelados por outros meios de comunicação ao longo dos últimos meses.

Também é bem sabido que os lobbies são uma parte integrante do cenário político norte-americano e que este tipo de influências e de donativos são o pão-nosso-de-cada dia no funcionamento do estado, tanto nos EUA como no resto do mundo – embora por estas latitudes nem sempre seja assumido com tanta abertura.

Mas todos estes jogos de bastidores têm, obviamente, consequências palpáveis as quais, na maior parte das vezes, beneficiam uns (quem tem possibilidades para doar e fazer-se ouvir) em detrimento de muitos outros (aqueles que têm menos capacidade financeira e de representação).

As Bolsas disparam

O hype criado pelas sucessivas declarações ou menções à reclassificação da canábis, quer por parte de Joe Biden, quer por parte de Donald Trump, reflete-se sempre nos mercados de valores, gerando grandes lucros às empresas de canábis cotadas em bolsa.

Uma notícia publicada no site do canal CNBC na segunda-feira, após as declarações de Trump, dava conta da reação positiva dos mercados informando que “a Canopy Growth subiu mais de 26%, enquanto a Tilray Brands disparou 41%, o seu melhor dia desde 2021.” Outras empresas também viveram o seu melhor momento dos últimos tempos, como o Cronos Group, que “deu um salto de 16%, atingindo o máximo valor das últimas 52 semanas”; o AdvisorShares Pure U.S. Cannabis ETF (MSOS), “com uma subida de “cerca de 28%, marcando o seu melhor dia desde 2022”; ou o Amplify Alternative Harvest ETF (MJ), que “registou o seu maior ganho diário, aumentando mais de 26%”, de acordo com a mesma notícia.

Já em Outubro de 2022 relatámos uma situação similar no CannaReporter®, altura em que Biden pediu às autoridades que iniciassem um processo de revisão da classificação de acordo com a lei federal, anunciando o perdão de todas as ofensas pela posse e consumo de canábis.

O reverso da medalha

A reclassificação da canábis significa, de facto, que os operadores da indústria terão a vida bastante mais facilitada em termos de produção, transporte e comércio, assim como um alívio na burocracia e na carga fiscal associadas aos seus produtos.

Também significa que o acesso à canábis para investigação científica será simplificado. No entanto, para os “legacy growers” ou produtores tradicionais, para muitos comerciantes, utilizadores de canábis medicinal e mesmo para os consumidores, a aparente boa notícia pode ter um revês amargo – facto para o qual alguns especialistas e ativistas estão a alertar.

Segundo nos explicou Beau Whitney, Business Operations Expert Economist da consultora Whitney Economics, sediada em Oregon, EUA, “há benefícios na reclassificação, no sentido em que levaria a uma redução fiscal – e estamos a falar de uma despesa significativa para os operadores de canábis, especialmente na venda a retalho (dispensários), dado que a sua taxa de impostos efetiva pode frequentemente ultrapassar os 70% só a nível federal”. De acordo com este consultor, existem mais de 12 mil dispensários licenciados nos EUA.

Mas há outros problemas que se levantam quando se fala da reclassificação, já que esta “exigiria a implementação de uma estrutura federal, e isso levará alguns anos”. Também exigiria, diz Whitney, “que todos os fornecedores de canábis no sistema sejam registados, o que reduziria potencialmente o número de operadores nos EUA em toda a cadeia de abastecimento.” Mas sobretudo, explica, “exigiria que em vários estados a venda de canábis fosse feita em farmácias, em vez de dispensários, o que teria um impacto bastante profundo”.

Depois está ainda a questão das agências reguladoras e fiscalizadoras – a Food and Drug Administration (FDA) e a Drug Enforcement Administration (DEA). Se por um lado, alguns ativistas duvidam da capacidade da FDA para regular ou sequer começar a entender as complexidades que envolvem a planta, Whitney chama a atenção para outro problema: “Muitos dos benefícios dependeriam das regras implementadas pelo regulador federal, presumivelmente a FDA”, mas, diz ele, “um ponto a salientar é que a FDA tem-se oposto firmemente ao fumo. Como resultado, a indústria acredita que isto teria um impacto profundo nos produtores. Mais de 55% das vendas nos EUA são de flores ou pré-enrolados, pelo que, se o sistema americano acabar por migrar para uma cadeia de abastecimento mais baseada em óleos, em vez de flores, muitos operadores simplesmente não sobreviverão.”

Em termos de comércio entre estados, também seria preciso definir regras muito claras que, por enquanto, nem sequer estão a ser discutidas. “Como é que os EUA permitirão o comércio interestadual ou [como irá funcionar com] o setor bancário?”, questiona o consultor.

Sheri Orlowitz, fundadora do Orlowitz-Lee Children’s Advocacy Center e membro do Conselho Federal para a Regulação da Canábis norte-americano, além de um longo currículo na área, alerta para o tempo que tudo isto pode demorar: “Reclassificar a canábis para a Lista III não será uma solução rápida. A supervisão federal da FDA e da DEA pode demorar anos, deixando os doentes num limbo. A FDA já teve dificuldades em regular o CBD, levantando questões sobre a sua capacidade de lidar com a canábis”.

E para os pacientes, a reclassificação pode ter vantagens?

Orlowitz mencionou ainda as consequências que a reclassificação pode ter para aqueles que mais precisam de ter acesso à canábis medicinal: os pacientes. “É crucial que os estados mantenham o poder de regular a canábis dentro das suas fronteiras. Isto garante que os doentes continuam a ter acesso a medicamentos vitais, enquanto o governo federal navega um processo regulamentar complexo e demorado.”

Para esclarecer esta questão, falámos também com Mara Gordon, fundadora da Aunt Zelda’s Therapeutics, focada em fornecer aos pacientes produtos de canábis de alta qualidade e isentos de contaminantes, fazendo o devido acompanhamento para garantir dosagens precisas e seguras. Segundo explicou ao CannaReporter®, “desclassificar a canábis para a Lista III é, sem dúvida, um grande passo em frente, ja que esta medida acaba com os impostos punitivos ao abrigo do 280E, reduz os riscos legais e pode abrir a porta à cobertura de seguros, tal como a outros medicamentos sujeitos a receita médica. Isto é um enorme progresso”, explica. No entanto, esta especialista em casos oncológicos também alerta para os riscos de não criar desde já legislação clara que proteja os mais vulneráveis: “Os benefícios para os doentes não surgirão de um dia para o outro. As empresas farmacêuticas e os investigadores poderão agir rapidamente, mas os doentes poderão enfrentar anos de espera enquanto os produtos passam por longos ensaios clínicos antes de poderem ser vendidos nas farmácias. Entretanto, as pessoas ainda terão de recorrer a dispensários, e existe o risco de que as restrições a certas formas de medicamentos – como comestíveis, flores ou extratos – possam limitar ainda mais o acesso”, explicou, concluindo que “a menos que protejamos o acesso dos doentes agora, os ganhos a curto prazo só serão sentidos nas salas de reuniões, e não nas salas de estar”.

Gordon lembra “que foram os doentes que trouxeram a canábis para a mesa como medicamento, produto, indústria. Agora, aqueles que têm um lugar à mesa têm demonstrado repetidamente a sua falta de preocupação com o bem-estar dos pacientes”. Mostrando-se crítica com o estado atual das coisas, dá o exemplo do que já está a acontecer e pode vir a piorar: “Se a Trulieve, por exemplo, se preocupasse com os doentes, não continuaria a produzir produtos de baixa qualidade que deixam certas populações sem outras opções.”

Na sua opinião, este tipo de grandes empresas conhecidas como Multi-State Operators (MSO) quando conseguem funcionar em vários estados apesar das diferentes legislações, também deverão alinhar mais com as farmacêuticas do que com os pacientes. “Da forma como as coisas estão agora, com exceção dos produtos de cânhamo, uma empresa precisa de abrir uma nova planta de produção e etc. em cada estado em que opera. A maior parte [do que põem no mercado] é lixo de marca branca produzido em massa.”

Qual a diferença entre “REschedule” e “DEschedule”?

Na Lei de Drogas norte-americana, as substâncias classificadas na Lista I são as que apresentam alto potencial aditivo e não têm aplicação médica ou propriedades terapêuticas aceites no país, enquanto as identificadas na Lista III são aquelas definidas como substâncias com potencial de abuso mais baixo do que as que pertencem às Listas I e II, e com aplicação médica aceite.

Portanto “reschedule” (reclassificar) significa passar uma substância de uma lista para outra, diminuindo ou aumentando as restrições impostas a cada uma. O que está agora em discussão é aliviar a canábis das limitações definidas para as drogas mais perigosas, passando-a para uma lista menos restritiva.

Quanto ao “deschedule” (desclassificar) significa a retirada definitiva das listas de substâncias controladas. No caso da canábis, a mesma passaria então a ser tratada como qualquer outra planta não-controlada e, finalmente, legalizada a nível federal.

Estas listas ou “Anexos” encontram-se também na Convenção Única da ONU de 1961 sobre Drogas e Narcóticos e sucessivas revisões, assinadas pela maior parte dos países membros das Nações Unidas. São listas gerais, mas cada estado tem uma certa margem para fazer alterações às mesmas a nível nacional, à medida que as suas políticas de drogas evoluem.

Em Dezembro de 2020, a pedido da Organização Mundial de Saúde, a Comissão das Nações Unidas sobre Estupefacientes (CND) aprovou a retirada da canábis e sua resina do Anexo IV da Convenção Única (“substâncias mais perigosas e com valor médico ou terapêutico baixo ou muito limitado”), com o voto a favor de 27 dos 53 países participantes. Um passo importante que veio reconhecer o valor medicinal da planta e dos seus extratos e a facilitar o acesso à mesma para a investigação científica. Porém, a canábis continua a fazer parte do Anexo I (“substâncias com propriedades aditivas que apresentam risco de abuso sério”).

Nesta votação, dos quatro representantes dos EUA, dois votaram a favor da alteração e dois contra. E mesmo tendo sido aprovada esta medida, a legislação do país não acompanhou a revisão das Nações Unidas. Assim como no Canadá, também signitário da Convenção Única e posteriores revisões, a canábis é legal para todos os fins desde 2018 o que, tecnicamente, representa uma violação dos acordos.

Reclassificar, desclassificar… afinal qual seria a melhor solução?

Há quem defenda que se deveria criar um “Schedule VI” só para a canábis, como a Americans for Safe Access. Neste webinar partilhado no canal do YouTube da organização, explicam porque a criação desta nova lista poderia fazer sentido (min. 38:20), além de contarem a história do ativismo relativo a esta matéria e de fazerem uma análise do impacto que a alteração do estatuto da planta poderá ter “nos negócios, para os investigadores e, mais importante, para os pacientes”.

Para Mara Gordon, porém, assim como para alguns grupos ativistas como a histórica NORML, o ideal seria mesmo retirar a planta das listas de uma vez por todas. “Acredito que a coisa mais humana que se podia fazer é desclassificar e regular a canábis”. Mas lá está, há o obstáculo já referido da Food and Drugs Administration: “A FDA não faz ideia de como [o fazer] e não haverá dinheiro suficiente para as grandes corporações se isso acontecer”, diz Gordon.

Beau Whitney também concorda com esta medida: “No geral, existiriam maiores benefícios económicos numa desclassificação completa da canábis nos EUA do que na reclassificação”. Isto permitiria “o comércio interestadual e abriria o mercado a mais consumidores, aumentando assim as oportunidades para os cultivadores, processadores e fabricantes de produtos”, explica.

Se bem que a desclassificação levaria a regulamentação de volta aos estados, “semelhante ao álcool ou aos alimentos”, aponta Whitney, “também teria uma estrutura federal – estrutura necessária para permitir o comércio interestadual”. Para ele, este passo permitiria verdadeiramente “proporcionar aos consumidores mais opções e acesso, o que, na verdade, aumenta as vendas, os empregos e a receita fiscal”. Mas, como diz, “obviamente, o diabo está nos detalhes.”

A NORML, por seu lado, já lançou uma nova petição na qual deixam este pedido: “Junte a sua voz a este apelo e ajudem-nos a aproveitar o momentum, enviando esta carta pré-escrita à Casa Branca e ao Congresso, pedindo-lhes que apoiem a remoção da canábis da Lei das Substâncias Controladas e que se amplie o alívio das penas [aos condenados por crimes relacionados com canábis].”

A questão das penas e dos presos por canábis é uma luta cara à National Association for the Reform of Marijuana Laws já que com a legalização da planta na maior parte dos estados, aquilo que antes era considerado crime deixou de o ser e, no entanto, ainda há muitos condenados que continuam presos por penas impostas noutros tempos. A isto é preciso acrescentar que não havendo um marco legal que venha uniformizar as leis relativas à canábis a nível federal, cada estado aplica a sua legislação, o que cria enormes disparidades em termos de penas e de direitos dos cidadãos – condenados ou não – dependendo do estado onde se encontrem.

No texto da petição, a organização alerta ainda para nomeação de Terrance Cole, um “drug warrior” veterano, como o chamam, para liderar a DEA. “A sua administração apresentou uma proposta de orçamento que revogaria as proteções de longa data para os programas estaduais de canábis medicinal contra a interferência federal”, explicam.

Tudo isto resulta bastante contraditório e não deixa muito lugar à esperança para quem há tanto tempo luta pela reclassificação e pela desclassificação da planta.

Ver para crer

Esperança, na verdade, é coisa que muitos especialistas e profissionais não têm. E muito menos quando se fala de declarações de Trump, cujas promessas ficam tantas vezes no éter.

A analista e jornalista Brittany Somerset, Chefe de Redação independente no Gabinete sobre a Canábis e Políticas de Drogas da ONU, manifestou-nos o seu descrédito e apreensividade quanto ao mais recente anúncio de Trump, apesar do presidente ter indicado que a alteração está iminente. Muitos outros políticos antes dele reverteram as suas posições em relação à canábis e prometeram coisas que não cumpriram.

“O ex-Presidente Clinton proferiu a célebre frase: ‘Experimentei marijuana e não gostei. Não inalei'”, em 1992. No entanto, 20 anos depois, expressou em privado o seu apoio ao CBD ao Dr. Sanjay Gupta numa conferência na Florida.”

A lista continua: “O ex-presidente do país vizinho a sul, o México, Enrique Peña Nieto, recebeu uma ovação sem precedentes na Assembleia Geral das ONU quando se comprometeu a legalizar a canábis, contudo, não o concretizou durante a sua presidência”; e apontando ainda para esta notícia do jornal digital Politico como referência, diz que “o presidente Obama é outro exemplo de um político que voltou atrás na sua palavra”. Na notícia lê-se que durante a campanha, em 2008, o futuro presidente dissera que não iria “usar” o Departamento de Justiça “para contornar as leis estaduais” que regulamentam o funcionamento dos dispensários (nos estados onde a canábis é legal), desde que estes fossem cumpridores. Um ano depois, já com Obama eleito, a promessa chegou a ser formalizada, mas os raides aos dispensários continuaram.

Somerset desabafou que “visto que os políticos são conhecidos por fazerem promessas vãs, já não tenho muita confiança no que dizem, apenas no que fazem”, concluindo que “Embora não duvide que a canábis seja eventualmente removida da Lista I, isso não vai acontecer de um dia para o outro.”

A analista lembrou ainda outra coisa que o presidente Trump disse na segunda-feira: “‘Ouvi dizer grandes coisas relacionadas com o uso médico da canábis e coisas muito más relacionadas com tudo o resto’”.

Para Stephen Murphy, co-fundador da plataforma B2B Prohibition Partners, “Trump está claramente a esquivar-se e é consciente das preocupações entre a sua base conservadora” mas, continua ele: “o facto de se estarem a debater abertamente as políticas sobre canábis nos círculos MAGA e no panorama federal já é significativo por si só.”

O jornal online The Marijuana Moment também já reportou que há vozes discordantes dentro do movimento MAGA quanto ao fundamento e à forma de reclassificar a canábis. Uma delas é Matt Walsh, acérrimo apoiante de Trump,podcaster e estrela do The Daily Wire, que publicou um post no X no qual se lê: “A nossa sociedade prosperou quando todos fumavam cigarros e bebiam whisky. Tornámo-nos a nação mais poderosa do mundo com bebidas alcoólicas e nicotina. Nenhum país de fumadores de canábis jamais prosperou ou alcançou qualquer conquista. Todas as cidades onde foi legalizada a canábis tornaram-se um pardieiro ainda maior, basicamente do dia para a noite.”

Perante este panorama, é difícil acreditar que a reclassificação e, mais ainda, a desclassificação, se venham a tornar uma realidade em breve. Mas Donald Trump nunca deixa de surpreender.

Uma medida nacional com impacto global

A influência internacional dos EUA também se aplica às políticas sobre canábis e sobre drogas em geral – como aliás já se viu com o Proibicionismo. Desta feita, a reclassificação da “marijuana” no país do Tio Trump pode criar ondas expansivas não só na Europa, mas em todo o mundo.

Brittany Somerset acredita que “a reclassificação inevitavelmente levará a mais reclassificação, já que os países observam a revisão das leis, dos resultados subsequentes e dos ganhos uns dos outros”. Mas também lembra que o Canadá, “país vizinho a norte, foi o primeiro do G7 a legalizar a canábis, e nem por isso os EUA seguram o exemplo”. De referir ainda que não seguiram o exemplo – nem as recomendações da ONU – quando a Comissão sobre Estupefacientes (CND) aprovou a retirada da canábis e sua resina do Anexo IV da Convenção Única de Genebra, há cinco anos.

Mas parece evidente e consensual que a reclassificação da canábis nos EUA poderá ter um impacto importante a nível global.

Brian Applegarth, Director de Marketing e Vendas da JNS Next na área do Turismo de Canábis e de Cânhamo, disse-nos que “se os EUA reclassificarem a canábis para a Lista III, isso poderá desencadear um boom turístico”. Olhando para os números atuais, é possível fazer algumas previsões: “De acordo com a Grandview Research, o mercado global de turismo médico foi avaliado em 31,09 mil milhões de dólares em 2024, e a projeção é que atinja os 87,33 mil milhões de dólares até 2030. Tal mudança [reclassificação] alargaria as oportunidades de investigação e posicionaria a canábis como um impulsionador viável do crescimento em destinos dependentes do turismo”, explica.

Outra consequência positiva nesta área, segundo Applegarth, seria que “abriria as portas para que as marcas de canábis entrassem na economia do turismo e ligassem os seus produtos a públicos e mercados de viajantes-pacientes de alto valor.”

Stephen Murphy também acredita que, caso a reclassificação avance, “terá efeitos comerciais, financeiros e políticos de grande alcance em todo o mundo”.

Esclarecendo que a reclassificação não é uma legalização, Murphy explica que, mesmo assim, “isso iria pressionar os reguladores e as agências da União Europeia a reavaliarem a sua própria posição, especialmente à medida que o comércio transatlântico, a investigação e os fluxos de capital continuam a crescer.” Mas para a Europa , segundo diz, o impacto mais imediato seria  “psicológico e político”, explicando que “muitos governos europeus citam a posição federal dos EUA como uma barreira à reforma interna” e, portanto, a iniciativa dos EUA para reclassificar a canábis “eliminaria esta desculpa e ofereceria cobertura política, especialmente aos governos que tentam equilibrar as prioridades de saúde pública com as oportunidades económicas.”

Tanto Applegarth como Murphy concordam em que esta media ajudaria, sobretudo, a normalizar a canábis a nível global e, especificamente, entre os principais investidores e a indústria farmacêutica. “Em última análise, a reclassificação, mesmo que limitada, envia uma mensagem clara: a canábis já não é marginal. E esta mudança de tom pode ser o catalisador que ajudará a desbloquear o progresso nos mercados europeus, de movimento mais lento”, diz Murphy.

Resta esperar para ver os próximos episódios desta novela que, como já se percebeu, ainda irá dar muitas voltas antes de chegar a qualquer um dos possíveis desfechos.

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Margarita Cardoso de Meneses adota o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

 

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[Aviso: Por favor, tenha em atenção que este texto foi originalmente escrito em Português e é traduzido para inglês e outros idiomas através de um tradutor automático. Algumas palavras podem diferir do original e podem verificar-se gralhas ou erros noutras línguas.]

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Margarita é colaboradora permanente do CannaReporter desde a sua criação, em 2017, tendo antes colaborado com outros meios de comunicação especializados em canábis, como a revista Cáñamo (Espanha), a CannaDouro Magazine (Portugal) ou a Cannapress. Fez parte da equipa original da edição da Cânhamo portuguesa, no início dos anos 2000, e da organização da Marcha Global da Marijuana em Portugal entre 2007 e 2009.

Recentemente, publicou o livro “Canábis | Maldita e Maravilhosa” (Ed. Oficina do Livro / LeYA, 2024), dedicado a difundir a história da planta, a sua relação ancestral com o Ser Humano como matéria prima, enteógeno e droga recreativa, assim como o potencial infinito que ela guarda em termos medicinais, industriais e ambientais.

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